sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Estou perdido

Estive conversando com um de vocês. Não é a primeira vez que tenho essa conversa, neste teor: "esta faculdade me esmaga". Pra falar a verdade, o grosso da pesquisa que fiz sobre o que vem sendo vocês se dedicando pro Y acaba tocando profundamente nessa ferida. 

Quando me aproximo do espelho, vejo as falhas da barba, os detalhes da assimetria da cicatriz que agora carrego, as manchas na minha esclera que de longe é branca toda. Quando me aproximo de vocês, vejo cada um desse mosaico que de longe chamamos Y. Eu acho bonitas as duas visões. Não por carregar harmonia, como queriam os gregos, mas por ser repleta de humanidade. 

A última pessoa que me veio falar, estava em busca de conhecer o mundo para além da faculdade. Achava que seria um médico melhor voltando dessa busca. Talvez pudesse mesmo encontrar que ser melhor fosse não ser médico. 

Já houve quem subiu montanhas e enfrentou ventanias, só para chegar num lugar bem alto, a fim de ver se lá de cima, no silêncio, na posição mais privilegiada que os olhos poderiam ter (quando as pálpebras cerram), conseguiria ver o que diabos tinha dentro de si. Há quem habite palcos ou frequente mesas brancas ou terreiros ou círculos cristãos de oração em línguas, que são experiências de transcendência sem igual: ser outro no meu corpo, incorporar os outros que sou. Outros foram para ilhas revolucionárias, dessas que vivem um outro mundo possível. Outros ainda decidiram simplesmente, na grandeza que essa simplicidade esconde, andar de bicicleta por cidades que respiram as quatro estações, deitar-se em praças que as famílias vivem o piquenique, deliciar-se com os sabores e aromas de civilizações que nos criaram. 

Há por todos os lados, as vivências de lutas sobre o amor, como ele é feito, como ele pode ser vivido, "no meu corpo", "no seu corpo", "no nosso corpo", "no entre nós". Vivi dois amores no Y. Desses da ordem do sexo, da amizade e da transcendência de mim. Chorei no colo de um, me derramei, enfim, nos braços do outro. Venho encorpando esse último amor num lar em que me deito em paz depois das lutas do dia. 

O que a última conversa com um de vocês me trouxe é o mesmo calor de sempre. Uma vida errada na faculdade que reage para não se reduzir àquilo. Então, ela queria deixar de ser errada para ser errante. Se os meus erros significam que não acerto o alvo e a meta que os diretores me cobram, é que o corpo está fazendo a prova, mas a alma, onde está? 

Quer, então, trancar um pouco essa porta, abrir outras que arejem seu rosto. Sentir a pele molhada de vida, que na faculdade de medicina, a morte é onipresente vizinha. 

O que eu poderia dizer? Vá? Quem sou eu para dar autorização? Quem sou eu para tirar? Contando essas histórias, venho me sentindo uma árvore milenar crescida ali no canto da salynha. Vou testemunhando combates e, sem dar conselho algum, conto a própria história de vocês. 

O que eu poderia dizer, o que acho certo alertar, é que um semestre ou um ano ou um país distante não bastam para se encontrar. Para falar a verdade, feito árvore milenar, tenho pensado cá com minhas folhas cadentes que mesmo uma vida parece pouco. O que não pode acontecer é deixar de buscar.  


Dr. Acelora, ops, Acerola 

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