domingo, 25 de fevereiro de 2018

Fechar os olhos, dançar e atirar

Algum tempo atrás, nessa mesma civilização, eu seria caçado e queimado por feitiçaria. Se vivesse em uma mapa mais ao leste, já não mais. Eles entenderiam que se tratava de um aprendiz de feiticeiro zen, um pouco mais graduado, tentando despertar o instinto mágico de outros aprendizes de feiticeiro.

De outro modo, de que serviria insistir na desconstrução do corpo cotidiano, na falta de propósito, na imersão da atenção na "antinomia das forças históricas". Eu sei que o Sombra lê meus textos e não entende nada. E quem ler esse texto fora de nosso círculo dirá, acreditando ainda mais em minha feitiçaria, "ele confunde até as sombras".  

Essas questões zen pegaram tanto melhor quanto mais a filosofia taoísta, antípoda da nossa, imperava. O Tao nem é, nem não é, nem é e nem não é. Invalida, portanto, a questão do ser. Qual seria a questão a partir de agora? Não questionar.

E assim onze jovens permitem-se numa manhã de domingo estarem imersos nas questões que envolvem o espectro autista, olhando nos olhos, sentindo e experimentado a invasão do espaço, brincando com a fuga do significado das palavras, testando a dor de alguém ter um espaço. 

Nesses espaços em que manipulamos energias sutis, a descrição do que vivemos não é boa aliada. Porque, como no Tao, o ser se expande ou se explode; como no Nirvana, o limite entre o que nos dilacera ou nos acalma já não faz sentido; como dizia o Incal, do psicólogo xamanista Jodorowsky:

- Translucidez é minha última mutação.


E todos que se atrevem a estar nestas oficinas comigo sabem que translúcido é a última coisa que sou, pensam eles. Mas, esta é minha maior e última magia. Olham para os meus olhos esperando uma resposta, e eis que de repente todos estão dando as próprias respostas uns para os outros e eu: metakinesia. Meta de ser ponte, kinesia, entre movimentos. Quando pensam que sou opaco, é o ápice de minha translucidez. Vocês me atravessaram.