segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Sobre ego

Quanto vale arrancar um sorriso?
E quanto vale enxugar uma lágrima?

Pense de novo, mas agora num hospital:
Quanto vale arrancar um sorriso de uma criança acamada?
E quanto vale enxugar as lágrimas de uma criança com dor?

Quem consegue responder? Quem se atreve a escolher?
Pera... por quê ta todo mundo olhando pra mim? Ei, parem de me encarar! EI QUEM COLOCOU ESSE JALECO EM MIM? NÃO! EU NÃO QUERO ESCOLHER! EU NÃO SEI ESCOLHER! EU NÃO TO PRONTO PRA ESCOLHER! MEU DEUS EU NÃO TO PRONTO PRA ESCOLHER!
MEU DEUS, EU NÃO TO PRONTO PRA SER MÉDICO!!!

Arf... arf... arf...

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Eu tava lá, era Sexta-Feira de tarde e era uma das minhas visitas mais divertidas em muito tempo. Todos riam de nossas piadas, de nossos pequenos números e todos pareciam nos aplaudir com seus sorrisos largos e nos incentivar a continuar a rir, cantar e... (por quê evitar essa palavra?)... estrelar. Éramos estrelas e aquele quarto de hospital era o nosso público, e todos nos aplaudiam de pé. Era bom.

Mas... todos mesmo?

Nos despedimos do quarto, ofegantes e risonhos e, só então, pela primeira vez, eu vi uma menina com dor. Ela tinha os olhos úmidos e não me respondia. Quero dizer... ela não me ignorava. Ela falava comigo quando eu perguntava. Mas ela não me respondia. Você entende? Eu tava lá! Ela também tava! Mas... não...

Se bem que... eu tinha respondido ela?

Pensei bem... eu olhei pra ela quando entrei no quarto. Eu provavelmente olhei para seus olhos úmidos. Mas eu também olhei pra olhos ansiosos e sorrisos expectantes. Resolvi, naquele momento, ver só um deles. E os aplausos de todos que eu enxergava amaciaram gentilmente meu ego. E era tão bom! Era tão gostoso! Era tão mais fácil! Meu deus, melhor visita!...

...mas agora eu tava dando tchau e eu acabei vendo ela. Mas do que olhar, eu a vi! Droga! Eu a vi! E agora, justamente agora, eu precisava ir embora! Percebi que, no mesmo quarto que eu escolhi arrancar sorrisos e gargalhadas eu também escolhi negligenciar aquelas lágrimas. Ignorar aquela dor...

- Me desculpa, ta?
Minha alma gritava. Minha boca mal sussurrou. Ela assentiu. De que adianta?

Eu queria não ter visto ela. Teria sido tão mais fácil. Por quê ela tinha que estar lá? Por quê ela tinha que sentir dor justo naquela hora? Por que ela tinha que me fazer escolher? Por que eu tive que me despedir? Por que eu só não sai, sem dizer nada...? Droga!

Mas eu realmente me sentia culpado? Se sim, por que eu ainda me sentia tão bem? Por que eu ainda tava tão agitado e empolgado?

Eu não sei.

Mas não me ataquem, por favor! Eu não tava pronto! Eu não TO pronto!!! Eu não quero ter que escolher!! EU NÃO SEI ESCOLHER!!!

Tirem esse jaleco pesado de cima de mim!!

Arf... arf... arf...

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