Hoje eu quero falar dos dias que não são bons.
Porque tem dias que, simplesmente, não são bons.
Tem dia que a acompanhante não quer te ver;
Tem dia que a criança chora e não importa qual das mil técnicas que sempre funcionam você use pra conseguir se aproximar, ela não te aceita;
Tem dia que o hospital ta vazio;
Tem dia que você não sabe o que fazer;
Tem dia que nenhum jogo encaixa;
Tem dia que o tempo parece passar mais devagar que o costume;
Tem dias que não aparece nenhuma risadinha, nem um sorriso e nenhuma comoção. Tem dia que é de indiferença. Quiça torpor;
Tem dias que você não entende direito qual a sua função ali. Se é que ela existe;
Tem dia que o nariz vermelho pesa um pouco...não é natural.
Pois é, às vezes, as visitas não são boas.E não importa o quanto o palhaço seja forte, ou ache que é forte, tem coisas que não da pra ir contra. O próprio hospital, que reconhecemos, com frequência, como um ambiente duro, quadrado, concreto, muitas vezes é duro demais e é difícil quebrar isso. Algumas vezes, na verdade, é o hospital quem nos quebra. E isso não é terceirizar a culpa. Claro que outros palhaços poderiam se sair melhor, no mesmo ambiente, mas isso não pode diminuir quem sentiu dificuldade.
Desconstruir, no hospital, é trabalhar em um meio difícil. Principalmente quando você está, de algum modo, habituado a ele. Desconstruir o hospital é difícil. Principalmente quando você é ele - e quando, mesmo assim, você ainda se choca e se ofende com tudo o que ele pode ser.
Também tem fatores pessoais. Tem aqueles dias mais difíceis pro próprio palhaço. Tem aquele paciente que lembra alguém por quem você tem mais carinho, tem aquela pessoa que lembra quem você sente falta, tem aquela situação que te irritou ontem, tem o ônibus lotado e quente com aquele pastor irritante gritando a viagem toda...
No fim das contas tem dias que só...não vai. Alguma coisa se perde no caminho e quando você sai da visita e finalmente tira o nariz (e você quase ansiava por isso) você pensa "Hoje não foi...".
É uma sensação difícil essa do "não foi". As pessoas não te dizem que você vai passar por dias "não foi", quando você começa. Na verdade, as pessoas nunca te falam sobre os dias "não foi", em canto algum.
Em dias assim, no entanto, é sempre bom ter um amigo palhaço que olhe pra você, sorria e diga:
"obrigado por ter ido comigo hoje! Foi ótimo!" e te faça pensar naquela acompanhante no fundo da sala que tava sorrindo de olho em vocês, quando vocês nem estavam dando atenção pra ela. Ou ainda te faça pensar na menininha que nem olhou na sua cara e passou o tempo todo de costas, mas que se acalmou um pouco e ficou prestando atenção, quieta, quando vocês começaram a discutir, na porta. Ou ainda que te faça rir pensando em como aquele jogo de vocês dois deu muito errado.
No fim das contas, hoje nem foi um dos dias realmente ruins. Mas hoje, de algum modo, "não foi". Já houveram dias incrivelmente piores, é claro. Mas esse tipo particular de gravidade (contrário à leveza) me sondou hoje, durante boa parte do dia.
De qualquer forma, hoje eu quis escrever sobre os dias difíceis. Sobre o nariz incômodo.
Até pra me lembrar que não somos heróis. Que nem sempre somos bem vindos. E que nem sempre teremos o poder para mudar o mundo, seja ele um hospital, seja ele o mundo particular no qual cada um de nós vive - e que talvez seja o maior de todos.
Mas também escrevi sobre os dias difíceis pra me lembrar de olhar para o pequeno, o simples -o sorriso da acompanhante do fundo da sala, com quem eu nem tava brincando.
Me lembrar de agradecer pelos dias que deram errado. De aprender com eles.
Me lembrar de ir para uma relação aberto, sem grandes expectativas.
Mas, principalmente, pra me lembrar de nunca deixar de ir.
Caju - Mayko
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