quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Era tudo estratégia...

Nem tudo era estratégia
Está feliz; visite, está mal; visite.
Na dúvida; visite!
Em uma longa seca literária/ artística eu teci um casulo e lá fiquei. Minhas asas amassadas proclamando voo à medida que minha mente pedia descanso.
E em uma longa seca, precisava agir. Já estava descansada, eu só precisava romper a carcaça... Me munir de pessoas especiais, pessoas que me inspiram para voltar a visitar. E na necessidade disso, criei expectativas e mais do que isso, queria ser apenas espectadora daquelas palhaças. Só queria apreciar o espetáculo e aprender cada olhar. Nas outras visitas eu pensava o que dizer, o que jogar, como ser, como agir...Meu Deus, as dúvidas me levavam para um mar de questionamentos e de lá eu não saía e lá eu não era eu.
Aquela salinha tomou outra energia ao som de Novos Baianos. Aquelas paredes azuis davam risadas conosco, aquela miscelânea entre jovens e velhos, aquele carinho e ao mesmo tempo zoeira com o próximo era possível, tudo possível. 
Você é palhaço desde o momento que começa a se arrumar. Uma carga necessária vai aumentando para suportar tudo vem pela frente. Parece um termômetro recebendo desafios, estes eternos que temos que enfrentar. Depois de prontas, vieram uma chuva de bombons, melhor, um chafariz destes vindos depois de um apenas "bom dia"! Já ganhei minha manhã. Lá embaixo, ganhei um cházin para me acalmar e guardei o copo para mais tarde de tão bom que estava. Risadinha e Amylícia cumprimentavam todos e já íam brincando com o segurança, com as outras pessoas. Entrei na onda e apresentava a Criytalina, que brilha como um cristal. Ao entrar no hospital não foi diferente. As pessoas olhavam para nós com o olhar receptivo, era fácil se entrosar. Elas ansiavam por um carinho, uma fala, uma olhar sequer. E brincadeira aqui, brincadeira acolá, aquele hospital ia se tornando minha casa. Uma vontade de sentar naquelas cadeiras, ou deitar naquele chão ouvindo as histórias alheias em consonância com o momento. Era fácil, muito fácil.
E nos meios das minhas histórias boladas em que eu poderia ser quem eu quisesse, as pessoas também entravam no jogo, a ponto de eu mesma acreditar no enredo. Eu jurei em um dos momentos que dona Bernadete ia tirar seu nariz vermelho da bolsa e me acompanhar, mas era apenas seu celular tocando, rompendo aquela história com minhas risadas de realidade.
Era gostoso ouvir de um senhor que realizou um transplante de fígado, que tinha ganhado o dia só de falar conosco. E subindo devagarinho por conta de uma entorse quase curada, o ato tomou graça e importância. As pessoas com roupas verdes de hospital eram alfaces, os médicos eram nossos colegas de profissão que também entravam na onda, aliás uns sim outros não. Ali e acolá estávamos brincando, tirando fotos com figuras representáveis como o Einstein, com danças desengonçadas em meio a um tambor divertido de madeira.
E na rampa resolvi falar. Gente, meu coração está doendo. Sai do palhaço e disse: é sério! Já doía desde que entrei no hospital, mas a dor aumentou e não consegui guardar para mim. Eu ria e ele doía mais, sensações vinham, me arrepiavam e essa dor me acompanhava junto. 
Seria sinal de infarto? Gases? Respirava e doía também. Será que meu coração não estava aguentando tudo aquilo? Os sinais emotivos como chorar, arrepiar não faziam mais sentido. Ver a Risadinha ser aclamada e lembrada, era singelo, bonito. As pessoas lembrando dela mesmo depois de um bom tempo sem visitar. Comecei a observar: ela não usava artimanhas, artifícios para conquistar o pessoal e nem criava planos para visitar. Ela era ela! E assim era com a Amylícia (uma fusão de Felícia com o penteado de Amy Winehouse). E minha ficha caiu. Eu não preciso ser ninguém além de mim. O palhaço não é um personagem. Ele nasceu de mim e lá sempre estará. 
E na ida até a pediatria, tomou uma força maior. Brigávamos e brincávamos com o relógio. Ainda deveríamos ver as crianças! E já eram 12:20 e nada de as vermos. O tempo era outro e eram obrigações externas que nos faziam olhar o relógio.
E agora? Se passássemos por aquela corredor da pediatria, não iríamos sair tão cedo de lá.
E agora? 
Risadinha disse: vamos ver os artistas pelo menos. Eu não sabia quem era os artistas, mas disse, tudo bem, vamos lá! 
E lá estávamos andando pelo corredor, aquele da pediatria. Não queria fazer estardalhaços para não ludibriar as crianças, já íamos sair de lá infelizmente. E ao virar numa salinha à direita, lá estava a artista. Era uma senhora vestida de carinho e carência. Uma senhora doce, com mãos talentosas para o artesanato. Era realmente uma artista! Meus olhos brilharam ao ver tantas resignificações. Garrafas de cachaça virando vasos de flores, caixas de remédios se transformando em lindas caixinhas aveludadas e coloridas e outras coisas belas. Olhando para suas mãos, seus braços me chamaram mais atenção. Via ali uma fístula de hemodiálise, e a dor novamente no coração se fez presente. Lembrava ali da minha mãe, que lutou em busca de um rim por 12 anos. Era lindo de lembrar que minha mãe levava vida para o hospital com festas, bolos e salgadinhos, enquanto que a artista recrutava pacientes para fazer artesanato! Que lindo, que lindo de ser ver!
A artista cobrava a falta que Risadinha fazia, enquanto esta explicava seu desaparecimento. E eu disse com todas as palavras e sentimentos, que na ausência de Risadinha, Crystalina se faria presente. Nos despedimos e saímos devagar pelo corredor. Agora entendi o porquê dele ser tão grande. Era preciso nos estabilizar para ver mais e mais pessoas. E pelo hospital vinham mais abraços quentes e libertadores, a cada passo, eram mais fotos e fotos. Agradecimentos e parabéns mesmo nem sendo meu aniversário.
Quase saindo do Hospital , vimos uma senhora chorando. Ali seria um momento ideal para retirar o nariz vermelho e conversarmos de "gente para gente", mas não. Com o nariz em seu lugar, perguntei à senhora se queria um abraço e lá estava eu querendo passar todo meu carinho possível para aquele ser ali, frágil. 
Estava preocupada com seu parceiro, casados à 35 anos que acabava de ir para a mesa de cirurgia. E por conta de um aumento de pressão o procedimento seria dificultado. Tentamos dar força, conversar, distrair. Ela contava sua história. Desde a perda de sua mãe recentemente, até a formação de sua família, de seus quatro filhos e de um netinho lindo. Ela estava relativamente bem quando então recebeu um telefonema, talvez de um parente perguntando de seu marido, e aos prantos falou que só teria ele, que sua mãe já tinha falecido e que ela estava sozinha. 
Depois que desligou eu tive que intervir, afinal sei o que é perder uma mãe e assim como ela se fez presente na visita, ela se fará em todos os momentos da minha vida. Eu disse a ela: Você não está sozinha, Sua mãe está nas suas lembranças, no seu coração, em cada parte do seu corpo. Ela sempre estará com você. Deus lhe dará forças para continuar! 
E depois de afirmações silenciosas, permanecemos assim por um tempo. Recompusemos todas e saímos dali, deixando-a mais calma.
 A vantagem de estar com o pé machucado, foi que as escadas pareciam outro corredor da pediatria, em que eu poderia digerir tudo para continuar.
Com altos e baixos fez-se a manhã/tarde. Meu coração mesmo sendo grande, foi pequeno para tantos sentimentos, saímos dali com gosto de, poxa nem vimos as crianças, mas com certeza foi maravilhoso entrar nesse espaço e mexer com todos aqueles que ainda possuem uma criança dentro de si. 
Foi gostoso entrar na ponte e nunca mais dela sair! E assim sigo com mais gana de visitar e perceber que não preciso ser ninguém além de mim. Dançar até o sol raiar, mostrar como sou, jogar meu corpo no mundo, não desprezar nenhum canto e saber que pela lei natural dos encontros, eu deixo e recebo um tanto (e que tanto) <3>



                                                                                                          Dra. Crystalina.


terça-feira, 29 de setembro de 2015

O Amarelo Escondido no Vermelho


                Tenho que admitir que não foi fácil. Usar um nariz me torna uma dicotomia ambulante, na qual me sinto leve (por poder voar mais alto com meu ser mais imaginativo) e, ao mesmo tempo, pesada (pelas responsabilidades e realidades que ele me trouxe). “Mas é só vestir a roupa de palhaço e visitar criancinhas no hospital, o que tem de tão difícil?”. HAHA.
                Acho que o peso todo vem de um estado de espírito que, devo admitir, não está muito presente em meu ser: engraçado. Todo palhaço é engraçado! Não?! Engraçado... Eu pensava ser assim que a palhaçolândia girava, através da graça, tanto que muito surpresa fiquei a ser selecionada em meio a 46 pares de olhos. Que graça eu tinha, afinal?  “O que essas pessoas enxergaram em mim que eu não encontro ao olhar no espelho?”
                Depois de 40 horas tentando achar a minha graça em uma oficyna, me contaram da primeira visita. Seria a primeira vez com meu nariz recém nascido, o que me deixou nervosa. É engraçado (olha a graça aqui!) como eu fico hiperativa em situações de pressão, o que leva muitos a pensar que estou preparada para a situação... Não! Meu riso solto, ansioso, mascarava meu nervosismo por estar tão próximo de usar a menor máscara do mundo.
                O que eu posso dizer da minha primeira visyta? Médio. Normal. Foi bom. Nada demais. Senti-me estranha, não era pra ter sido o melhor dia da minha vida, o meu nascimento como palhaço? Hoje eu lembro que nem os bebês nascem sorrindo.
                “Não, tudo bem, a próxima vai ser perfeita, agora que eu já sei como esse troço de visyta funciona”. Ops! Dá pra ser pior que médio? Saí pesada do Hospital Universitário depois da minha primeira visyta por lá, a casa do Y. Arranquei nenhum sorriso.  E agora, o que eu faço? Uma pergunta que me fizeram na entrevista do projeto ecoava em minha cabeça: “e se você descobrir que o projeto não é pra você, o que você faria?”. SOCORRO, EU ESTOU ONDE DEVERIA ESTAR?
                A greve veio em boa hora, fugi um pouco das visytas. Só ia para a salynha nas reuniões, para escutar os relatos, que acabavam me deixando mais preocupada, porque todo mundo queria visytar mais e mais, e eu ficava com as memórias de como eu era um péssimo palhaço.
                Peguei-me refletindo em casa, tentando lembrar a resposta da pergunta feita na entrevista. “E se eu  descobrir que o projeto não é pra mim, o que eu faria?”. Nesse momento o celular tocou e era uma pessoa do projeto pedindo para eu cobrir um horário dela na visyta dos velhos. Aceitei porque lembrei a resposta: “eu faria de tudo para enxergar outros lados do projeto y até encontrar um em que me faça feliz, em que me encaixe”. Aquela visyta no domingo à tarde pós meu aniversário era minha busca por outras faces.
                Falando em outras faces, lembrei algo enquanto me vestia na salynha para ir ao hospital: meu nariz é amarelo na face de dentro... Por que nunca o usei assim? Virei-o ao avesso, como virei as memórias ruins ao meu favor. “Quando tento te definir em uma cor, só consigo pensar em amarelo” disse o Dr Marmota nas primeiras semanas da minha faculdade.
                Sol. Naquele dia eu era Sol na pediatria. Iluminei o corredor com as músicas que toquei no violão. Brilhei no The Voice HU, direto do quarto dos meninos. Irradiei amor quando me casei com o Francisco Davi (que está convencido que meu nome é Ana Paula, apesar de ele me chamar de Gabriela). Nasci verdadeiramente ali. Doutora Zói de Bila nasceu naquele dia, como sol nasce de manhã, e até hoje ela ainda não se pôs.
“O essencial é invisível aos olhos”. Invisível como o amarelo, que estava escondido do outro lado do vermelho. Ou como a minha graça, que todo tempo estava no meu eu palhaço.
             
                                                                        Dra Zói de Bila.