1, 2, 3, 4 despertadores... Todos com frases motivadoras:
“ÓIA AS QUIANÇA!”, “ACORDA, PALHAÇO!”, dentre outras. Levantei de um salto, não
dei bom dia pra ninguém em casa, pulei no chuveiro e fiquei imitando vozes e
ensaiando caretas e repassando mentalmente todas as reflexões poéticas que me
haviam sido ensinadas nas capacitações. Organizei minha mochila com a minha
roupa de palhaço e dobrei cuidadosamente meu jaleco no braço, tomei um
café-da-manhã reforçado e foi aí que o nervosismo me assaltou, “o encontro já
havia começado?”, foi um assalto a mão armada mesmo, com direito a estômago
revirado, fraqueza nas pernas e uma vontade de desistir e me esconder embaixo
das cobertas, me abrigar na segurança da minha cama, mas já era tarde, eu tinha
combinado tudo, não podia dar pra trás agora.
Entrei no carro e coloquei o fone
de ouvido no volume máximo e deixei Los Hermanos ocupar cada minúsculo
pedacinho da minha mente. Meu pai tagarelava palavras de incentivo, tenho
certeza, mas ao tentar fazer leitura labial meu cérebro me traíu e tudo que eu
lia eram os versos do Marcelo Camelo, pedi desculpas mentalmente ao meu pai e
continuei no meu privado ritual de controle de ansiedade. Ele parou o carro e
eu desci, escutei seu emocionado e nervoso “Boa sorte, princesa!”, observei o
carro se afastar e então entrei no prédio. “Prédio errado, moça, procure a
assistente social.”, foi a primeira coisa que eu ouvi, pronto, a ansiedade me
abraçou por completo e deu até um puxão de cabelo em mim só pra implicar.
Entrei temerosa na sala da assistente social e falei com um fio de voz: “É o
projeto dos palhaços, moça.” E, apesar de nervosa, eu sorri, eu era palhaça e
aquilo me deu uma tímida confiança.
A assistente social me indicou o caminho e
fui, ainda um pouco perdida, seguindo a linhazinha amarela no chão que servia de
indicação até chegar à Cidade da Criança, o local aonde eu iria me arrumar,
chegando lá me arrumei com os outros palhaços. Vesti a roupa enfeitada, o
jaleco e pra mim nada mudou, comecei então a minha maquiagem. Não fazia a
mínima idéia do que fazer, então resolvi obedecer ao Marcelo Camelo e fiz como
o vento, fui fazendo a maquiagem como vinha, sem pensar, rindo com os meus
amigos, sem me preocupar e de repente olhei-me no espelho e lá estava ela, Dra.
Kakau, mas faltava algo, que era? A bolinha vermelha!! Botei o nariz. Mudei,
não sei aonde, não sei como, não sei por quê, mas finalmente a Dra. Kakau
conseguia respirar. Não forcei uma voz, não forcei um andar, um jeito de falar
ou um jeito de pensar, eu me entreguei a uma personalidade extra que eu tinha
escondida no bolso.
E lá fomos, fazendo hora com o moço sério do corredor,
fazendo hora com o moço engraçado da cantina, com o segurança ocupado, com a
enfermeira sorridente. Chegamos, finalmente, na enfermaria e fui sem pensar,
não parei pra raciocinar se eu podia me jogar no chão, eu me joguei. A
menininha corria, eu corri. O menino jogou a pelúcia em mim, fingi ser atacada
por um tigre gigantesco e aterrorizante. Não tentei ser palhaça, só de querer
ser, eu já era. Mas aí o chefinho ligou, a gente até tentou enrolar, fingi que
era malcriada, ignorar o chefinho, mas a vysyta tava pra acabar, não queria que
acabasse, mas quando tirei o nariz, foi como tirar uma armadura, a sede me
assaltou, o cansaço me invadiu, escutei meu telefone tocar, tinha que me
apressar, tirar a maquiagem, trocar de roupa. Bora, bora, galera, 3 minutos!! Cadê
o bebedouro? Alguém tem lencinho umedecido? Moça, tem banheiro? Tô indo, mãe!
Entrei no carro e parei pra
pensar, pensar como eu mesma como já não fazia há horas. Passei alguns segundos
para verdadeiramente escutar a pergunta que me tinha sido feita. “E aí, filha?
Como foi?” Como foi, pai? Foi melhor do que ir à praia, foi melhor do que tirar
um 10 naquela prova difícil, foi como escutar um obrigado silencioso por aquilo
que você fez quase que pensando só em si mesmo. Foi como escutar uma risada
gostosa depois de uma piada sem graça, como tomar banho no final de um dia
corrido, foi como escutar a chuva batendo na janela e abrir um sorriso bobo pra
ninguém em particular, foi o abraço gostoso que você dá naquele amigo que você
não vê faz tempo.
Eu agradeci mentalmente por aquela chance de diminuir, mesmo
que por uma fração de segundo, aquele peso tão grande que aquelas pessoinhas
carregavam, que a moça da cantina carregava, que aquela mãe aflita carregava e
que aquela enfermeira irritada carregava também. Agradeci por aquele sorriso
puro e sincero do menininho no quarto do final do corredor. Eu era palhaça e
mal podia esperar pra ser palhaça de novo.
Como foi, pai? Eu te digo, foi
perfeito. :O)
Dra. Kakau (Mariana Bierrrrrrrmann)
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