Hoje sentamos para conversar e vimos uma iguana. Bem, sentamos para conversar. É que senti que quando as angústias estão muitas, precisamos falar. Eles já haviam falado muito. A maior parte era inquietação. Esse é o momento em que falo mais, iluminando o que vivemos com perspectivas esclarecedoras.
Evoquei então a história do palhaço e a provável e profunda conexão do clown de hoje com a commedia del'arte e suas variantes. O papel da máscara no jogo, o jogo, a trapaça. O outro nome do palhaço em algumas culturas é o trapaceiro (trickster).
Esclarecemos um pouco sobre a improvisação a partir do que sabemos sobre as máscaras. Estas dão ao ator um mundo de possibilidades de ação, mas que são limitados pela história da máscara. A grande pergunta é: qual a história da máscara do palhaço?
Resposta: a sua.
Quais os movimentos possíveis?
- Os seus
Mas, principalmente, os que você esconde.
Ouvi certa vez uma história da genética que nossa identidade (o que permite dizer quem são nossos pais) era muito mais ditada pela parte dos cromossomos silenciada (íntrons) do que pela parte manifesta (éxons). Essa parte silenciada seria a que nos poderia tornar multiformes, e não essa coisinha parecida com alguma coisa que somos. Seríamos tudo: Mística. Pois bem, o palhaço precisa que desembrulhemos essa totipotência.
O que guardamos com o tempo no baú? O que não foi aceito pelos outros. Pois isso era a principal fonte de riso contra nós. Mas, quem vem buscar o palhaço busca o riso dos outros, ou busca elevar o riso que nunca saiu de cima de si à categoria de arte. Um professor da nossa faculdade de artes cênicas, que é pequeno e tem a coluna disforme, é doutor em artes cômicas.
Deveria ser algo fácil trazer o que foi escondido à tona. Somos panela de pressão. Mas, os mecanismos que engendramos (eu e a sociedade) para recalcar isso são tão densos que precisamos de uma energia sobrehumana (artística) para chegar lá (no subsolo). É preciso de um espaço em que eu possa me experimentar. É preciso de um grupo que permita essa experiência.
Na cultura grega, essas forças tinham parentesco com os deuses do caos. Eram temidas, repudiadas, isoladas, mantidas no nadir do Tártaro, que é o oco da Terra. Porém, coisa interessante, entre os deuses do Olimpo, os majestosos mantenedores da organização cósmica, um filho de Zeus exercia o caos na Terra sob a anuência do pai. Na teologia cristã, esse rapaz, Dioniso, foi tido como uma das faces do mal, mas os gregos o colocavam como um dos deuses veneráveis do alto céu. Ele, o sombrio, e Apolo, o que navega no sol, irmãos. Por quê?
Ps.: Dioniso é o deus do teatro, além de ser o dos bêbados.