Rápido, preciso escrever enquanto lembro.
Estou mergulhando em falas de membros antigos e novos buscando encontrar o nosso espírito. Entrevisto, gravo, escuto, transcrevo, me misturo, me perco. Sonhei.
Sonhei que estávamos participando de uma reunião grave junto aos profissionais da Pediatria em que trabalhamos. Os profissionais estavam furiosos conosco. Descobriram que ganhávamos bolsas para exercer nosso ofício de palhaços visitadores de hospital. Que a bolsa não era irrisória pois eram pelo menos quatro integrantes que a recebiam. A Camila, quase fantasiada com sua palhaça, como se a dizer a que círculo ela pertencia, tentava docemente ponderar que as bolsas eram insuficientes para suprir a carência de recursos da Pediatria. Eram o que eles queriam. Reivindicavam que doássemos tudo. Que os cetoprofenos faltavam enquanto os palhaços brincavam. Nossa Camila e mais alguém, não era a Angélica (era a Laís?! mas a Laís ficava mais calada, Camila tomava a frente total da defesa), nossa Camila fazia os cálculos em uma lousa verde com giz branco à mão. A divisão de todo o dinheiro para todos os recursos humanos do projeto não findava por dar um centavo para cada um. Eles não queriam saber, estavam indignados. Se tão pouco sobrava na divisão, que tudo fosse entregue para o setor, seria de melhor valia. Havia um professor lá. Era o Dr. Álvaro. Ele queria defender-nos, mas Camila o impedia, achava aquele momento de discussão muito importante. Que as vozes não podiam ser caladas pela autoridade médica. Mas, as pessoas estavam alvoroçadas, chegavam a ter raiva de nossa insistência imbecil de se desapegar de um centavo.
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Camila já não tinha forças contra a insistência. Calou-se cansada. Correu como quem foge. Laís sai em seu socorro. Dr. Álvaro começa a chamar a atenção de todos do setor. Falam sobre o que significa a bolsa para os estudantes, sobre as necessidades do projeto, sobre a importância de investir em palhaços e não só em cetoprofenos.
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Alguém nota minha presença, de repente. Estou ali no canto, chorando. Quando começam a notar o meu choro, choro convulsivamente. É que estava me doendo sobremaneira aquela rixa, aquela desconsideração, aquele clamor por dinheiro, quando o que existia entre os palhaços era, independente de qualquer bolsa, a gratuidade de toda essa ação generosa que fazia com que profissionais de saúde em formação se dedicassem, muitas vezes de forma sacrificial, para as crianças doentes. Uma das presentes me reconhece.
- É o Dr. Allan. É o Acerola. Ele já é doutor mas não pára de estar por aqui, entre os Y.
Choro ainda mais. Penso na mansuetude da Camila tentando explicar sobre a graça de toda nossa ação e não conseguindo vencer a cupidez do um centavo. Dr. Álvaro entendia meu choro.
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Não estávamos no prédio do Hospital Universitário. Era parecido com os esconderijo dos meninos perdidos da Terra do Nunca. Nenhum deles estava lá, muito menos Peter Pan...
Acordei.