Conta-se, entre muitas outras versões, que quando a deusa grega da fertilidade e dos cereais, Deméter, esteve triste e colérica por conta do rapto de sua filha Perséfone pelo infernal Hades, uma velinha de uma aldeia grega desconhecida foi prestar culto a deusa.
No meio do culto deu para tombar, cair e ficar de bunda para o ar com a calcinha a mostra (se é que tinha calcinha). Deméter olhou aquilo do alto de sua infeliz potestade e - riu! Sua gargalhada gerou mil bouganvilles novos, alcaparras aos montes, pólens escapulindo da sua boca fecundando um sem fim de terra, em um solo fustigado pela seca, pela raiva de uma deusa-mãe sem sua filha. Num átimo voltou a se lembrar que a filha ainda estava longe de si, e neve verteu de seus olhos queimando o que havia florescido.
Esse mito ilustra muitas coisas. Entre elas, o fato de nosso fazer de palhaço de hospital gerar uma alegria breve. Outra delas é sermos - nós, os agentes do riso - desconhecidos, moradores de uma aldeia qualquer, nada de heroísmo, nomes fulgurando na história universal. Outra ainda, é o de provocar flores, que são lindas, e que morrem.
Lembrei disso nesse momento em que perdemos nossas perséfones (e um perséfono): Rafaela, Lara, Jucá e Renan. Eles vão seguir no casamento com suas profissões, seus infernos. Vão nos deixar aqui, no inverno de Deméter. Não sofremos como a deusa, porque não temos o menor poder de negociar a volta deles com qualquer superior que seja. Sofremos como a velha do tombo. O máximo que podemos fazer é continuar tombando a fim de continuar o ofício de provocar flores, como eles provocaram por alguns anos em nós. Somos desconhecidos, de fato, mas nossos amores, seus nomes, sabemos bem quais são, quem são cada um.
As palavras-chaves que eu escreveria se esta postagem fosse um artigo científico para ser publicado seriam: Saudade, Brevidade, Flores.
Voltem a nos visitar, por favor! Será, então, primavera.
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