terça-feira, 12 de junho de 2012


 -Onde dói?

- Dói tudo, doutô!

- Aqui dói?

- Dói também. Dói até os ossinho da alma.

- Alma não tem osso, menina!

- Pois a minha tem sim, sinhô! Não tá vendo essas fraturas expostas aqui?

- Cadê?

- Aqui, doutô! Os sentimento tudo pulando pra fora. Faz eles voltarem pra dentro, doutô, faz?

- Filha, eu não posso tratar de alma fraturada. Como eu vou fazer para te engessar depois?

- Mas se o senhor que é o médico não sabe, como eu vou saber? Me disseram que o senhor podia dá um 
jeitinho de me ajustar no lugar.

- Mas eu não posso, criança!

- E de lego, pelo menos, o senhor entende?

- De lego???

- É! Aquele jogo de encaixar aquelas peças coloridinhas, sabe?

- Ah, sei…

- Sabe? Ah, então o senhor pode me curar! Mamãe disse que a gente é igual a peça de lego, uma encaixa na 
outra pra montar um brinquedo legal.

- E onde eu entro nisso?

- O sinhô entra me fazendo entrar, ora! É que me dói tudo porque eu não me encaixo nas outras pecinhas… eu forço daqui, me machuco de lá, mas não entro em nenhuma, nada me cabe e eu não caibo em nada, doutô! Me conserta pra eu caber em algum lugar, pufavô?

- Menina, você não é uma peça de brinquedo! Que ideia é essa?

- Também não sei de quem foi essa ideia de fazer a gente igual a essas pecinhas de montá. Mas isso me parece coisa de um tal de “Jerico”. O senhor conhece esse moço, doutô? Minha avó sempre fala que as coisas que eu faço se parecem com as ideias dele, mas eu juro pela minha mãe mortinha que nunca copiei a ideia de ninguém! O senhor acredita em mim?

- Criança, eu…

- … eu sei, doutô! O senhor também não acredita em mim, não é? Tudo bem, não precisa acreditar, só me conserta! Deve ter conserto para peças defeituosas assim, feito eu, não tem?

- Escuta aqui, criatura, você não está doente nem é defeituosa. O seu problema é imaginação fértil.

- Engraçado, o senhor pareceu até meu pai falando agora! Então como é que faz pra parar de fertilizar a cabeça da gente, doutô?

- Não existe anti-fertilizante cerebral para transformar alguém numa peça funcional.

- Ah, não? E se o senhor inventasse? Podia ficar rico com isso, já pensou?

- Rico eu não sei, mas talvez eu conseguisse fazer você caber dentro da realidade.

- Ah, então melhor deixar como tá, né doutô? Se existir já me dói todinha, imagina se eu tiver que caber nessa tal de realidade? Dizem que lá é úmido e apertado, eu vou acabar transbordando e depois vai dar um trabalho danado pra me juntar…

Roberta Simoni












pensem nisso!

4 comentários:

Allan Denizard disse...

Quem diabos é Roberta Simoni? Que raios de texto mais lindo!!!

Allan Denizard disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

http://www.robertasimoni.com.br/

Unknown disse...

Hahahahaaha. Que legaaaaaaaaaaaaaaal. Beijos, beijos. RebYs.