sábado, 14 de abril de 2018

Uma batalha de cada vez

   Eu travo constantes batalhas com meu curso. Não me sinto muito à vontade nas clínicas, nem me sinto boa o suficiente para estar ali. Além disso, a Universidade toma todo o meu tempo e minha energia, me afastando de atividades que eu costumava e amava fazer constantemente. Escrever é uma delas. Confesso que têm sido dias cada vez mais difíceis, em que me vejo mais perdendo que ganhando essas batalhas. Porém, gostaria de contar sobre o que senti no decorrer de um atendimento com uma paciente na clínica de Endodontia (ou "aquela-clínica-para-fazer-canal-no-dente"), que por sinal, é a área/disciplina que eu mais abomino em minha graduação.
   Primeiramente, vale ressaltar que na Odontologia, trabalhamos em duplas, e semana passada eu e minha dupla recebemos pela primeira vez essa paciente de 86 anos, freira, hipertensa, problema de coração, fazendo uso de diversos medicamentos, com sequelas de Chikungunya, nervosa e com dor de dente. Nosso atendimento se resumiu basicamente a conversar com ela. Seja pela conversa normal que a Anamnese pede, como para tentar acalmá-la, ouvir suas demandas, medos, acompanhar o tempo dela, ajustar a posição na cadeira, e até realizar contas de matemática (função essa que eu falhei em performar de maneira rápida - ela riu) e combinar de tomar um picolé de uva no final do tratamento. Ainda foram feitos alguns poucos procedimentos que não valem a pena serem relatados aqui, mas seria preciso que ela retornarnasse na semana seguinte, esta semana.
   Ao fim do segundo atendimento, que também quase não houve procedimentos clínicos, aquela senhorinha que havia chegado tão nervosa começou a falar do quanto ela se sentiu bem tratada, cuidada, à vontade e com confiança no que estávamos fazendo. Falou que ficaríamos marcados na vida dela e no coração. E como se não bastasse todas essas palavras que fizeram meus olhos marejarem, contou que nossos nomes estavam anotados nas orações dela e nas missas. Logo eu, que não sou tão ligada a religião, me senti muito abençoada. Não necessariamente por um Deus, mas por uma força que eu tanto precisei não só essa semana, mas há um bom tempo.
   Ouvir que você cuidou de alguém mesmo quase não realizando procedimentos clínicos, se sentir um promotor de saúde sem ter se prendido ao mecânico da profissão, mas só no fato de ouvir e conversar, me motiva a aguentar um pouquinho mais essa luta que a faculdade me põe todos os dias. E para mim, isso é o que sinto de Humanização.
   Eu pude sentir, mais que nunca, numa via de mão dupla. Ao mesmo tempo que a paciente se sentiu bem, EU como estudante/futuro profissional também pude receber os benefícios que a humanização traz. Eu me senti capaz, útil e senti que alguma diferença eu estava fazendo! Humanizar é importante, motivante e terapêutico - para o paciente e para o profissional.
  Quem diria que na clínica que mais me apavora e me causa tremores, eu me encontraria tão iluminada, a ponto de, depois de tanto tempo, pegar uma caneta e escrever em um sexta-feira à noite, me deixando sentir que hoje eu VENCI uma batalha que me valeu por várias.
   Já escrevi melhor em minha vida, e tive medo de não conseguir transmitir aquilo que sinto (e aquela senhora merece milhões das palavras mais lindas que eu nunca vou conseguir saber expressar), mas como ela mesma disse quando estava em casa sem disposição para vir para o atendimento, "onde está a minha fé?", então está na hora de eu ter um pouquinho mais de fé em mim.

"Doutora" que está sempre mudando 
de nome (Tapioca, Paçoca, Pitchula, Sem nome),
mas hoje vai escolher ser chamada só de Ívina.

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