Uma moça chamada Natália passou na UECE*. Mas, ela queria UFC**. Não pela UFC ser novecentos e quarenta e três mil, oitocentos e cinqüenta e sete anos mais velha que a UECE. Não era pela tradição. Era pelo Y. Então, quando ela entrou na UECE, o primeiro sentido de seu movimento foi ir atrás de algum Y que estivesse por lá. Nada. Mas, o seu amor pelo ydeal era tão grande que ela quis construir um, porque a vida dela, nesse momento, se atraía para esse pólo magnético. E qual não foi sua felicidade ao ser recebida com tanto carinho pela gente, e ter recebido de nós tanto apoio à iniciativa.
Contamos um pouco de nossa história. E queria deixar registrado algumas respostas que foram importantes, pra mim, formulá-las.
- Qual a maior dificuldade enquanto grupo?
Então, me lembrei de grandes figuras que ajudaram a erguer o projeto, do conflito de interesses, do conflito de opiniões, da guerra (guerra mesmo) sobre as leis que iriam nos reger, das brigas (brigas mesmo) que quase separaram o Y, mas que no final o deixou mais unido e ciente do que queria.
- O encontro da identidade, respondi. O mais difícil foi encontrar uma identidade para o grupo.
Me surpreendi com minha resposta, porque sempre pensei que o Y fosse heterogêneo, cheio de personalidades que constantemente se chocavam, queira ver a bagunça que são as nossas reuniões administrativas. Mas, percebi, confrontando-nos com esse passado, que tínhamos uma identidade. Percebi que nunca de fato brigamos após a desgastante guerra inicial. Por mais que brancos e augustos se pegassem no tablado de nossa sala, existia um clima de necessidade uns dos outros. Ainda que uns, de quando em vez, dêem menos de si para o Y, em outro momento retomam força e compensam sua inatividade anterior. Aqueles que não se adequaram ao Y, saíram em pouco tempo, os que resistiram se uniram forte, num quebra-cabeças que pelejava por crescer. Mas, nunca alguém poderia ter se unido se não houvesse realmente uma essência que dissesse o que é necessário para nos unir. Nunca alguém teria se afastado se não houvesse um confronto com uma unidade que lhe houvesse dito: eu sou assim, o que traz pra mim? Por mais diversos que fôssemos, tínhamos uma unidade. E essa unidade foi uma percepção e uma conquista.
- Qual foi a maior dificuldade enquanto palhaço?
Então, pensei no medo que tinha de entrar no hospital, de enfrentar o mundo da super-ordem, dos cargos e encargos, das funções eternamente vigilantes para organizar o caos das doenças, de encarar os trabalhadores disciplinados para fazerem rodar o progresso e a cura. E qual não foi minha surpresa quando percebi que também foi o encontro de minha identidade a coisa mais difícil pra mim.
A identidade mesmo no sentido de quem sou, enquanto palhaço. Mas, não um ser sozinho sem mundo. Um cavaleiro sem nome e beduíno. Mas, sim, um ser-no-mundo, no mundo do hospital. Minha função lá. Minha pertinência naquele contexto. E mais do que isso. A aceitação de quem eu era por aqueles que deveriam ser comigo, um ser-com. Um ser-com-o-servente, um ser-com-a secretária, um ser-com-as enfermeiras, -os-porteiros, -os-guardas, -os-médicos. Porque ninguém é sozinho. A minha identidade não depende só de como eu a construo, mas de como eu a construo vivendo em um mundo, e vivendo com outros no mundo. E foi no dia em que eu vi no computador do recepcionista uma foto deles com a gente, palhaços, que eu percebi que eu havia sido aceito por uma família. E isso me mostrou um pouco mais quem eu era. Eu era importante pra eles, na mesma medida que eles pra mim. Acerola.
Não é tanto o fazer rir. Eu acho, e sempre defendi, que somos muito mais do que animadores de um recreio. Já não falo só das crianças, mas delas também falo. É que nós, com palhaços debaixo do jaleco, mostramos que o que somos por debaixo dos uniformes, dos aventais, não faz parte do universo dos uniformes e dos aventais, faz parte do mundo das peles. As peles pintadas, (caras-pálidas e narizes-vermelhos!), as peles furadas, as peles suadas, as peles enfeitadas, as peles desajeitadas do mundo lá fora que é muito mais do que instituição. A minha pele, artesanalmente por mim moldada, mostrando quem eu sou, numa identidade que ninguém tem o direito de dizer que não é arte, por mais ridícula que pareça. Palhaço.
Não veio de mente humana essa iniciativa, ou não veio só de mente humana. Esse movimento todo se mostra como uma necessidade urgente de nossos tempos. É Espírito que transcende nossa manufatura da história. É encarnação. Transubstanciação, talvez. "O espírito sopra onde quer e ninguém sabe de onde vem, nem para onde vai". Está ele indo para os rumos da UECE. Sejam felizes e contem conosco!
*UECE é a Universidade Estadual do Ceará
** UFC é a Universidade Federal do Ceará