Tal declaração de culpa não me traz o pesar da culpa e nem uma necessidade de desculpa. É que tem coisas e pessoas que parecem com um sonho muito bonito, que queremos contar, mas ao mesmo tempo proteger dentro de nós. Essa sensação o Y me proporcionou algumas vezes, e se agora me sinto livre para transbordar (ou não) histórias, é porque já muito antes me senti livre para transbordar e ser transbordado pelas Vivências de quem passou por mim. Obrigado pelas canções de cada um. Porteiros, zeladores, pacientes, acompanhantes, palhaços, amigos, enfermeiros, médicos, árvores, pássaros e crianças. Vocês me fizeram enxergar em mim um doutor e cuidador, a mim, que muitas vezes sentia que nunca poderia ser um nem o outro sendo tão palhaço.
Confesso que não era esse o intuito do texto que eu queria escrever, eu queria fazer um relato sobre uma visita "comum", onde não aconteceu nada de extremamente extraordinário: Uma banal sexta feira, onde levei meus pêsames (ambos o sentimento e o ukulele) e com eles fiz música pelo hospital. Perdão, fiz não, participei. Pois comigo havia uma primorosa cantora de cachos cacheados e glitterizados, e uma exímia bailarina de movimentos emungangados e graciosos. Vi com grande alegria a nossa desafinada sinfonia transformar o corredor vazio da pediatria em uma festa, com direito a debate em peidês com tradução simultânea, teste de DNA com revelações inesperadas, olhos verde-quase-cinza-da-cor-do-mar-depois-da-tempestade, busca pelo amor verdadeiro, e um quase casamento. O riso da irmazinha que fala peidando, o choro da moça no corredor, o reconhecimento do conterrâneo, o conflito entre o desenvolvimento e o planejamento... Aaaaahhhh... Eu queria falar de todas essas coisas. Coisas banais, mas que me deram um quentinho no coração.
Bem, parando pra analisar, eu acabei falando mesmo. Não como eu planejava nem exatamente o que eu planejava. Mas falei. A memoria e a palavra fluíram, e agora não são mais responsabilidade minha. Pra quem tá lendo, te vira mah, agora é contigo.
Dr. Papangu.