Desde o início do projeto Y discutimos que estudante de qual profissão poderia se beneficiar do que a palhaçoterapia traria para a formação do indivíduo. Assim, tendo sido formado inicialmente por medicina, enfermagem e psicologia, a fisioterapia e a odontologia foram incorporadas em seguida. Mas nunca a farmacologia. Reinava uma obviedade de que os farmacêuticos lidam apenas com substâncias e não com pessoas, ou pelo menos, não tanto assim para precisar das experiências que o palhaço trás. Nestes últimos três dias eu conheci um argumento vivo que deve fazer cair por terra esta obviedade. Seu nome é Ziliane.
Farmacêutica de formação, foi a coordenadora burocrática do I Congresso de Humanização e Palhaçoterapia que acabei de participar. É também a coordenadora de mais uma dúzia de projetos que pulsam na Federal do Mato Grosso. Sua capacidade de materializar desejos me faz pensar na força de um taurino, cuja presença em seu mapa natal deve estar iluminada com importantes astros.
Sorriso farto e fácil no rosto, passo firme, firme passo, olhar receptivo, como que a deixar o interlocutor à vontade em sua casa, Ziliane é um nome de conquistas. Todas as pendências maçantes do evento ela tinha na palma da mão. Antecipou todas as intercorrências que pude perceber, agilizou relatórios de viagens que certamente iriam me deixar desnorteados. O grupo de palhaçoterapia do lugar é por ela orquestrado sem parecer invasão.
O meu encontro com esta guerreira me veio em momento oportuno, quando por estes tempos estou mais ciente de como a farmaco-lógica das substâncias dialoga com a lógica das almas, em uma palavra, alquimia.
O pensamento alquímico é alienígena para a química moderna porque é integrador demais, e possuía zonas ocultas que apenas os iniciados tinham acesso. Hoje, as mais diversas revelações de escavações interpretativas nos permitem enxergar que as transmutações das substâncias tinham correspondência direta com a da alma de quem o praticava. Ir do chumbo ao ouro era uma busca na matéria e no espírito. O poder do mercúrio reagindo com o do enxofre (fase nigredo) formando o sal (fase albedo) tem a mesma estrutura explicativa que nos fala do espírito que cai no corpo gerando o humano. Contudo, a combustão dos dias, a água coletada do primeiro orvalho da manhã, a favorável conjunção estelar, todos estes aspectos deveriam ser buscados para fazer purificar o sal rumo ao surgimento do rubedo, a sublimação vermelha, passo perto para a formação do ouro. É a que Ziliane se dedica entre os estudantes. E eu descobri seu segredo.
Dar vazão para toda essa gama de experiências promovidas pelo palhaço (nariz rubro) é permitir a transmutação de almas rumo ao ouro que iluminará a sociedade.
Digressões esotéricas à parte, essas minhas reflexões são fruto da tentativa de materializar no meu entendimento a nobreza desta mulher que encontrei.
segunda-feira, 16 de abril de 2018
sábado, 14 de abril de 2018
Uma batalha de cada vez
Eu travo constantes batalhas com meu curso. Não me sinto muito à vontade nas clínicas, nem me sinto boa o suficiente para estar ali. Além disso, a Universidade toma todo o meu tempo e minha energia, me afastando de atividades que eu costumava e amava fazer constantemente. Escrever é uma delas. Confesso que têm sido dias cada vez mais difíceis, em que me vejo mais perdendo que ganhando essas batalhas. Porém, gostaria de contar sobre o que senti no decorrer de um atendimento com uma paciente na clínica de Endodontia (ou "aquela-clínica-para-fazer-canal-no-dente"), que por sinal, é a área/disciplina que eu mais abomino em minha graduação.
Primeiramente, vale ressaltar que na Odontologia, trabalhamos em duplas, e semana passada eu e minha dupla recebemos pela primeira vez essa paciente de 86 anos, freira, hipertensa, problema de coração, fazendo uso de diversos medicamentos, com sequelas de Chikungunya, nervosa e com dor de dente. Nosso atendimento se resumiu basicamente a conversar com ela. Seja pela conversa normal que a Anamnese pede, como para tentar acalmá-la, ouvir suas demandas, medos, acompanhar o tempo dela, ajustar a posição na cadeira, e até realizar contas de matemática (função essa que eu falhei em performar de maneira rápida - ela riu) e combinar de tomar um picolé de uva no final do tratamento. Ainda foram feitos alguns poucos procedimentos que não valem a pena serem relatados aqui, mas seria preciso que ela retornarnasse na semana seguinte, esta semana.
Ao fim do segundo atendimento, que também quase não houve procedimentos clínicos, aquela senhorinha que havia chegado tão nervosa começou a falar do quanto ela se sentiu bem tratada, cuidada, à vontade e com confiança no que estávamos fazendo. Falou que ficaríamos marcados na vida dela e no coração. E como se não bastasse todas essas palavras que fizeram meus olhos marejarem, contou que nossos nomes estavam anotados nas orações dela e nas missas. Logo eu, que não sou tão ligada a religião, me senti muito abençoada. Não necessariamente por um Deus, mas por uma força que eu tanto precisei não só essa semana, mas há um bom tempo.
Ouvir que você cuidou de alguém mesmo quase não realizando procedimentos clínicos, se sentir um promotor de saúde sem ter se prendido ao mecânico da profissão, mas só no fato de ouvir e conversar, me motiva a aguentar um pouquinho mais essa luta que a faculdade me põe todos os dias. E para mim, isso é o que sinto de Humanização.
Eu pude sentir, mais que nunca, numa via de mão dupla. Ao mesmo tempo que a paciente se sentiu bem, EU como estudante/futuro profissional também pude receber os benefícios que a humanização traz. Eu me senti capaz, útil e senti que alguma diferença eu estava fazendo! Humanizar é importante, motivante e terapêutico - para o paciente e para o profissional.
Quem diria que na clínica que mais me apavora e me causa tremores, eu me encontraria tão iluminada, a ponto de, depois de tanto tempo, pegar uma caneta e escrever em um sexta-feira à noite, me deixando sentir que hoje eu VENCI uma batalha que me valeu por várias.
Quem diria que na clínica que mais me apavora e me causa tremores, eu me encontraria tão iluminada, a ponto de, depois de tanto tempo, pegar uma caneta e escrever em um sexta-feira à noite, me deixando sentir que hoje eu VENCI uma batalha que me valeu por várias.
Já escrevi melhor em minha vida, e tive medo de não conseguir transmitir aquilo que sinto (e aquela senhora merece milhões das palavras mais lindas que eu nunca vou conseguir saber expressar), mas como ela mesma disse quando estava em casa sem disposição para vir para o atendimento, "onde está a minha fé?", então está na hora de eu ter um pouquinho mais de fé em mim.
"Doutora" que está sempre mudando
de nome (Tapioca, Paçoca, Pitchula, Sem nome),
mas hoje vai escolher ser chamada só de Ívina.
O neurologista
Convidaram-me para um congresso onde os palestrantes vieram falar sobre humanização, e alguns sobre a palhaçoterapia nesse contexto. Estamos em Cuiabá. Um destes palestrantes foi o fundador do projeto daqui: José Guilherme Schwam Júnior. Eu gosto de conhecer essas pessoas. Fico querendo ver as virtudes que levam alguém a conseguir um tal feito: fundar um projeto contra-hegemônico numa faculdade dura.
O jovem Schwam disse-nos que era um feito da turma dele. Eram pessoas disponíveis para o novo. Contudo, há uma aura no rapaz que denuncia uma liderança bem-vinda.
Fala fácil, pensamento rápido, presença de palco na vida. As poucas horas em que o vi existindo, vi-o apontado para o outro, resgatando saudades da cidade que entregou seu diploma de médico. Ia dizendo lugar por lugar, como que reconhecendo o território que um dia lhe acolheu, mas também revelando a intensidade com que viveu as amizades.
Um dos maiores temores enfrentado por estudantes da saúde, particularmente na medicina, que se dedicam à palhaçoterapia é o de esta ação prejudicar seus estudos. De tal forma, que quando eles encontram alguém que muito se dedicou ao projeto e hoje é um representante dessas especialidades difíceis, como neurocirurgia ou neurologia, ficam gratamente felizes.
Schwam é neurologista. Abriu este congresso com uma aula brilhante que começava apresentando o cérebro como órgão dos seus amores para então ir revelando como o palhaço que ele foi ajudou a incrementar seus conhecimentos médicos. Trouxe uma revisão de artigos, numa abordagem bem acadêmica, para fazer os caçadores de evidência se abrirem para esta práxis do riso. Encaixou piadas certas em momentos oportunos de forma equilibrada no discurso. A mensagem chegou ao público.
Esbelto, aprumado, penteado, cuidadosamente imberbe, fala bem pontuada, chegamos a pensar que é uma falsa modéstia sua advertência de nervosismo ao começo da palestra. Vamos assumindo que ele mais parece uma montanha com altura que impõe respeito, tamanha a intimidade com os circuitos complicados do cérebro. Até que entra nas mais belas histórias que viveu junto aos pacientes visitados pelos palhaços, avermelha os olhos, segura o choro. Não é uma montanha. É um menino. É a criança de que fala Nietzsche, com a qual deveria se parecer o homem do futuro, sucessor do camelo (carregador de fardos) e do leão (rugidor, esbofeteador e revolucionário). Um lado do cérebro alimenta-se de arte, o outro, de ciência, e estas duas são asas. Pesam para quem não as sabe usar. Do contrário, voam.
Schwam voou hoje e nos fez voar.
O jovem Schwam disse-nos que era um feito da turma dele. Eram pessoas disponíveis para o novo. Contudo, há uma aura no rapaz que denuncia uma liderança bem-vinda.
Fala fácil, pensamento rápido, presença de palco na vida. As poucas horas em que o vi existindo, vi-o apontado para o outro, resgatando saudades da cidade que entregou seu diploma de médico. Ia dizendo lugar por lugar, como que reconhecendo o território que um dia lhe acolheu, mas também revelando a intensidade com que viveu as amizades.
Um dos maiores temores enfrentado por estudantes da saúde, particularmente na medicina, que se dedicam à palhaçoterapia é o de esta ação prejudicar seus estudos. De tal forma, que quando eles encontram alguém que muito se dedicou ao projeto e hoje é um representante dessas especialidades difíceis, como neurocirurgia ou neurologia, ficam gratamente felizes.
Schwam é neurologista. Abriu este congresso com uma aula brilhante que começava apresentando o cérebro como órgão dos seus amores para então ir revelando como o palhaço que ele foi ajudou a incrementar seus conhecimentos médicos. Trouxe uma revisão de artigos, numa abordagem bem acadêmica, para fazer os caçadores de evidência se abrirem para esta práxis do riso. Encaixou piadas certas em momentos oportunos de forma equilibrada no discurso. A mensagem chegou ao público.
Esbelto, aprumado, penteado, cuidadosamente imberbe, fala bem pontuada, chegamos a pensar que é uma falsa modéstia sua advertência de nervosismo ao começo da palestra. Vamos assumindo que ele mais parece uma montanha com altura que impõe respeito, tamanha a intimidade com os circuitos complicados do cérebro. Até que entra nas mais belas histórias que viveu junto aos pacientes visitados pelos palhaços, avermelha os olhos, segura o choro. Não é uma montanha. É um menino. É a criança de que fala Nietzsche, com a qual deveria se parecer o homem do futuro, sucessor do camelo (carregador de fardos) e do leão (rugidor, esbofeteador e revolucionário). Um lado do cérebro alimenta-se de arte, o outro, de ciência, e estas duas são asas. Pesam para quem não as sabe usar. Do contrário, voam.
Schwam voou hoje e nos fez voar.
quarta-feira, 11 de abril de 2018
Sinestesiar verbo transitivo direto e reto
A faculdade vai apertando o cerco. Antes fosse apenas ela. Mas não o é. E nem esse apenas é pequeno. Ele vem dotado de muita responsabilidade, certas obrigações que o improviso não é o carro-chefe (sim, eu tentei)...
E por tantas e outras fazia tempo que não visitava. Quase um mês que não respirava.
Viver maquinalmente, diante de uma contemplação disso é triste, revoltante.
É, eu precisava dar um jeito nisso.
Ainda bem que eu sabia dar esse jeito.
Muni-me de pessoas maravilhosas, botei o melhor batom (uma mistura louca de vermelho com roxo) e finalmente coloquei "a menor máscara do mundo" e - RESPIREI!
Inspirei bem forte para armazenar todo aquele momento de alívio, aquele ar puro que o nariz proporciona. Meus sentidos se anisestesiaram: meus olhos ouviram, meus ouvidos sorriram, minha boca então só palpitava de emoção.
Caramba, como é bom voltar para o mesmo que nunca foi o mesmo. Verifiquei algumas vezes até se o mesmo encontrava-se naquele lugar. Eu mesma, que andava fugindo do mesmo, caminhei pra pediatria. Mas cá pra nós, sabemos que nem aquelas paredes de um dia pro outro são as mesmas.
Aqueles olhos não eram os mesmos, nem o brilho, nem as brincadeiras, as quais incrivelmente estavam G-E-N-I-A-I-S! Mais que geniais! Estavam interligadas, interconectadas, entrelaçadas; irmãs siamesas. Contudo eram quatro irmãos. Da irmã mais velha a mais nova; dos do meio fazendo mungangos e estripulias. Da doce alegria do encontro, das gostosas dores "deviadas" que surgiam de tanto rir, do trismo positivo naquelas mandíbulas, rindo copiosamente a cada andar.
O tempo foi útil, esticado, valorizado. Sair dali, aparentemente, era deixar de respirar. Mas ainda bem que percebi a tempo que estar ali era a oportunidade que tinha para exalar e inalar mais, fazer uma mala e carregar nas costas certos momentos como esse para viver plena, leve; e enfim recarregar as energias para enfrentar o que vem pela frente.
- Cristalina, cristal ou só crista
E por tantas e outras fazia tempo que não visitava. Quase um mês que não respirava.
Viver maquinalmente, diante de uma contemplação disso é triste, revoltante.
É, eu precisava dar um jeito nisso.
Ainda bem que eu sabia dar esse jeito.
Muni-me de pessoas maravilhosas, botei o melhor batom (uma mistura louca de vermelho com roxo) e finalmente coloquei "a menor máscara do mundo" e - RESPIREI!
Inspirei bem forte para armazenar todo aquele momento de alívio, aquele ar puro que o nariz proporciona. Meus sentidos se anisestesiaram: meus olhos ouviram, meus ouvidos sorriram, minha boca então só palpitava de emoção.
Caramba, como é bom voltar para o mesmo que nunca foi o mesmo. Verifiquei algumas vezes até se o mesmo encontrava-se naquele lugar. Eu mesma, que andava fugindo do mesmo, caminhei pra pediatria. Mas cá pra nós, sabemos que nem aquelas paredes de um dia pro outro são as mesmas.
Aqueles olhos não eram os mesmos, nem o brilho, nem as brincadeiras, as quais incrivelmente estavam G-E-N-I-A-I-S! Mais que geniais! Estavam interligadas, interconectadas, entrelaçadas; irmãs siamesas. Contudo eram quatro irmãos. Da irmã mais velha a mais nova; dos do meio fazendo mungangos e estripulias. Da doce alegria do encontro, das gostosas dores "deviadas" que surgiam de tanto rir, do trismo positivo naquelas mandíbulas, rindo copiosamente a cada andar.
O tempo foi útil, esticado, valorizado. Sair dali, aparentemente, era deixar de respirar. Mas ainda bem que percebi a tempo que estar ali era a oportunidade que tinha para exalar e inalar mais, fazer uma mala e carregar nas costas certos momentos como esse para viver plena, leve; e enfim recarregar as energias para enfrentar o que vem pela frente.
- Cristalina, cristal ou só crista
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