segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Há um ano e um pouquinho

Começou tudo com um desconforto. Será que vou saber visitar com essa pessoa Tão diferente de mim?
Bom, só saberia se criasse coragem e fosse pra visita.
Com toda a ansiedade que cabia em mim, fui pra salinha. Algumas conversas jogadas fora me acalmaram e me fizeram pensar que talvez não fosse ser tão ruim assim. Quando nos arrumamos, estava com vergonha, mas ansiosa para saber como acabaria aquele dia.
Munidos de ukelele e bolhinhas de sabão, nos encaminhamos ao HU, e as coisas foram acontecendo. Um porteiro simpático tendo sua garrafa de café roubada. Um guardinha gente boa brincando conosco. Uma recepcionista beijando as nossas mãos. Pessoas sorrindo ao passarmos cantando e tocando as cordinhas do pequeno instrumento.
A música me acalmou e salvou meu juízo. A leveza começou nesse momento.
Ao chegarmos à enfermaria e sermos bem recepcionados no quarto, já recebi elogios. “Poxa, sou Doutora Sem Nome” “Deveria ser é Doutora Linda!”. Sorrisos acolhedores e abraços envolventes. A leveza continuou aumentando.
Da sequência dos eventos seguintes não me lembro bem, mas ficaram registrados.
Um palhaço segurando o ukelele, e uma criança que sempre quis saber tocar batendo nas cordas. Ambos tinham os olhos brilhando.
Duas crianças fazendo competição de quem fazia a maior bolhinha de sabão, e o quarto inteiro prestando atenção e sugerindo dicas para os competidores por quem torcia.
Uma criança dançando e sorrindo em meio a uma brisa de bolhas de sabão com uma música desafinada tocando do chão, e uma mãe vendo tudo e sorrindo mais ainda.
Médicos, enfermeiras e funcionários da limpeza sorrindo e felizes por estamos lá, nos dando água e nos passando suco de manga.
Uma menina no isolamento e um menino Forte rindo de dois palhaços e uma criança (que, de tão alegre, mais se assemelhava aos ébrios felizes) dançando e rebolando o bumbum, enquanto cantavam que “os seus problemas você deve esquecer!”.
Momentos que pareciam estender o tempo em mil, nos permitindo vivê-los o máximo que podíamos.
Ao fim de uma visita que fora tão longa, mas, ao mesmo tempo, tão curta, meu coração estava mais do que leve. Sentia cada célula do meu corpo sorrindo e aí percebi.
Percebi nossa função naquele ambiente. Percebi que, por mais que nós tenhamos ajudado as pessoas do hospital, nós Nos ajudamos ainda mais.



Há pouco mais de um ano, escrevi esse relato da visita que até hoje conto sobre quando quero falar sobre a sensibilidade que o Y me trouxe. Talvez eu devesse ter postado na época, quando as lembranças ainda estavam frescas, e Elephant Gun ainda tocava na minha cabeça, mas a timidez me impediu. Enfim. Tá aí agora.


Preta.