domingo, 23 de julho de 2017

Coisa de Igreja

Allan: Sebbe, preciso entrevistar você...
Sebbe (1): hahahah sério?

Allan: Agora, por aqui. Estou escrevendo um livro não comerceial para os novos integrantes do Y e queria te fazer umas perguntas que vão nortear um dos capítulos. Pode ser?

Sebbe: Pode sim, mas eu nao vou ficar online agora porque vou já encontrar com a Júlia. Se quiser mandar as perguntas, eu posso ir respondendo.

Allan: Nem eu vou ficar aqui todo tempo. Vamos conversando e se respondendo quando der.

Sebbe: Na hora 👍🏻

Allan: Você leu aquela conversa que tive com o Mayko e divulguei no bloguy?  

Sebbe: Li agora

Allan: Lá, tem essa parte aqui: "Cheio de nego mandando coisa pra gente como se fosse participar de ONG ou coisa de igreja." O Mayko considera isso algo ruim. Como se desvirtuasse o propósito do projeto. Sei que você é um cara da igreja, queria saber de você se o sentimento de igreja lhe animou a querer ser do projeto?

Sebbe: Allan, na verdade não. Eu nunca senti a necessidade de fazer o bem pro outro pra que Deus veja que eu estou sendo bom. De uma certa forma, eu concordo com o Mayko no ponto que as pessoas religiosas enxergam o Y como uma oportunidade de extensão da sua caridade, mas não como uma extensão do próprio "eu-estudante de saúde" ou do "eu-profissional". Meu avô me dizia "seja bom pros outros, não pelo fato de mostrar que você é bom, e sim por estar fazendo a coisa certa". O catolicismo sempre me mostrou a importância da caridade e do amor ao próximo, ao mesmo tempo que uma passagem me diz que "a tua mão não precisa saber quanto de esmola sua outra mão dá". Eu sempre me encantei pela figura do palhaço, desde que o palhaço era apenas o ponto cômico do circo. O Y me mostrou mais uma faceta encantadora do palhaço. Eu tentei o Y mais pela imensa vontade de fugir da redoma da saúde tecnicista da odontologia, através do palhaço, do que realmente por fazer uma coisa boa. O fazer o bem sempre foi uma consequência, e nunca meu foco principal. Talvez isso explique o porque de eu nunca sentir minha fé abalada por uma visita ruim. Eu nunca saí com a sensação de "nossa, não fiz o bem pra ninguém hoje, desculpa Deus". Acho que Deus enxerga minha vontade de fazer o bem tanto quanto o bem que eu faço.  Ser religioso, dentro do Y, amplia até o debate dentro do próprio grupo, de como as visitas causam reações diferentes em todos nós, e acho que é bastante interessante ver isso dentro do grupo.
Allan: Mas você descreveu mais ou menos um sentimento da sua igreja. Não importa se conseguiu o bem (a visita bem feita), mas a intenção, pois o seu Deus enxerga a intenção, a vontade invisível. E mesmo a fuga do tecnicismo com a devoção à arte tem analogia imensa com o exercício cristão de não ceder ao mundo de Leviatã, mas buscar o Reino do Amor, da Justiça e da Verdade. Há uma transposição do sentimento da igreja aqui, não acha? 
Sebbe: Sempre vai haver. A espiritualidade transcende o ser. O problema está na intenção com a qual se faz. Se Deus consegue enxergar o invisível, ele sabe das vontades internas de cada um na hora de fazer uma visita como doutor-palhaço em um hospital, entregar uma sopa a um morador de rua no centro da cidade, ajudar uma família mais humilde... Eu não procurei a palhaçoterapia para poder ser bom aos olhos de Deus. Eu procurei a oportunidade de conhecer a palhaçoterapia e, através dela, fazer saúde. O bem que eu faço eu enxergo como consequência da minha visita, e não como finalidade. De uma certa forma, a igreja não foi um ponto que me motivou a fazer palhaçoterapia, mas eu fico feliz por poder, no final das contas, conseguir enxergar Deus no que eu faço. 
Allan: Se não é o bem, qual é a finalidade da visita? 

Sebbe: O que eu quis dizer é que a finalidade é deixar o paciente em um ambiente mais acolhedor, é dar suporte emocional ao acompanhante no processo de internação, é melhorar o ambiente e a rotina dos profissionais do hospital... tudo isso pra eles! É um bem? Sim. É finalidade? Sim. Mas pra eles (pacientes, acompanhantes e profissionais) não pra mim. O ponto é que as pessoas, muitas vezes, atrelam o fato de que as visitas servem pra que os outros possam nos enxergar como pessoas boas, como se as visitas fossem para promover uma imagem boa para a sociedade e para Deus. E esse fato é o que muitas vezes faz com que pensem que o fato de eu ser religioso é o que me motiva a atuar como palhaço. Até mesmo os elogios que eu recebo me causam certa estranhamento, até um pouco de incômodo, pois eles vêm através dessa mentalidade. Eu faço porque eu amo. 
Allan: De novo você está descrevendo o sublime da sua religião. O catolicismo coloca o bem do outro como grande bem. Toda a doutrina de fé é fundada na vida de um homem que transferiu a noção de sacrifício para si próprio em favor dos outros, e não mais sacrificar outros para agradar a Deus. E você ainda coloca uma condição para que isso aconteça: "que eu não seja glorificado, mas o próximo e ele apenas". Essa é a condição mais católica que se pode imaginar. 
Sebbe: Então... talvez o meu inconsciente me guie pra isso. Jamais pensei que fosse tanto assim, sabe? Pra mim sempre foi pelo palhaço em si. Não imaginava que, lá no fundo, a religião fosse tão determinante. 

Allan: O palhaço "em si" pra você parece não se desvencilhar da religião. O seu "em si" é um "para o outro". Isso é típico do "em si" cristão. A questão é se isso compromete o "em si" do palhaço? 
Sebbe: Nessa perspectiva, eu entendo que não comprometa. Acaba que se conota mais uma forma de cuidado, ainda que inconsciente. Na real, o palhaço no hospital tem um propósito maior do que a ideia simplória de proporcionar o riso. Acho que aí rola uma soma de intenções positivas: o cuidado artístico, o médico e o religioso. Eu não me imaginava inserido conscientemente nesse último. Essa conversa toda me abriu os olhos pra entender que tem mais Deus em mim, e no que eu faço, do que eu pensava. 
Allan: Excelente! Nosso capítulo fecha aqui. 😉

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