Primeiro, quando foi para o projeto ser aprovado na coordenação do curso, tívemos que fazer uma projeção de benefício: quantas pessoas beneficiaríamos. Para um cálculo simplório, pegamos o número de leitos em média ocupados na Pediatria e multiplicamos por 4, levando em conta que cada criança passa, novamente em média, 1 semana no hospital. Esse valor é colocado no campo das pessoas beneficiadas e acrescentado por mês. Então, por exemplo, se são 12 leitos (sempre) em média, multiplicamos 12 por 4 (porque os meses têm, por assim dizer, em média 4 semanas) e teremos 48 pessoas/mês beneficiadas.
Mas não é verdade. Porque a média não existe. Percebe? Média é uma abstração. E na média não há graça, porque não há variação caótica, daquela que faz a regra mudar de sentido, gerando um estranhamento e um riso. Não há Y na média. Sem riso, sem graça, sem verdade. Porque a verdade das pessoas beneficiadas pegaria os funcionários que cuidam da limpeza do corredor e dos quartos, pegaria os auxiliares da enfermagem, os estudantes que por lá passam, os profissionais diplomados. Mas nem sempre e nem todos, porque há dias que não se pega ninguém, e há dias que alguém não está afim de ser pegue. Há uns que um dia são e outros dias não, pela própria vontade e pelo próprio contrário da vontade. E para ver como a média que nos pedem é cega, falo ainda de outras entidades que deveríamos contar, e que talvez até contemos e coloquemos no papel, mas que também não contamos muitas vezes e elas estão tão presentes: as mães. Porque não há crianças sem mães.
Claro que devemos contar e é por isso que às vezes contamos, ou melhor, algumas delas contamos. Porque o Y é tão surpreendentemente fora de um olhar mediano que há no Y mães beneficiadas que não são mães de hospital, não em média. São as mães dos próprios Ypsilonianos. E pais também.
Fico pensando porque uma mãe sairia de seus afazeres do dia para nos ajudar a desenhar palhaços e confeccionar lembrancinhas. Mas aconteceu. E perder boas horas do dia fazendo um desenho grande de uma menina soltando bolhinhas, tudo para que enfeitássemos uma nossa salinha. E os pais que “paitrocinam” os devaneios nossos.
Uma mãe vê o filhinho dela indo pra faculdade e ela pergunta o que vai fazer, e ele diz que vai brincar com as crianças, de palhaço. Ela olha desajeitada pro marido e fala o que ela vai fazer e o pai diz: “Deixe ele brincar. Não teve infância. Chamamos ele para a responsabilidade cedo demais.” E eu não sei, mas eu bem acho que aquele pai tinha um certo carinho pelo palhaço daquele filho Y. Era um beneficiado também.
A média não vê esses pais, essas mães. Não podemos registrar isso em nossos resultados. Há muita coisa que acontece no mundo que não podemos provar, mas que a gente sabe que existe. Como colocar isso de forma inequívoca pro mundo?
Sim, porque há aqueles que olham para esses relatos e dizem que é invenção, que é mentira. Mentira são as médias que dormem certinhas em fila nas gavetas por aí. Muito bem organizadas nas organizações. Como se a vida não fosse um monte de páginas diferentes, irreprodutíveis de próxima-página incerta.
Então me deixe colocar assim no campo de pessoas beneficiadas:
Às vezes 26, outras 31,7 - vírgula sete porque teve uma que não foi beneficiada por inteiro. Sendo alguns dias 1, mas pense num 1 bem beneficiado! Coloque em mente, contudo, 25, se preparando para que sejam 40. Melhor então deixar uma incógnita variável “x”, digo, melhor dizendo... eh... “y”. Pronto:
Allan (Dr. Acerola)