domingo, 23 de julho de 2017

A criança em segundo plano

Allan: Amanda, aqui é Allan. Você leu aquele diálogo entre mim e o Mayko?

Amanda (1): Li agora, Allan! Interessante, na verdade, parece um pouco com aquela nossa conversa também que tivemos naquela atividade em sua casa. Mostra o lado complexo de alguém que é Y, mas que muitas vezes não precisa ser realmente definido. Complexo assim, né? Eu acho. Porque o Y, por mais que tenha um objetivo, cada um tem um olhar diferente depois de entrar. Cada um caminha em um aprendizado lá dentro, por isso determinar é difícil. Eu, por exemplo, vejo muita coisa diferente do Mayko, apesar de o fim dele ser o mesmo que o meu, nosso objetivo ser o mesmo. Mas, eu achei massa também a mudança que essa conversa mostrou. Se você conversar com o Mayko daquela nossa outra conversa de alguns anos atrás provavelmente ele não defenderia as mesmas coisas, eu talvez não leria da mesma forma, ou até o Allan não seria igual. Isso prova que o nosso próprio feeling, entre você e você mesmo, pode se tornar diferente dentro do projeto ao longo do tempo. Imagina entre você e tanta gente que compõe o Y. Por sinal, essas pessoas diferentes acho que é uma das coisas que mais dá cor ao Y. Torço muito pra que continuem tendo olhares diferentes como no meu tempo, era um crescimento e tanto.

Allan: Pois é. Eu te pedi pra ler, porque senti que aquela conversa que tive com o Mayko traía aquele momento que tivemos com você. Traiu? De outro modo, a criança para você era segundo plano?

Amanda: Não, pra mim não era segundo plano, pelo contrário, era o motivo da gente estar ali, era a motivação, apesar de não se resumir à criança. Claro que com a experiência com a criança, com doutor palhaço (que só se formava depois de algumas ou muitas visitas) ganhávamos muito além disso, ganhávamos tudo que o Mayko citou, um novo olhar do ser médico, principalmente. Acho que tentar ser um doutor palhaço provoca crescimento. E priorizar o doutor palhaço, o fato de "rir cuidando" engloba a criança, não tem como não ser. Justamente, acho que era um dos pontos daquela nossa conversa anterior: Criança x Crescimento pessoal. Esse tema encasquetou não só naquela conversa, foi inclusive problematização de seleção. Y não é caridade, projeto de igreja, isso também me incomodava na seleção. Mas, meu olhar acendia para aqueles que diziam gostar de cuidar e divertir, mesmo parecendo clichê, porque o Y é muito pra ser absorvido realmente pra quem tá de fora. Não achava que aquele que dizia que queria se conhecer melhor no Y seria melhor candidato, mas claro, há muitos outros fatores. A questão é que existem os dois: a criança e o crescimento pessoal. No caso aqui entra não só crescimento como Amanda, mas como Doutora Sem Nome também. A forma de ver e colocar em planos é que divergia. E, pensando bem, acho extremamente saudável para o projeto essa divergência, porque permitia ele se engrandecer em tantos fatores distintos e ser tão multi, pluri. Uma coisa que me aflige também, vou aproveitar que tu veio falar comigo, é o Y ser visto como o lugar daqueles que não se encontram com a faculdade, os "desajustados”. Isso não era a ideia dele inicial. Acontece que ele é realmente aconchego nos momentos difíceis, eu mesma precisei dele, e ele foi refúgio para muitos que não se encontravam, mas isso não pode ser tão, tão (não sei que palavra usar), por isso acho que a criança é primeiro plano entende. O Y muitas vezes é visto como um lugar "de certo tipo de pessoa”. Não me importa o que pensem, mas me importo que mude essa forma de enxergar, porque o Y é lugar de humanização acima de tudo, e qualquer pessoa pode ter essa possibilidade. Não sei se deu para entender?

Allan: Deu pra entender, sim. O nome da sua palhaça era Dra. Sem Nome?

Amanda: Na verdade não consegui criar um nome, aí ficou a brincadeira de Dra. Sem Nome.

Allan: Foi importante pra você viver a busca do seu palhaço no plano de alegrar a criança?

Amanda: Com certeza! Só que incialmente me atrapalhou, porque, na minha cabeça, eu deveria ser tão alegre e me encontrar tanto quanto aqueles que entraram junto comigo. Eu tinha que ter um nome, uma roupa incrível, experiências sensacionais nas primeiras visitas. Isso me afastou do projeto no começo, pois achava que não tinha lugar pra mim, e que eu não era uma doutora palhaça, porque às vezes eu era até mais engraçada e espontânea sendo Amanda do que doutora palhaço. E pra mim isso tava errado. Mas, foram essas conversas entre diferentes cabeças que me ajudaram nisso. Naquela nossa primeira conversa, vi que tinha gente que pensava como eu, e era ótimo palhaço. Nunca vou me esquecer de uma conversa que tive com o Gui sobre isso, ele me dizendo que a Doutora Sem Nome não precisava se esforçar pra ser legal, que a Amanda não tinha que provar nada para ninguém porque ela já era legal, que o nariz não era pra ser peso, era pra ser uma porta aberta pra se ser o que sempre quis e se divertir. E você depois me disse que meu lugar no Y era único, porque justamente ele precisava de gente como eu também. E, escutando tudo isso, vi que não tinha que ser tão complexo, sabe? Eu não tinha que ter nome e ser como os outros, não tinha que ter experiências fora do normal, toda uma técnica. O pequeno já era muito. E a minha busca pelo palhaço passou a não ser busca pelo nome, por um jeito, passou a ser busca por vivências, por divertir me divertindo e cuidando. Eu ia pro hospital pra alegrar a criança e o que eu recebia em troca era o que me fazia me encontrar. E depois de ir me encontrando é que pude tentar levar mais pro lado de ser mais doutora palhaça. Porque tudo tem uma forma melhor de ser feita, mas não igual. E podia ser sem peso agora, mas sempre tendo a criança no plano principal. Isso que me ajudou.

Allan: Fantástico! Fiquei pensando agora na metáfora do caminho. Eu falei com o Mayko sobre começar no Y motivado pelo palhaço e encontrar a criança no meio ou no fim. Você me fala de um caminho que começa pela criança (até mesmo mostrando a insegurança da sua criança) e encontra o palhaço no meio ou no fim. Mais uma coisa, você revelou pra gente sua profunda pertença a sua família. Ao contrário de muitos processos de adolescer, você não quis romper com a casa dos pais. Você acha que isso te fez mais imatura do que as pessoas ao redor? (Pergunta difícil e íntima, eu sei)

Amanda: Não acho que esse meu sentimento de pertença e não-atrito com a família tenha me feito mais imatura. Talvez possa ser imatura em algum aspecto por outros motivos da vida e não esse. Acho que essa relação da família além de ter relação com seu próprio jeito, tem a ver com as experiências em que você foi exposto ao longo da vida. E minhas experiências claro que tem pontos positivos e negativos. E minha família tem problemas como todas as famílias, mas não me deram motivos para romper com a casa dos pais, pelo contrário, eles sempre me possibilitaram o contato com o mundo de forma a aprender fora de casa. Nunca fiquei só na família, e me encontrei muitas vezes no erro, mas sempre sabendo que tinha para onde retornar, um lugar que iria me acolher embora me colocasse pra voar. E é meu sentimento de gratidão por ter uma família assim que me dá esse sentimento de pertença e prioridade na minha vida. As diferenças me fazem crescer, mas a essência, que é o amor, é que me faz permanecer (e eu não sei como descrever isso porque é abstrato como sempre deixei claro). Acho que amadurecer não tá ligado a uma experiência propriamente específica, né? Cada um amadurece nas suas próprias dificuldades, só que o que é dificuldade pra você pode não ser pra mim e vice-versa. A nossa forma de lidar com as emoções, com certas situações, é diversa também. Acredito que a forma de lidar não necessariamente diz quem tem mais maturidade ou não, reflete muito mais a personalidade da pessoa.

Allan: Adorei suas colocações. Eu estou redigindo um livro para ser lido pelos iniciantes do Y. Aquela conversa com o Mayko foi o 1o capítulo. Essa conversa aqui será o segundo, se você permitir. Acho que sua fala é imprescindível para ser lida por todos os novos, para termos a pluralidade das vozes. Você topa?

Amanda: Sim, claro!

Allan: Pois me fala a última coisa. Qual o conselho que você daria para uma pessoa recém-ingressa viver o Y da melhor forma possível?

Amanda: Todo mundo é diferente, você não tem que ser mais engraçado, ser um palhaço pronto ou ter a roupa mais bonita para poder ser Y. Ser Y é poder se divertir sendo o que você sempre quis ser e fazendo bem com seu cuidado. É colorir o dia, é ser doutor palhaço, palhaço que nem sempre faz rir, porque o remédio nem sempre é esse. Mas, estar lá para dar o seu melhor. E pra ser único, não precisa ser definido, não precisa saber dizer quem se quer ser. Pra ser único, basta se permitir viver os encontros que são cada visita, não tenha pressa.


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