O Dr. Acerola chegou e, como de costume, quiseram fazer dele suco. E ele assustado. E os promissores assassinos rindo.
O susto e o medo foram os sentimentos que mais nos travaram no começo de nossa atividade de palhaços no hospital. A imagem de eles fazerem suco de nós é bem o que pensávamos que poderia acontecer. Moer-nos de críticas. Liquidificar nossos ideais. Fazer um coquetel de indiferença. Trágico! Foi bem o contrário que aconteceu, ainda que a ameaça de pegar o Dr. Acerola para fazer dele suco tenha surgido e se perpetuado. Se nos leitos o jogo já não rola, dê uma olhada no corredor que estarão tentando pegar o palhaço para fazerem suco de acerola.
Engraçado como conquistamos nosso espaço lá dentro, as simpatias, o território. Os palhaços têm amigos entre os funcionários. É mais belo que isso! Os funcionários mais amigos dos palhaços são os mais humildes na escala hierárquica. É o moço do lixo, é a senhora da vassoura e do rodo, são os cozinheiros.
Dessa vez, tão logo ele chegou no início do corredor e lá no final um grito e um riso: "O Acerola!". Tão logo ele se aproximou da cozinha e já tinha uma das cozinheiras com seus braços armados para lhe dar um abraço. Outra lhe deu um susto e segurou sua gravata a fim de arrastá-lo para dentro do liquidificador.
As crianças já estavam a postos olhando sequiosas os palhaços se aproximarem. Depois de alguns mungangos e cumprimentos introdutórios, o Dr. Acerola acompanhou uma delas até a brinquedoteca. Ficou admirado, nunca tinha reparado nas possibilidades de jogo lá dentro. Dessa vez decidiu que brincaria mais ali. Uma menininha chega perguntando pelo Acerola. Ela o convida para ir ao balancê. Ele senta e ela o balança. Depois se inverte. O palhaço se empolga e sobe em cima do balanço, se pendura no teto, fica balançando por lá. Cai. A pequena, que já havia presenciado milhares de quedas do Acerola desde que se havia internado, pergunta:
- Falando sério, certo? Falando sério. Você sente dor quando cai?
- Não.
- Sério?
- É.
Um dos meninos filósofos que ouvia a conversa encontra o motivo:
- Ele é feito de borracha.
- Preciso lavar minha mão. - diz o Acerola mostrando a mão toda suja.
- Por aqui! - levando ele ao banheiro mais próximo.
- Preciso de sabão.
- Aqui. - vai em outro banheiro que naquele não tinha.
- Mas a torneira não funciona aqui.
- Então vem cá. - vai guiando o Acerola como se ele fosse o brinquedo falante dela.
Acerola lava as mãos com sabão. Não sabe onde enxugar. A pequena aponta pra um varal onde tinha uma roupa estendida. O palhaço não pensa duas vezes e enxuga lá mesmo. Enquanto ele enxuga, ela faz pipi do lado.
Quando foi a última vez que eu fiz pipi do lado de alguém? Foi quando criança, depois de ter andando muito de bicicleta com meu primo. Na beira de uma ponte. Foi numa noite, depois de a molecada ter jogado bola até a exaustão. Na beira de uma calçada. Foi numa tarde, depois de termos escalado todos os galhos possíveis de uma cajarana. Na beira do quintal.
O que essas cenas têm em comum? A inocência das crianças que até o pipi tornam uma atividade social. E os brinquedos que nunca vão criticá-las por estarem fazendo o que não devem. Faziam pipi ao lado da bicicleta, da bola, da cajarana. Por que não fazer pipi ao lado do Acerola?
Mas os brinquedos não curam a criança de uma doença. Mas quem é que a criança faz questão de levar para todos os cantos, para o pipi ou para o hospital? Deve haver alguma influência nessa vontade dessa presença, desse amigo.
Finda a atividade, passa-se lá pela cozinha para bater o ponto - um beijo de uma das cozinheiras, um copo de água de coco para sair no pipi mais tarde. Ora, há brinquedos que também fazem pipi.
2 comentários:
eii to com saudade do acerola réi lesmera !!! aff ! :***
adoreiiiiiiii!! muito muito!! um dos melhores depoimentos!! :D
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