quinta-feira, 24 de julho de 2014

Assessorya de Palhaços

Vocês acreditam que até hoje nunca tivemos um acompanhamento longitudinal de nossos palhaços. Um espaço semanal para sentar e discutir, elaborar, digerir, assimilar, transcender e imanentizar toda a loucura que acontece em nós ao vestir a máscara de palhaço e ir visitar crianças que nos ensinam que há motivos para sorrir apesar de...

Precisamos de muitas coisas: respeitar os duetos, incrementar os jogos, intensificar os instantes, tornar mais cômicos os corpos sem se valer de tantos adereços, encontrar as roupas certas, aquela maquiagem, sentir mais os narizes, respeitar a arte, falar das quedas e de si. 

É a esse momento que eu chamo de "Eu, Caio". Três coisas acontecem nessa frase:

1. "Eu sou Caio, prazer!". A pessoa fala mais de si e se deixa enxergar como um sujeito todo especial, singular, como todos somos. 
2. "Sim, eu caí!". A pessoa fala da sua queda, da sua falha, onde ela acha que vacilou. Dividimos angústias de visitas e de máscara fora do lugar. 
3. "Sim, eu caio, e daí?!". A arte do palhaço é a de cair em todos os instantes. Falar de e treinar como reinventar quedas para gerar graça. 


***

Queria muito que aquela tal de "medicina é ciência e arte" fosse verdade. A arte está muito longe de nossa faculdade. Não sinto que o Projeto Y, sendo um dos pouquíssimos a se aventurar de manter alguma conexão estabelecida com esse mundo, seja suficiente para promover grandes mudanças. Mas, o que mais admiro nele é se atrever a ser ponte. Ponte para um tempo que sei lá quando chegará. Será um dia em que aprenderemos (eu encarnado em meus tataranetos) anatomia e fisiologia com nossos próprios corpos. Sim, isso é erótico, e daí?! Perdemos a capacidade de ser eróticos de tanto querer sublimar as coisas. E de tanto sublimar, viramos técnica. Já pensou o professor falando:

- Pessoal, para entendermos a fisiologia da contratilidade cardíaca precisamos ver até que limite nosso coração pode bater, por isso gostaria de convidá-los a dançar. 


***


 A ideia primeira é que essa assessorya seja semanal, trabalhando com uma dupla de palhaços por vez. Acredito que, com isso, vamos elevar a experiência de nossos menynos e menynas do Y a um outro patamar de potência de viver

- Espero que dê certo! Já está dando! - diz o Beto. 

sábado, 19 de julho de 2014

Oytava virtude cardinal e último dya: A ostentação



Ostentando medos e maquiagens no rosto, encontro os nossos menynos e menynas a ostentar cocas e sandubas na mão. Ostentam ainda olhares que pedem minha aprovação sobre o jogo de tintas da face.

Pouco antes estava nadando. Sentindo a água correr o corpo. Minutos depois era colocar um gorro jamaicano, uma gravata laranja surrada e panos pretos dentro de um mochilão enorme. 

O sol ostentava uma coroa linda que intensificava minha sombra à piscina. Meus olhos ostentavam um brilho que fazia com que as mãos amassassem carinhosamente aquelas roupas, as melhores, as perdidas. E nada tinham de especial, exceto a lembrança dos risos e sorrisos de que se impregnaram nas horas de almoço suadas de tanto brincar.

Deixei o Acerola ser para vivermos ainda mais com os Toddynhos. O coração ostentava uma batida diferente. E eles e elas a ostentar aquela vontade de saber se a maquiagem estava boa. Pior alvo! Se importam demais com ele. Esquecem a beleza do movimento de esticar o arco, de sentir a flecha, de se jogar na rasa.

Pedir para que o moleque Tetéu tilintasse um triângulo que me fez dormir e sonhar que homens e mulheres perdiam sua definição para serem brincantes. Abduzidos para um planeta onde é inevitável grudar no amigo pelo simples fato de ele estar ao lado. Amplificados os bolsos e os orifícios do corpo em que há e não há algo - há a gostosa presença de ouvi-los dizer que há e não há. Confuso, imantado ao chão por um peso marmotoso às costas, cadarços amarrados em cirurgia delicada, extirpados os sapatos, meia encostando no chão, o corpo todo sentindo o pisar de todos. Pessoas nascendo pelos narizes, um bezerro mamador sugava a alegria do peito de homens com tetas inchadas por uma varinha mágica. Um mascote andava semi-nu por entre as gentes, não sabia por onde entrar, mas se enredava entre nós. Eu, de repente, me vi em outro. Nós dois nos vimos em outra. Ela se viu naquela. E todos, em um momento, colados, já não mais sabiam nem de quem eram as mãos. Se minhas, se da fusão ou se do fuscão que nos conduzia desde o início, sem graça, mas cheio de repetição. 

O sol já ostentava o cansaço de tanto rir. Descera um pouco do seu trono no céu. Deu um tapa na hora que deu um passo adiante, mas bem adiante para não cair. Eu sentia, então, que precisava acordar passando por aquele portal de pernas ali. Seriam as pernas do chapeleiro louco? Não, eram as do menino de gola de fraldas. Pelos cueiros nascemos e para os cueiros voltamos - sem nariz.

Zonzo, ostento uma secreção que escapole de mim. Pródigo, ostento dentes amarelos e metálicos que escorrem da boca. Seboso, assoo um obrigado que se ostenta em meu peito - suado dos risos e sorrisos de tanto brincar. 

- Por favor, Allan, não se afasta. Sério, por favor, não se afasta! - tradução perfeita na boca de um adulto do "já acabou?!" sentido ostentado nos lábios das crianças impregnadas em mim, impregnadas de mim - pregados.

(Horas depois descubro o dedo ostentando um vermelho estranho. É sangue? É suco! ... de Acerola! Ah, então é sangue.)

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Ofycyna D6: Não se exponham, eu me exponho



Os deuses dos Vedas talvez me castiguem. Expus o círculo sagrado de sabores da alma para os meninos e meninas com pouca preparação. Rodar o dia inteiro antes de entrar, e talvez nem entrar, um deles disse, e eu o forcei. Fingir ou se consumir. Ficar na superfície ou não agüentar. 

Somos um grupo que quer transmitir alegria aos pacientes e a Rasa da tristeza estava quase sempre ocupada. Que revelador! Que sintomático! Não acredito que sejamos os únicos assim, cinzas, mas que nossos métodos de dar impotância às angústias revelam o que a Faculdade deixa passa: esconder-se por trás de notas e gabaritos. Eu nunca tinha pensado que a dificuldade de se instalar a relação humana estivesse tão fortemente arraigada com as próprias feridas - indescritíveis. 

Profundos demais? Há um senhor que fez um estudo sobre xamanismo para entender porque seus alunos de teatros se davam tão bem no clown às aulas e, ao público, se fechavam. Ele quis encontrar uma resposta entre os xamãs, porque estes tinham muito da magia de usar corpo, alma e máscaras em movimentos clownescos. Supôs que havia estados de consciência que o sagrado poderia dar luz. Convidei então a técnica do Rasa, provinda do sagrado sânscrito, para enriquecer nossas expressões de sentimentos. Apliquei de forma rápida e porca. Mas, ainda assim, ou talvez por isso, houve desconfortos profundos entre os nossos garotos e garotas. Memórias emotivas dilaceradas pesaram sobre si. Estados corporais intensos se revelaram. Outros não sentiram tanto, e isso deveria ter sido o comum para tão pouca primazia na condução de um Rasa. Essas angústias me fizeram lembrar de mim.

É que se aproxima o dia de eu lhes entregar para o hospital e lembro o quanto tive medos mil sobre minha atuação. Nunca visitei sozinho. Achava tudo aquilo intenso demais para não dividir com alguém o peso de quando a graça não dava certo. Relutei sempre em visitar sem minhas roupas sagradas. E todos sempre me criticaram por esse apego. Ainda hoje eu encaro o espaço de jogo do clown com embrulho no estômago. Uma euforia enorme esconde o medo intenso. De que? De tentar a potência do encontro e malograr. De que alguma dor que eu venha a visitar seja infinitamente maior que qualquer presença brincante. De que a mágica desapareça, pois não há lógica suficiente que dê suporte ao sucesso de toda e qualquer ação. Nenhuma teoria é suficiente para produzir em série sorrisos autênticos.

E por que persisto? Pelas vezes que deu certo. Pela leveza de que preciso. Pela verdade dessa presença que acredito ser salvadora quando as esperanças são poucas. Porque percebo que, nos tempos que vim saboreando a vida, ela tem se tornado mais amena, e que a simples presença palhaça (nessa intensidade que tentamos conquistar) surtiu efeitos balsamizantes sobre a incurável doença de minha mãe. 

Não tenho evidências para provar a eficácia de nada. Tenho gratidão.

terça-feira, 15 de julho de 2014

Ofycyna D5: O espaço é o limite



Mas, como o espaço é o limite se não há limite no espaço? Sério, olhem ao redor, para além das paredes - espaço. E do céu - espaço. E do imaginário - espaço. Sempre ao redor de uma informação digitada, entre cada palavra - espaço. É o que menos damos conta. 

Assistimos Slava's Snow Show em 3D sem óculos 3D e as sombras que torneavam os clowns os faziam mais encantados. Discutimos sobre como os espaços sugerem formar e deformam e reformam - penetram e esvaziam. Como eles significam e, no entanto, desprezados. Mas, como Erínias a se vingarem da morte dos nossos familiares espaços, eles nos moldam e, quando menos percebemos, somos uma coluna escoliótica que pende para quem mais amamos. 

Os meninos e meninas se angustiam, recebo mensagens via facebook sobre não estarem prontos. Eu fico revendo as fotos do meu filho, pequeno polo. Cabia dentro do meu tórax, já nascido. Veio ao mundo vivo. Consideramo-lo assim. E olhe ele aí! Não consegue nem andar. Mas, já treina ficar em pé. Com suporte, mas em pé! Mal fala. A favor do meu ciúme, o primeiro nome foi ti-ti-a. Contudo, já vem tomando quase todo meu espaço. Carrinho dentro do meu carro. Brinquedos lotam meu escritório que passou a ser chamado pela ti-ti-a dele de depósito. E olhe ele aí! Se eu o deixar longe dos humanos...

Importa que vocês fiquem unidos e que os velhos os acolham. Ainda que não saiba ninguém de nada. Alguns tem sofrido um pouco mais com as perguntas do que outros. Só isso, talvez. Mas, importa! Importa dizer sobre as angústia, ouvir, devolver um "estamos juntos", ainda que seja pouco e pouco tempo.

Força, querydos! O que eu devia ter dito desde o início é que essa ofycyna não forma palhaços como se massas em formas. Essa ofycyna inicia-os na descoberta e incita-os na peregrinação. Alerta todo tempo: Não esqueçam de saborear o caminho em vez de apenas atravessá-lo. 

Jogos: Movimentos em busca ocupar o espaço (em vários níveis, por todos os lados). Dupla de interação podendo dizer apenas "sobodi" e "sobocaliço". Interação entre duplas com adesivos nas testas com sentimentos: cada um deveria mostrar para o outro no corpo o que estava lendo. Movimentações que se complementassem, poses que se complementassem, um substituindo o outro.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Ofycyna D4: Bom dia, Angústia!



Estou falando pouco das angústias. Queria escondê-las, mas elas despontam, feito menino em parto. Já começa do exercício que vou levar. Qual o que se encaixa melhor? E em que ordem, Deus? Haverá ordem de despertares? Que sei eu?

Acho que estou seguindo um caminho lógico (olha eu na lógica): 1. O jogo, 2. O espaço, 3. O jogo cênico, 4. O espaço cênico, 5. A máscara, 6. O palhaço. Deverá ser assim? "Ontem foi mais concreto, senti mais!". Significa o quê? Que avancei demais? Que avançaram de menos?

O objetivo é fazer seus palhaços despertarem. Há uma vida para isso! Haverá um só jeito? Chamo atenção para os estados de corpo, para as afetações. Estes meninos e meninas clamam por achar sentidos nos jogos, por buscar a estratégia certa para atingir o ponto ideal. 

Queria um olhar que dissesse: "senti em mim esse tal de espaço". "O outro, senti sua afetação, me deformei com ele!". Vejo: "Faltam alguns milésimos, pessoal!""Vocês, se fizessem assim ou assado!". Queria-os mais dóceis ao que está acontecendo, para que, de alguma forma, ficassem mais doces. Vejo-os mais densos, angustiados e graves. Não são todos. Esse dia de hoje dei pra falar dos angustiados, de mim. 

Lembrei de algo! Há um grupo que conheci no Recife que usa as oficinas como etapa final da seleção dos novos palhaçoterapeutas. Eu achei aquilo estranho. Eles fazem todo esse máximo que fazemos para ao final dizer: você fica e você não. Eu nunca faria isso. Essas oficinas são um bordado tão há muitas mãos, que seria uma amputação selecionar. Escolher ao final apenas quem tiver maior chance de despertar? Como saber? Se eles conseguiam este olhar, eu estou longe e fujo disso.

Aí chega o Z e bem me lembra que o incômodo faz também parte do jogo, a angústia, a matemática, a lógica, o não saber dizer sobre o que houve (procurar palavras) e o saber dizer sobre o que está havendo e o que haverá (tecer algoritmos). Foi, então, que comecei a já os enxergar de palhaço, e o que estavam fazendo em cena. Ufa! Consegui enxergar. 

Fica a dica da imensa necessidade que existe de os velhos, estando presentes, se manifestarem. Fica a gratidão por Beto, Sara e Z estarem me ladeando. 

Jogos: Início da ocupação do espaço em níveis e se preocupando com o outro intermediados, também, por um balão. O círculo de pessoas a passar o aperto de mão. Um círculo de pessoas tentando pular juntas ao mesmo tempo, tentando sentir ao máximo o grupo, buscando chegar ao pulo sincrônico, sem líder, sem dicas. Pessoas andando aleatórias, podendo parar apenas quando dois ao mesmo tempo parassem. Escravos de Jó com as chinelas. 

P.S.: Falas do meu esquecimento:

"Leveza era quando, sem ninguém dizer nada, nem mesmo ver os sinais discretos, dava certo e a gente pulava junto"

"Eu enchi o balão das coisas que estavam ocupando a minha cabeça e que eu não conseguia manejar e então, na forma de balão, eu senti que pela primeira vez eu tinha o controle sobre esses problemas"

"Eu não tava aqui. Eu tava viajando. E o balão e a música me levaram pra um campo florido. Depois o balão era um pássaro no meu ombro"

"Dancem como vocês dançam, nus, no banho"

"Esse é o jeito dele e não existem jeitos errados"

Ofycyna D3: Milagres a cada segundo



Quando um jogo de palhaço dá certo, isto é, quando eu lanço uma piada do meu corpo para o espaço e o meu parceiro entende aquilo e acrescenta graça à piada, isso é um milagre. Mas, é um milagre, também e todo tempo, que você me entenda. Como podem essas ideias que saem de mim e são impostas nessas letras aleatórias, gerarem algum significado em você. Milagre! Algumas pessoas dizem não compreender o que escrevo ou digo várias vezes. Ora, milagre é compreender!

É uma das coisas que faz da vida um encanto e ainda, apesar de toda ciência, um mistério. É também o que fez a menina Ana Flávia florescer um sorriso e um salto de susto em meio à expectativa cinza do círculo de gente em que ela depositou um aperto de mão correndo em ambas as direções. Quando o aperto voltou para si ao mesmo tempo, que sensação indizível no corpo de conexão com todos! Vai a outra menina-flor se inquietar e murchar porque não ouviu um bom dia de volta, pelo contrário, recebeu uma rabissaca. Milagre ainda! Ela deveria ser invisível. O que geralmente fazemos quando nos deparamos com uma árvore que balança os galhos para nós (para o mundo)? Se não formos ecologistas ou místicos, se formos o comum homem-fábrica, ignoramos. Mas, eis que recebo uma rabissaca. Significa que, de alguma forma, lhe recebo em mim, você me deforma de alguma modo,  e eu devolvo minha afetação desse jeito. Milagre da comunicação!

O palhaço parece viver nessa dimensão do milagre. Não pode ficar tenso ao ponto de tudo afetá-lo descomunalmente - seria uma convulsão. Não pode ficar relaxado ao ponto de nada importar - seria a lassidão. É um estado de atenção do corpo, não de tensão. De exploração e experimentação do espaço, não de julgamento e invasão. É também assumir o que se é agora, no presente: um lobisomem, um narrador, um aldeão, um acusador, um morto, uma menina que coloca um nariz de palhaço e vai contar piadas para "senhoras e senhores!". Sim, o palhaço tem que vestir a máscara. E deve de fato vestir. O verbo é forte aqui! E deve viver este presente na intensidade deste presente, em resposta as afetações de seu corpo, sem esperança ou nostalgia, a não ser com aquilo que estes sentimentos do futuro e do passado fazem o corpo ser no presente. Deve, então, já estar preparado para o que acontecer. Acontecer: o verbo, aqui, também é forte!

São quatro horas de oficina que vamos vendo acontecer várias coisas em vocês. Pouco conseguem falar com tanta clareza quanto a que o corpo revela em suas afetações. Deus me mantenha atento para entendê-los. Só uma intervenção divina para nos fazer compreensíveis uns para os outros! Deus me permita andar sobre as águas com vocês. 

Jogos: Um círculo com todos em que passamos um aperto de mão, a princípio só por um lado, depois para os dois. A cidade-dorme (enquanto lobisomens a atacam e os aldeões tentam encontrá-los). Um jogo de expressões em que um ator entre quatro enfileirados faz uma expressão dando um passo à frente e os outros, cada um no tempo de si, tenta imitá-lo mais no sentimento do que na observação estrita. As fotos revelam que é um milagre alguém ter conseguido uma proximidade.

P.S.: Lembranças de outros presentes:
"Foi a melhor até agora. Foi mais concreto."
"Consegui palpar os objetivos."
"Ora, não existe não-estímulo." (Lembrando sobre as mil possibilidade de se responder ao silêncio quando se disse um bom dia)
"É intrínseco ao ser humano querer se mostrar."
Interessante a reação do Vanildo que, ao invés do susto diante da concretização da brincadeira, decide ficar perpetuando indefinidamente o jogo, repetindo em seu corpo a boa sensação.
"Impossível não se apegar." (Falando sobre o grande estranhamento que se teve ao saber que na cultura budista o apego era o pior dos males).

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Ofycyna D2: Não há corda





- Se você tentar dobrar a colher, não vai conseguir. Ao invés disso, tente perceber a verdade. 
- Que verdade?
- Não há colher!

Cena da Matrix, clássica, densa. Neo aprendia isso de uma criança avatar. Eu aprendo isso com vocês. É que o tempo parece não passar, ou passar rápido demais. É como se a deusa Atenas sentasse no trono do Sol e segurasse o Crepúsculo pelos cabelos, a fim de que seus dedos róseos não fechassem a luz do dia. O tempo se dilata, demora, dura. 

Traz Sebbe o alongamento e Sílivia, Letícia largam o corpo ao chão. Flete-se a coluna e há sempre os humilhados que quase permanecem em pé. Mas, que seria dessa vida se não fossem os humilhados? Não bem os humilhados, mas os que dependem dos outros para conseguir. Não teria a mesma graça, Vanildo, se você tivesse conseguido tudo. Menos graça se você tivesse conseguido mesmo depois de todos tentarem fazer você conseguir. 

O que eu posso dizer? Não esqueçam de olhar fora da corda, fora do alongamento, fora do caminho das cadeiras. Não é bem fazer outra coisa que não a corda, que não o alongamento, que não percorrer o caminho certo das cadeiras, mas é fazer de outra forma, seja em outra língua ou calado. Sentir. 

Experienciar a dor do joelho colidido ao granito, o garoto perdido no vão do banheiro, o longo caminho de repensar todas as perguntas que ao final não adiantarão de nada. Não esqueça de curtir essa ânsia de acertar, bem antes que o acerto aconteça ou não aconteça. Que poder você têm sobre este futuro? Terá perdido tudo o que passou até ele acontecer. 

E o mais bonito é o riso dos meninos e meninas perdidos e perdidas se encontrando nos braços dos amigos da fila que foram erguidos para lhes resgatar. Da escuridão da cegueira? Talvez. Da escuridão da independência. Mais certo. Feliz é depender de tudo o que aconteceu para pingar de suor e de risos no findar de tantos terremotos. 

Pães de queijos semi-prontos, violões chorando, coro espontâneo dos jovens ao sétimo andar, muita brisa do mar, angústia de uma palhaça já veterana a reverberar nas minhas próprias, carona querida que tive de deixar no ponto de ônibus quase final. 

Sei lá quando o jogo termina. Só sei que ainda enquanto eu escrevo, é a corda rodando dentro de mim. Não a corda, Letícia que me corrija, os meninos e as meninas, e os sims. 

Jogos: Casa, Morador, Terremoto (nível 1, 2 e 3); Pular de corda (olhos abertos, olhos fechados, olhos  fechados e língua estranha, olhos e bocas fechados, olhos e bocas fechados com todos separados - guiados por um amigo qualquer). 

Quem ler atrás de uma dica de jogos entenda, por favor, que eu não consigo me fixar nos jogos, não mais do que em tudo que vivemos juntos. 

P.S.: Outras falas dos que viveram: 

“Quem diria que eu poderia ter curtido mais a ânsia de ter planejado tanto a pergunta, a ânsia da espera na fila, os segundos antes de eu entrar na corda, por que eu teria que curtir só o momento do salto e o momento exato da pergunta?”

"Sim, somos dependentes da visão, e Somos! É nossa natureza, nossa condição, talvez.. Simplesmente somos".

"Feche os olhos e me diz o que você vê"

“Acho a ânsia do terremoto e o meu grande problema com o silêncio foram bem marcantes, pra mim hoje. E os ‘e’ e/ou ‘ou’ e as interseções. A segurança e/ou insegurança.”

“Gostei de perceber o quanto a gente se coloca como seres inseridos no jogo, mesmo sem se dar conta. Foi motivador. A ideia de dizer ‘sim’ [ao jogo] sempre parece difícil, às vezes, mas foi irado perceber o quanto é surpreendentemente fácil, tantas vezes. Fácil ao ponto da gente fazer sem nem se dar conta.”

“Ah! E teve a mão do Renan e da Saralê na hora da fila cega, também. A segurança de um aperto de mão no escuro e no silêncio. Os braços que resgatavam a gente e a deliciosa oportunidade de ajudar a resgatar. Essas coisas que não são exatamente falas, mas que ainda ecoam em algum lugar aqui dentro.”

“Todas as formas que cada um de nós usávamos com quem tava a nossa frente e com quem tava atrás da gente para sentirmos segurança no momento correto de passar na corda!”

“Acho que o que mais me marcou hoje foi o fato de não só estar no jogo, mas ser e sentir o jogo. De perceber como as coisas turbulentas, como nossas falas, os ÂHNS, as batidas da corda no chão existem mas, conforme elas vão sumindo, a gente passa a nos concentrar em pequenos detalhes que nos permitem jogar o jogo com mais atenção. Sendo que essa atenção deve ser aplicada mesmo na presença de todos os pormenores.”

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Ofycyna: Tirem a chinela da porta do elevador!


Nossas oficinas de iniciação começaram. Oficina lembra aquele lugar de consertar as coisas. Consertar as pessoas que desaprenderam a ser um concerto, daqueles de instrumentos sonoros, não palavrórios. E ela se passa em um clima de brincadeira, quase como se não tivesse nada a aprender, mas só viver alguma coisa boa entre nós. Não! Ela, de fato, se passa como se não tivesse nada a aprender, mas apenas viver qualquer coisa boa entre nós.

Então, tudo se passa como se passar por debaixo de uma corda valesse menos do que estar passando com todo mundo, sob o sol, vendo a pipa, o avião, a borboleta, o paspalhão, queimando os pés, tirando a camisa, colocando de novo.

Tomando fôlego e Tecendo nova estratégia.

Retomando tudo para passar sob a corda que gira de novo e de novo, pulando um pulo a mais em cada nível, mas para ao final, descobrir que pouco importa o fim. Não mais do que os pés sujos e as poesias compartilhadas.

Quem diria que aquele palhaço faz poesia sobre a holandesa do amor eterno? Quem diria que aquela menina carrega nos olhos um jardim de algumas flores alumiadas?

Eu não diria. E pouco importa se vi. Mais valeu ter sentido tudo isso descer pela minha garganta e arrotar tudo aqui.

Jogos principais: 1. Zé porrada (se falar o meu nome eu toco em alguém, se me tocar eu falo um nome); 2. Pular de corda em conjunto (atravessar a corda em cinco níveis). Vejam que são coisas bobas, simples. Como é que pode isso durar quatro horas que ficam para sempre?

P.S.: Falas que foram importantes nesse dia que eu esqueci de registrar: 

  • "O importante do elevador não é bem ele subir ou descer, mas ele fluir". 
  • "E se você pensar bem, parece que ele é limitado só por subir e descer, mas, vejam, ele abre sempre a porta para vc sair!". 
  • "Eu entendi o que vc disse, mas eu não sei expressar o que estou sentindo aqui!". 
  • "Estou me sentindo estranho (após ter lido um texto das próprias entranhas que até então três pessoas apenas haviam tido acesso)". 
  • "Tem abstrações que eu até consigo fazer, mas essa dos feijões misturados com os ouvidos, não deu". 
  • "Resumir não é limitar mas colocar o todo de um ser em uma palavra"
  • "Quando acabar [e você estiver um lixo, um trapo, quase nada] o que sobrar de você vai ser o seu nível cinco de você mesmo [é que o que há no abismo vai começar a poder sair]."