Nosso trabalho teve início do desejo primordial contido no coração de alguns acadêmicos de saúde de ir além das barreiras da hierarquia hospitalar, de modo a, pelo menos, tornar aquele ambiente a que os enfermos têm de reduzir o seu mundo, um pouco mais agradável.
Tendo, então, conhecimento acerca de grupos de palhaços de hospital já atuantes no Brasil e no mundo, percebemos que, apesar de não termos nenhuma formação artística maior, possuíamos já em nossa essência o principal: a forte vontade de doar os nossos sonhos em prol daqueles que, muitas vezes, vêem-se perdendo até mesmo seus sonhos de vida.
Sonhos...lembra-se daqueles que você tinha quando criança? O mundo da criança é repleto de fantasia, de imaginação...de sonhos. Tendo ou não sido retirados de nós pelas asperezas da vida, esses são, certamente, os mais puros e verdadeiros. São aqueles que realmente nos fazem felizes, simplesmente por tê-los.
Pensando nisso e em nossos ideais, notamos que nosso trabalho deveria ser direcionado à Pediatria, de modo a tentar levar o que pudermos da imensidão do mundo da criança a seu leito. Afinal, o mundo, sobretudo da criança, não depende de espaço. Basta darmos o estímulo, que ele é infinito.
Com apenas cerca de 2 anos trabalhando para tornar cada vez mais concreta a transformação do ambiente hospitalar através da máscara do palhaço, apesar de alguns investimentos na área artística, percebemos grande carência nessa área, afinal, não somos profissionais e temos relativamente pouco tempo de trabalho. Nesse campo, então, precisamos ter um contato maior com as técnicas de palhaços de hospitais, além de saber melhor utilizar a música, os sons, a contação de estórias, os fantoches, enfim, outras modalidades artísticas, de modo que as visitas se tornem mais organizadas e tenhamos mais segurança em relação a determinadas situações mais difíceis, como pouca receptividade do paciente ou do acompanhante.
Além disso, apesar do pouco tempo de projeto, já nos deparamos com diversas situações que fazem surgir por trás do nariz de palhaço, o medo e com ele diversos questionamentos sobre como agir, desde situações aparentemente simples como a seriedade de uma criança, até um algo mais sério, como um óbito em horário de visita. Já nos vimos bastante confusos diante dessas experiências, percebendo a grande importância de uma orientação psicológica, de que estamos carentes.
Acreditamos que os Doutores da Alegria podem nos ajudar de forma concreta em relação ao âmbito artístico, afinal, são todos profissionais e o que puderem nos passar dos seus conhecimentos e experiências será, sem dúvida, um aprendizado que auxiliará fortemente na qualidade de nossas visitas e, o mais importante, repercutirá sobremaneira na geração de sorrisos mais e mais alegres.
No campo psicológico, não há dúvida de que o tempo de atuação dos Doutores da Alegria e estudo sobre a relação do palhaço com a criança poderá nos proporcionar a resposta às muitas perguntas interiores surgidas durante nossas vivências e dessa forma acabará com nossos medos e angústias que por vezes nos deixam ansiosos e inseguros no hospital.
Isso tudo nos auxiliará a voltarmos das visitas com uma certeza maior de que estamos atingindo nossos objetivos e irá, sem dúvida, nos ajudar a ficar mais consolidados no trabalho a fim de pensarmos com maior confiança nos objetivos já traçados para o futuro, como a realização de pesquisas acerca das conseqüências do nosso trabalho.
Queremos que vocês escolham a gente porque nos espelhamos na forma como atuam , na forma como vocês são capazes de enxergar os pacientes. É essa visão integral do ser humano que esperamos ter como futuros profissionais médicos, enfermeiros e psicólogos. E muito mais que isso, queremos contagiar esse idéia , ou melhor, esse ideal por toda a comunidade acadêmica , quebrando paradigmas! É muito bom perceber que não sonhamos sozinhos e que somos capazes de fazer uma medicina de diferente, que somos capazes de fazer saúde sorrindo ! E é incrível como essa relação do palhaço nas nossas vidas tem sido terapêutica para nós mesmos, na medida em que muitas vezes estressados e desmotivados com relação às aulas da faculdade, depois de uma visita no hospital nos sentimos verdadeiramente revigorados ! E isso com todas as nossas limitações, imagina quando aprendermos muito mais com vocês !
Freqüentemente somos questionados acerca de nossa participação em um grupo que leva palhaços aos hospitais. E não raro, o diálogo costuma ser mais ou menos assim:
- E como é isso?- Cada integrante do grupo tem o seu palhaço, descoberta própria. Algo do tipo.- E então...- Então a gente vai pra enfermaria de Pediatria e trava contato com as crianças.- Só isso?!
“Travar contato com as crianças” é uma forma mais culta de dizer brincar. Camufla-se, assim, a simplicidade que caracteriza o nosso trabalho. Brincar, por causa de toda a carga de falta de seriedade que essa palavra traz, nos faz querer escondê-la. Poderíamos fazer todo um livro tentando convencer o mundo que brincar não é antônimo de seriedade. É perfeitamente possível brincar de forma séria. O esforço de querer conjugar esses dois universos, o do brincar e o da seriedade, é tentar formar um híbrido que tenha o melhor dos dois. Brincar, embora traga alegria, descontração; apesar de permitir o desenvolvimento de muitos aspectos cognitivos; ainda que crie e fortaleça amizades, traz o estigma da falta de compromisso, da falta de produção. As pessoas brincam enquanto estão no intervalo, não durante o trabalho. E, para nossa sociedade, da forma como ela está estruturada hoje, uma atividade que não tenha nenhuma produção não tem valia. Mas, mantendo-se longe de análises metafísicas (o que vale dizer poéticas e filosóficas), o brincar serve, notoriamente, para descansar os trabalhadores e fazê-los retornar com mais disposição para a esteira de produção. Indiretamente, portanto, brincar incrementa a produção. Não passaríamos, então, de um bobo da corte que entretém as pessoas, fazendo-as esquecer da opressão da empresa. Quem se esquece da opressão não se revolta contra ela. No nosso caso, a empresa é o corpo adoentado. O produto é a saúde. O trabalhador é a criança. O chefe são os profissionais de saúde. A criança não pode se revoltar com a rotina do trabalho de fabricar sua saúde no seu corpo. Pausa para o intervalo, volta para os remédios. Vocês dirão: “É verdade. Como a Medicina é desumana!”. Mais balelas. A Medicina não é desumana. É por ela ser tão demasiadamente humana que ela tem todas essas características. Resta saber se a nossa forma de humanidade está nos fazendo bem. Baseado em tudo que até agora eu já sabemos e já experienciamos, escolhemos uma posição diante do mundo. Essa posição não é uma posição racional, embora tenha bases racionais. Essa escolha é fé. Essa é a parte que o nosso cérebro cala e o nosso coração fala. Os raciocínios que enchem e esgotam nossas sinapses fazem bater o nosso coração de ansiedade. Ânsia por atitude. E para agir preciso de um credo.Cremos que a forma como nós vivemos hoje não nos satisfaz. Cremos que a vida não é feita só de resultados. Cremos na significação das coisas pequenas. Cremos que um doente precisa de muito mais do que remédios. Cremos no poder infinito de uma relação. Cremos na cegueira da ciência para captar a infinidade dessa relação. Cremos na veracidade da poesia que fala de amor, essa abstração imensurável! E por crer em tudo isso é que colocamos um nariz vermelho no rosto e vamos brincar, essa coisa pouca.
Diz-se que o filósofo era um pobre rico, porque, das poucas coisas que a vida lhe dava, ele conseguia extrair uma riqueza de significados. O palhaço é um filósofo, então. Citemos as poucas coisas que essa experiência nos ofereceu em poucas linhas.O cumprimento espontâneo e risonho…A curiosidade dos olhares…O sorriso gratuito…O riso conquistado…Os abraços…O “quando é que você vai voltar?” seguido de um doce desgosto “só próxima semana?!”- É, meu pequeno, só! Esse “só isso” que eu faço, só poderei de novo fazer, só na próxima semana. Mas não se preocupe, porque não virei só.