Todos pensamos que somos livres.
Ô pobres mortais iludidos, não sabem que a sua volta estão presos em diversos
tipos de amarras. Amarras sociais, econômicas, geográficas, lingüísticas,
profissionais, amarras emocionais. A todo tempo nos prendemos em algo e parte
de nós fica estática vendo a vida passar sem se adaptar. Nascemos e somos
criados sempre em busca de grupos e pertencimentos, procuramos agradar,
buscamos nos encaixar e vivemos na esperança de sermos aceitos. Todas as nossas
atitudes são guiadas por padrões fixos e determinadas por um alguém que nem
sabemos quem é. Você não pode falar alto em público, você não pode usar
listrado com bolinha, você não pode usar meias diferentes em cada pé, você não
pode sair por aí com a cara pintada, você não pode sentar no chão sujo, você
não pode. Quantas vezes não já ouvimos isso? E desde quando isso é liberdade?
Vetar é fácil demais,
difícil mesmo é ter coragem de ir contra o veto. Um dia eu conheci alguém que
teve essa coragem. Coragem de ser livre em todos os âmbitos. Antes de
conhecê-la, eu não imaginava que ela fosse assim. Não esperava que tudo
acontecesse tão naturalmente e que nosso encaixe fosse ser tão sincrônico. No
dia que resolvi ser Preguiça, descobri que se eu pudesse, seria Preguiça todos
os dias da minha vida. Nessa viagem de quem eu sou e quem ela é, vivenciei momentos
onde não existia o não pode. Eu pude dizer que morava numa casa debaixo da
terra, pude convidar todas as pessoas pra uma festa no endereço Lagoa dos
Porcos esquina com Lagoa das Vacas, pude dizer que estava calçando a Peppa e o
George, eu pude vender bolsas que vinham do Beco da Poeira francês, pude dizer
que não sabia andar de elevador, pude acreditar que se eu falasse bem alto o
elevador me levaria pra onde eu quisesse, eu pude gritar, pular, fazer
estrelinha sem tocar no chão, pude me aterrorizar ao ouvir a história da loira
do banheiro, pude chorar ao ouvir ordens, pude dizer que a segurança era
invejosa e que a recepcionista me achava linda. Eu pude dançar forró como se
estivesse matando formiga, pude receber autógrafo no braço e passá-lo adiante, pude
brigar com os médicos que passavam, pude vender uma caixa de nariz que
transformava centavo em real, pude vender um espelho que multiplicava a beleza,
pude perguntar a qualquer pessoa da minha frente se eles tinham uma cama pra eu
deitar. Eu pude fazer o que eu queria e falar qualquer coisa, pude agir como se
todos os julgamentos tivessem sidos dizimados e como se padrão nenhum guiasse
minhas ações. Eu pude esquecer tudo que tinham me dito antes sobre palhaços
serem alegres e engraçados e pude ser uma palhaça com olheiras, cara de sono,
que não estava animada pra brincadeira, mas que queria muito um lugar pra
deitar. Eu pude jogar com o inesperado, com o novo, pude ver reações inúmeras e
inventar alguma coisa para cada uma delas. Sim, nesse momento eu descobri o que
realmente significa a palavra liberdade.
Em meio a tantas outras
interferências e tantos outros mundos correlacionando-se com o meu, eu me
encontrei. Hoje o que desejo pro meu futuro é continuar nessa montanha-russa
onde eu me escondo pra encontrar a Preguiça e me encontro pra escondê-la. As
percepções desse primeiro encontro são as melhores, com certeza iremos nos ver
mais vezes com muito prazer. Com a reação dos outros sobre o que eu estava
fazendo, eu não me importo. Apenas me preocupo com o que fui e o que pude ser.
Hoje sigo com a certeza que eu descobri algo que não teria sido descoberto de
outra forma. Independente do sucesso geral da visita, ela foi extremamente
importante pra que eu tivesse a certeza de que esse é o meu caminho. Na volta
pra casa, os olhos se encheram de lágrimas e o sofá da minha casa sentiu minhas
mãos suadas e tremendo. Eu consegui. Isso não significa que eu atingi um
objetivo, mas sim que eu consegui não atingir objetivo nenhum. E mais que isso,
consegui não me importar. Consegui lapidar a real liberdade de vestir um nariz
vermelho e poder ser livre. Eu e a Dra. Preguiça estamos num nível de
relacionamento onde tudo são flores. Ainda que isso mude ou não permaneça
sempre assim, eu vou sempre lembrar que um dia, ela me ensinou que EU POSSO.
Eu fui a Dra. Preguiça, ela
já é parte de mim e de agora em diante serei livre.
Juliana Medeiros
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