quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Sobre descobrir a liberdade: primeira visita

Todos pensamos que somos livres. Ô pobres mortais iludidos, não sabem que a sua volta estão presos em diversos tipos de amarras. Amarras sociais, econômicas, geográficas, lingüísticas, profissionais, amarras emocionais. A todo tempo nos prendemos em algo e parte de nós fica estática vendo a vida passar sem se adaptar. Nascemos e somos criados sempre em busca de grupos e pertencimentos, procuramos agradar, buscamos nos encaixar e vivemos na esperança de sermos aceitos. Todas as nossas atitudes são guiadas por padrões fixos e determinadas por um alguém que nem sabemos quem é. Você não pode falar alto em público, você não pode usar listrado com bolinha, você não pode usar meias diferentes em cada pé, você não pode sair por aí com a cara pintada, você não pode sentar no chão sujo, você não pode. Quantas vezes não já ouvimos isso? E desde quando isso é liberdade?
Vetar é fácil demais, difícil mesmo é ter coragem de ir contra o veto. Um dia eu conheci alguém que teve essa coragem. Coragem de ser livre em todos os âmbitos. Antes de conhecê-la, eu não imaginava que ela fosse assim. Não esperava que tudo acontecesse tão naturalmente e que nosso encaixe fosse ser tão sincrônico. No dia que resolvi ser Preguiça, descobri que se eu pudesse, seria Preguiça todos os dias da minha vida. Nessa viagem de quem eu sou e quem ela é, vivenciei momentos onde não existia o não pode. Eu pude dizer que morava numa casa debaixo da terra, pude convidar todas as pessoas pra uma festa no endereço Lagoa dos Porcos esquina com Lagoa das Vacas, pude dizer que estava calçando a Peppa e o George, eu pude vender bolsas que vinham do Beco da Poeira francês, pude dizer que não sabia andar de elevador, pude acreditar que se eu falasse bem alto o elevador me levaria pra onde eu quisesse, eu pude gritar, pular, fazer estrelinha sem tocar no chão, pude me aterrorizar ao ouvir a história da loira do banheiro, pude chorar ao ouvir ordens, pude dizer que a segurança era invejosa e que a recepcionista me achava linda. Eu pude dançar forró como se estivesse matando formiga, pude receber autógrafo no braço e passá-lo adiante, pude brigar com os médicos que passavam, pude vender uma caixa de nariz que transformava centavo em real, pude vender um espelho que multiplicava a beleza, pude perguntar a qualquer pessoa da minha frente se eles tinham uma cama pra eu deitar. Eu pude fazer o que eu queria e falar qualquer coisa, pude agir como se todos os julgamentos tivessem sidos dizimados e como se padrão nenhum guiasse minhas ações. Eu pude esquecer tudo que tinham me dito antes sobre palhaços serem alegres e engraçados e pude ser uma palhaça com olheiras, cara de sono, que não estava animada pra brincadeira, mas que queria muito um lugar pra deitar. Eu pude jogar com o inesperado, com o novo, pude ver reações inúmeras e inventar alguma coisa para cada uma delas. Sim, nesse momento eu descobri o que realmente significa a palavra liberdade.
Em meio a tantas outras interferências e tantos outros mundos correlacionando-se com o meu, eu me encontrei. Hoje o que desejo pro meu futuro é continuar nessa montanha-russa onde eu me escondo pra encontrar a Preguiça e me encontro pra escondê-la. As percepções desse primeiro encontro são as melhores, com certeza iremos nos ver mais vezes com muito prazer. Com a reação dos outros sobre o que eu estava fazendo, eu não me importo. Apenas me preocupo com o que fui e o que pude ser. Hoje sigo com a certeza que eu descobri algo que não teria sido descoberto de outra forma. Independente do sucesso geral da visita, ela foi extremamente importante pra que eu tivesse a certeza de que esse é o meu caminho. Na volta pra casa, os olhos se encheram de lágrimas e o sofá da minha casa sentiu minhas mãos suadas e tremendo. Eu consegui. Isso não significa que eu atingi um objetivo, mas sim que eu consegui não atingir objetivo nenhum. E mais que isso, consegui não me importar. Consegui lapidar a real liberdade de vestir um nariz vermelho e poder ser livre. Eu e a Dra. Preguiça estamos num nível de relacionamento onde tudo são flores. Ainda que isso mude ou não permaneça sempre assim, eu vou sempre lembrar que um dia, ela me ensinou que EU POSSO.
Eu fui a Dra. Preguiça, ela já é parte de mim e de agora em diante serei livre.  

Juliana Medeiros

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