“A natureza é a grande esquecidiça, e é nisso também que ela é material. A matéria é o próprio esquecimento – só há memória do espírito.”
André Comte-Spoville
Como é difícil lembrar cada um dos nomes dos músculos, das inserções dos tendões, das depressões dos ossos, das moléculas do corpo, dos operários do DNA!
Meu pai sempre dizia que para aprender uma matéria era preciso que eu a lesse todo dia. E não só ler, mas praticar, escrever, mexer com ela. Para que eu pudesse lembrar, decorar e na prova colocar, passar de ano, crescer. E, contudo, no outro ano, ou mesmo logo depois da prova, esquecer.
Eu sei que o Evangelho pede para esquecermos a ofensa. Pede principalmente para os que se obstinam em lembrar. E deve ser um esforço inaudito lembrar um mal, já que o nosso natural é esquecer.
Deve ser por isso que desde sempre o homem aprendeu a pintar e, um subtipo de pintar, a escrever. Para que não esqueçamos o que não poderíamos deixar de lembrar. Para que o tempo que escorre pelo espaço e delimita nossa estadia na matéria tivesse suas faces coloridas com as nossas marcas de pincel. E quando voltássemos, voltasse o homem, voltasse a mulher, voltasse o menino em que eu venha a renascer desmemoriado nas suas novas células, os meus sonhos pudessem reanimar o novo eu que escorrega em outro tempo qualquer. Esquecido de quem fui, possam o homem, a mulher e o menino aprender o meu conselho, que no final das contas quis dar a mim mesmo, nas cavernas, nos muros, nos papéis, quando me reencontrar no outro em outro lugar, nos olhos do outro que se identifica com o meu ser.
Este ser que permanece por estar engomado, tatuado na rocha, pelo ferro de passar do passado.
Ah! E quando eu me reencontrar nas poesias que sobreviverem, o encanto que cada verso pintado fizer em meu peito, no seu peito, no peito do menino, denunciará que alguma coisa não é esquecida na natureza, talvez por não pertencer a ela, mas sobre ela pairar, como Deus a bailar sobre as águas na dança da criação.
É por isso que escrevemos nesse projeto o que vivemos, como que lançando um projétil para o futuro. Se os nossos colegas não entenderem o que queremos passar com nossa vida e nossas visitas a crianças doentes, alguém mais na frente entenderá. Serei eu?
Se na passagem do tempo a que aceno com a mão (a escrita que minha mão nos deu), a pressa do tempo não me der carona, fico para trás sozinho com o brilho dos meus olhos deixando cair a lágrima de ter perdido o tempo me dedicando a nada que tenha valido a pena seguir caminho. Se o tempo parar e, nessa suspensão do instante, me deixar entrar no vagão da eternidade, deixo de ter meus olhos brilhantes para ser luz que reflete tudo o que vivi e ousei compartilhar.
Porque descobri ser mais do que sou quando sou mais do que só eu. Eu só.
Allan Denizard