quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Esquecer os sapatos...

É quase como transformar os seus pés em patas gigantes, listradas em preto e branco e com unhas enormes;
É quase como se transformar no ortopedista do hospital e ter a certeza de que todo mundo quer fazer uma cirurgia pra ficar com os pés iguais aos seus;
É quase como se tornar um bailarino profissional sem nunca ter colocado uma sapatilha de balé na vida;
É quase como começar a perceber que célebre frase "dá a patinha" pode fazer sentido real oficial;
É quase como perceber que você é uma das poucas pessoas que tem passe livre pra andar descalço no hospital (liberdade para as patinhas!);
É quase como notar que suas unhas dos pés são tão grandes quanto as unhas das mãos de outras pessoas;
É quase como perceber, depois de algum tempo, que você também esqueceu seus óculos (que agoniante!!!) e bater um desespero de turvar a visão de verdade;
É quase como se abismar ao ver que tem pessoas que sequer reparam nos seus maravilhosos pés de monstro;
É quase como olhar pro lado e ver uma Aurora brilhante e uma Preguiça ambulante prontas pra errar tudo o que pode ser errado;
É quase como perder o horário pra sua aula da tarde e não se importar nem um pouco;
É quase como ter certeza que não vai aguentar esperar uma semana pra voltar a perder os sapatos.

Ainda não entendeu? Deixe-me explicar melhor...

É quase como comer um pote de nutella com um saco de batata ruffles cebola e salsa, deitado no sofá da sala, enquanto um incenso de camomila queima na mesinha de centro, um cobertor felpudo - carinhosamente apelidado de peludo - lhe cobre dos pés aos ombros e a chuva de fim de tarde cai do céu nublado e bate na janela num ritmo sereno (tudo isso enquanto você está vendo umas nóias nitzscheanas no computador).
É quase isso.
Ou talvez um pouco mais.


Dr. Aparecido

terça-feira, 23 de agosto de 2016

No quarto andar










As vigas eram as mesmas, o elevador que levava às alturas também. A sensação vinha como um deja vu fantasiado de nervosismo e ansiedade. E lá estava eu com meus balões.
O tempo se esvaia como bolas de mercúrio esmagadas aos poucos pelas mãos, mas eu não poderia deixar de afagar mais um coração e, como efeito lateral, o meu também sairia mais quentinho.
Meus olhos fitaram aquele ser indo em direção à vista do quarto andar. Sua energia era densa, daquelas difíceis de penetrar, mas eu não ia desistir tão facilmente.
Me guiei em seu olhar e fiz dele meu aliado. Ao mirar o céu espantosamente, chamei-a para desfrutar dessa dádiva, e lá estavam seus olhos fitando comigo o teto azul. Resolvi ir mais longe e apontei para as montanhas envergonhadas do lado direito e, seus olhos, meus companheiros, levavam o pescoço para apreciar aquelas manchas verdes.

Contudo, meus colegas estavam abalados, tristes talvez com a distância deles com o mundo fora do quarto andar. Foi aí que eu consegui não só andar, mas correr...
Não iria só. Convidei-a para chutar a bola gigante que se encontrava em cima de um prédio, escorregar em uma ponte vista lá de longe e brincar com os bichinhos de nuvens presentes no céu.
A energia foi ficando criança. Seus olhos tímidos já emitiam esperança e senti que eu já poderia partir.

Deixei ela lá com um balão, a imaginação e a certeza de que o quarto andar sempre será um convite para amar e voar!

Crystalina.






segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Carta ao meu nervosismo.

22 de agosto de 2016

Dra. Florida
Coração Palpiteiro
Rua Medo, Sem Número


Prezado Nervosismo,

Eu queria te dizer o quão ingênuo foi esses medos que você provocou, mas queria te mostrar o quão grande eles me fizeram sentir depois.  Eu queria te dizer o quão singular foi deixar cada gota de suor  fazendo aquela maquiagem e ansiando saber o que me esperava. Mal imaginava eu que a primeira porta aberta seria enfeitada com cantoria de palhaços. Cantamos parabéns para alguém, mas parecia mais uma felicitação a cada um que ali venceu seu medo e seu nervosismo, que juntou seus cacos e se fez inteiro para viver o nosso vysitao. 
Foi uma tarde intensa, prezado nervosismo. Três horas passaram, você se foi e eu nem vi. Ou vi? Ah! Eu vi e deixei você escoar no sorriso singelo do Gabriel, que desenhou o nariz amarelo da Dra Farrofas e pintou minha tatuagem com lápis cor roxa. Eu vi e deixei você ir embora junto com o medo do Lucas, que não conseguia respirar sem a máscara de oxigênio. Te deixei embora para conseguir segurar o Lucas no ombro e ajuda-lo a descer na cama. Eu te deixei ir embora porque naquela tarde o que me ocupou foi o conforto. Estranho, né? Como sentir conforto diante daquela criança que chorava quando eu aparecia no vidro da enfermaria? Conforto porque no final da tarde aquela mesma criança que chorava agora brincava com bolhas de sabão as quais eu não conseguia soprar,  mas o Dr. Noia conseguia fazer aquelas bolhas parecerem maiores que o mundo. Brincava eu de estourar bolhas com nariz de coração. Foi ali mesmo que residiu meu coração a tarde toda, a tarde toda no nariz vermelho.
Prezado nervorsismo, eu queria te dizer que naquela tarde eu me escrevi e me bordei de todos os meus sentidos. Eu me vi e revivi na memória cada olhinho espantado de criança ou sorriso pequeno nos lábios dos adultos. Eu te deixei de lado para me alimentar de brotos de fantasias que nascia nos olhos daqueles pequenos. Desde o garoto que tomou café quente e acreditou que barriga ia ferver à menininha que se assustou com a buzina do nariz vermelho. Eu te deixei de lado para entrar no mundo de fantasia meu, onde eu acredito que eu posso ser tudo que eu quiser, puder e imaginar. Eu te deixei chegar talvez desde o dia da primeira fase da seleção para poder te deixar e ir embora no momento onde algo melhor pudesse ocupar o seu lugar. Hoje eu sou ocupada, minha ocupação é levar minha fantasia para onde precisam dela. 



Atenciosamente,


Dra. Florida.