quarta-feira, 20 de julho de 2016
Segundo dya: Atravessar
A Ivne estava mais negra. Por quê? Ontem ela havia ido à praia, mas era o horário do sol bom. Por que mais negra?
Porque era uma sereia, cujo sangue roxo a permitia uma cicatrização rápida, ainda que dividisse seu corpo para bronzear apenas os membros e não a barriga. Lambida pelos pseudópodos solares, ao mesmo tempo que pela língua prateada da lua, o sal do sangue de sereia serenou sua sorte sorrateira. Ninguém contou com o magnésia que luzindo em seu sangue a permitia atravessar a noite assistindo lua de cristal. Era o mesmo magnésio que preenchia seus ivnócitos a fim de torná-la sensível ao eclipse que aconteceu após o filme. Camaleoa, poderia ter se contentado com toda essa alquimia, mas teve de não só consumir a Azul que agora morava em sua mecha, como também decidiu vampirizar o João Cachinhos que estava ao seu lado. Em dois dias ele não estaria mais na terra de forma livre, mas incorporada nela.
Depois de entender o que se passava na pele de Ivne, fomos em busca de curar a talvez reação alérgica dela a ypsilocitocinas, que também provocaram a mudança da cor do chifre que Gerson carregava nas fuças. A cura: a corda.
O que realmente imperou hoje foi o enfrentamento de nossos negros. Ou melhor: o não enfrentamento.
Não conseguíamos imitar genuinamente a pessoa sob pena de fazê-la mais feia em nossa imitação. Não conseguíamos pedir para que alguém se calasse sob pena de silenciá-la para nós. Não nos permitimos correr longos passos para além da travessia da corda porque receávamos estatelarmo-nos na parede. Em vez disso a corda bateu em nós - muito e várias vezes.
Todavia, sentimos melhor o que havia aqui dentro. Fechamos os olhos, ouvimos o fustigar do látego na grama, a ardência do marimbondo na pele, o suor das mãos de mais de dois agarrados em nós. Senti como o coração dela bate com medo. Alguém carregou o outro nos olhos. Foi intenso, mas não pesado.
Alguém começa a entender alguma coisa:
- Mas, se podemos colocar tudo no jogo, posso eu colocar minha vontade de mandar a criança se calar?
- E se eu tenho só medo e insegurança, o que colocar?
(Eu calado)
- Deveria colocar o medo e a insegurança para jogar?
(Eu sem fala)
- Mas, se eu colocar essas coisas para os outros pode ser que eles se sintam mal e eu não vou me sentir bem com isso.
(Eu poderia ter ficado calado, mas falei)
- Tanto maior sua sombra fica quanto menos você sabe qual o tamanho dela.
A Ivne estava mais negra hoje. Por quê?
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