Olá,
Raramente me apresento por aqui, embora quase sempre presente. Sou Allan Denizard, de alguma forma orientador artístico-filosófico do projeto.
Decidi falar um pouco mais de mim porque estive recebendo feedback da capacitação que dou para quem está entrando.
O que me chamou a atenção é a mesma experiência de muitos dos que iniciam essa vida de visitas como doutores palhaços ao hospital que assistimos. Há surpresa, descobrimento, amorosidade. Às vezes há desgosto, desânimo, incômodo.
Disseram as moças e rapazes que minha capacitação é boa, mas não poderia contemplar toda a riqueza da realidade do contato com as crianças. E, isso é muito tranquilo para mim. Qual a concha que pode conter o mar?
O que me fez pensar mais sobre o que venho fazendo é o meu crescimento histórico em relação a cada nova geração que acompanho.
Investigue este blog e verá que textos com meu rosto estão presentes desde 2007. Vivi as visitas por seis anos e depois fiquei vivendo os visitantes. Fui para outros palcos, dos quais o que mais me desafia é ser pailhaço de duas crianças cuja (i)lógica do riso são completamente diferentes. Não os visito, são meus filhos, moro com eles. Lá, ao Y, aprendíamos a brincar com a fugacidade do encontro. Como torná-lo potente ainda que fugaz. E brincadeira é coisa séria! Aqui evoluí para o aprendizado de não deixar o cotidiano da convivência, que é sério por natureza, corroer a brincadeira. Lá estavam doentes. A brincadeira era visitá-las. Aqui estão sadias, pelejo para que permaneçam. A brincadeira é para não as adoecer, para que não tenha de as visitar no hospital.
Todos os anos tento passar para os novos Ypsilonianos tudo o que venho aprendendo. A reação é sempre a mesma: quem está chegando se encanta e quase não entende; quem já experimentou mais do projeto e está revisitando a oficina se espanta em entender bem mais tudo o que é a capacitação inicial, e que não muda muito em termos de corpo de brincadeiras. É como se abrissem portas do castelo da compreensão. Só que agora eles têm chaves.
Do meu lado, toda capacitação é uma viagem nova. Cada uma delas me faz entrar em territórios inexplorados e sagrados. Tem que tirar as sandálias para entrar neles. São pessoas que se permitem sair do normal acadêmico para ficar brincando por quarenta horas quase ininterruptas. Às vezes me sinto Caronte, o velho barqueiro do Styx, conduzindo a pessoa para a própria sombra. Não é tão denso assim, mas é um experiência, por assim dizer, caudalosa.
O que talvez eles não percebam - não tem como perceber - é que todo ano eu volto maior, mais largo, mais amplo. Vou estudando o palhaço e todo o teatro que ele evoca, vou buscando entender mais isso que um dia fiz, que agora faço de outro modo mais suado, por vezes, mais insone. Para ter uma ideia, fiz um mestrado só sobre isso. Mas, eles, que são o mesmo punhado de estudantes querendo se iniciar na palhaçaria, tem mais ou menos o mesmo tamanho para mim, que é o da dúvida e o de certa ignorância deste conhecimento que me pesa. E um pecado enorme cometo contra eles: quero que me acompanhem.
Dessa forma, perco suas singularidades, fico cego para seus desvios de como podem viver o mesmo assunto por caminhos diversos. "Não sinto isso, não sinto aquilo, para mim não foi desse jeito, para mim não funcionou assim." São falas que me passam mudas por causa de meus ouvidos displicentes para o novo dos novos. "O nariz para mim é apenas um gatilho, por que tenho de atuar, fico bem apenas desse jeito, daquele outro, etc." Esqueço assim que eles estão começando uma peregrinação sem meus pés.
O que posso fazer? Continuar no meu caminho, suponho, e assumir que passar o que sabemos para outros é narrar aventuras de lugares onde não estiveram, ouvir deles os lugares por onde não passei. Vejo agora como meu ofício de caronte sempre foi mais tentar fazê-los chegar até mim, e o quanto eles pularam da barca no meio do caminho para mergulhar no fundo do rio de si.
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