terça-feira, 29 de setembro de 2015

O Amarelo Escondido no Vermelho


                Tenho que admitir que não foi fácil. Usar um nariz me torna uma dicotomia ambulante, na qual me sinto leve (por poder voar mais alto com meu ser mais imaginativo) e, ao mesmo tempo, pesada (pelas responsabilidades e realidades que ele me trouxe). “Mas é só vestir a roupa de palhaço e visitar criancinhas no hospital, o que tem de tão difícil?”. HAHA.
                Acho que o peso todo vem de um estado de espírito que, devo admitir, não está muito presente em meu ser: engraçado. Todo palhaço é engraçado! Não?! Engraçado... Eu pensava ser assim que a palhaçolândia girava, através da graça, tanto que muito surpresa fiquei a ser selecionada em meio a 46 pares de olhos. Que graça eu tinha, afinal?  “O que essas pessoas enxergaram em mim que eu não encontro ao olhar no espelho?”
                Depois de 40 horas tentando achar a minha graça em uma oficyna, me contaram da primeira visita. Seria a primeira vez com meu nariz recém nascido, o que me deixou nervosa. É engraçado (olha a graça aqui!) como eu fico hiperativa em situações de pressão, o que leva muitos a pensar que estou preparada para a situação... Não! Meu riso solto, ansioso, mascarava meu nervosismo por estar tão próximo de usar a menor máscara do mundo.
                O que eu posso dizer da minha primeira visyta? Médio. Normal. Foi bom. Nada demais. Senti-me estranha, não era pra ter sido o melhor dia da minha vida, o meu nascimento como palhaço? Hoje eu lembro que nem os bebês nascem sorrindo.
                “Não, tudo bem, a próxima vai ser perfeita, agora que eu já sei como esse troço de visyta funciona”. Ops! Dá pra ser pior que médio? Saí pesada do Hospital Universitário depois da minha primeira visyta por lá, a casa do Y. Arranquei nenhum sorriso.  E agora, o que eu faço? Uma pergunta que me fizeram na entrevista do projeto ecoava em minha cabeça: “e se você descobrir que o projeto não é pra você, o que você faria?”. SOCORRO, EU ESTOU ONDE DEVERIA ESTAR?
                A greve veio em boa hora, fugi um pouco das visytas. Só ia para a salynha nas reuniões, para escutar os relatos, que acabavam me deixando mais preocupada, porque todo mundo queria visytar mais e mais, e eu ficava com as memórias de como eu era um péssimo palhaço.
                Peguei-me refletindo em casa, tentando lembrar a resposta da pergunta feita na entrevista. “E se eu  descobrir que o projeto não é pra mim, o que eu faria?”. Nesse momento o celular tocou e era uma pessoa do projeto pedindo para eu cobrir um horário dela na visyta dos velhos. Aceitei porque lembrei a resposta: “eu faria de tudo para enxergar outros lados do projeto y até encontrar um em que me faça feliz, em que me encaixe”. Aquela visyta no domingo à tarde pós meu aniversário era minha busca por outras faces.
                Falando em outras faces, lembrei algo enquanto me vestia na salynha para ir ao hospital: meu nariz é amarelo na face de dentro... Por que nunca o usei assim? Virei-o ao avesso, como virei as memórias ruins ao meu favor. “Quando tento te definir em uma cor, só consigo pensar em amarelo” disse o Dr Marmota nas primeiras semanas da minha faculdade.
                Sol. Naquele dia eu era Sol na pediatria. Iluminei o corredor com as músicas que toquei no violão. Brilhei no The Voice HU, direto do quarto dos meninos. Irradiei amor quando me casei com o Francisco Davi (que está convencido que meu nome é Ana Paula, apesar de ele me chamar de Gabriela). Nasci verdadeiramente ali. Doutora Zói de Bila nasceu naquele dia, como sol nasce de manhã, e até hoje ela ainda não se pôs.
“O essencial é invisível aos olhos”. Invisível como o amarelo, que estava escondido do outro lado do vermelho. Ou como a minha graça, que todo tempo estava no meu eu palhaço.
             
                                                                        Dra Zói de Bila.


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