terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Aula 6 - aproximações filosóficas



Vamos combinar que a aulinha sobre aproximações filosóficas não apenas ficou a maior, como também ficou a mais complexa. Eu acho. Até porque você precisa ter certa afinidade com os temas e autores filosóficos para se interessar a assistir até o final. 

Vou tentar facilitar aqui. Vamos dividir cada explicação em 3 etapas.

1. Por que eu escolhi o filósofo ou momento de pensamento em questão?
2. O que ele traz para a reflexão do Y?
3. Qual a deixa para ir para o próximo filósofo?

Vamos começar:

1. Platão

Por quê?

É o pai da filosofia ocidental. Dizem que foi Sócrates. Mas, foi Platão que "lançou" Sócrates no gosto do público. 

O que ele traz?

Não encontrei boas coisas dele para o Y. Ele não gostava de comédia. O lance dele era preparar a alma para reencontrar o mundo do inteligível puro e esses negócios de arte, pior ainda, comédia só iludiam as pessoas. 

Deixa

O discípulo dissidente dele era Aristóteles. Também outro fundador do nosso pensamento ocidental. Será se ele teria alguma coisa a acrescentar?

2.  Aristóteles

Por quê?

Se Platão não era nosso amigo quem sabe seu amigo que virou ideologicamente inimigo pudesse ser nossa amigo? 


O que ele traz?

Aristóteles encarna a reflexão filosófica. Torna ela palpável. Tenta fazer com que o mundo do sensível não seja um obstáculo para o filósofo, mas sim, seu ponto de partido primeiro e fiel. A comédia para ele era um meio plausível de tornar o ridículo inteligível. Ela nos dava como que a tipologia da feiúra, do grotesco, do tosco.

Deixa

Finda a antiguidade clássica em que se transforma a reflexão do riso?


3. Idade Média

Por quê?

É um período de 1500 anos que não podemos ignorar. Não foi, de forma alguma, a Idade das Trevas. Muita coisa boa se pensou aí. Muito do que nós somos tem raízes nesse período. As cortes e seus bobos. Os teatros de rua e os carnavais. 


O que ela traz?

A disputa entre a laetitia temporalis (alegria secular, profana, fugaz) e o gaudium espirituale (a verdadeira felicidade, plena, do contato com Deus). Estas duas categorias vão ser muito fecundas para se entender o fenômeno do doutor palhaço. 


Deixa

Isso não me mostra claramente o que a Idade Média teve de bom para este tema. O que mostraria?


4. Francisco de Assis

Por quê?

Sua exceção em meio à Idade Média traz a figura do bobo de Deus, que reconcilia a visão do sagrado (tida com séria a todo custo) ao feminino, ao infantil e, portanto, à alegria. Ele é o grande amigo de Clara, uma das primeiras ordens que traz a mulher para dentro da vida monástica. Ele é um monge que não se isola, mas se mistura com o povo, no seu exercício de mendicância. E, finalmente, ele foi o criador do presépio, a forma que temos de adorar ao Deus-menino. 

O que ele traz?

Bobo, alegria, mistura-se com o povo, Deus-menino...


Deixa

Eu falei em carnaval. Houve um pensador que explorou esse aspecto particular da Idade Média.


5. Mikhail Bakhtin

Por quê?

Todas as pessoas entendidas do assunto disseram que se falasse em palhaço e Idade Média e não falasse de Bakhtin não tinha falado nada. 


O que ele traz?

Estuda a categoria de carnavalização que em certa medida ele quis dar força demais para ela, quando, dizem os críticos, não cabia. Mas, cabia perfeitamente para o Y. Vou fazer um quote da minha dissertação, tá?

O Carnaval, dessa forma, é um espaço público de convivência em que a vida é retirada de seus trilhos habituais e como que virada ao avesso. As leis, as proibições e as limitações que imperam fora desse espaço-tempo dão lugar a novas formas de relação afastadas da hierarquização tradicional. As "mésalliances" podem ser entendidas como alianças espúrias que, em outras circunstâncias, seriam inconciliáveis: o sublime e o grotesco, o grandioso e o medíocre, o sábio e o tolo, etc. A invasão de uma ordem pela outra, do alto e do baixo, colore o tema da profanação.

Não é isso que acontece na enfermaria com um bobo usando um jaleco de palhaço?


Deixa

Por falar em carnaval, festa, pessoas misturadas...


6. J. J. Rousseau

Por quê?

Não é que eu descobri uma carta que Rousseau trocou com D'Alembert comparando a festa com a democracia, contra o teatro que estava mais para despotismo?

O que ele traz?

Ora, os doutores-palhaços provocam festa por onde passam. Os muros que separam as pessoas se desmoronam, um ar de liberdade sobe a saia das meninas, provoca o atrito dos furibundos, o sorriso peralta dos moleques. Segundo Rousseau isso seria um clima ótimo para uma democracia. 


Deixa

Vishi! Meteu a palhaçaria na política, falou em destronar reis, provocar encontros politicamente fecundos, não vai poder escapar do Boal. 


7. Augusto Boal

Por quê?

Um dos maiores teatrólogos que o Brasil teve. Versava exatamente sobre teatro e política. Entrou no mérito do coringa/curinga que é um palhaço gerador de liberdade no palco. 

O que ele traz?

A noção de que o teatro pode ser um instrumento de transformação da realidade para melhor, através do questionamento do naturalizado, da permissão de viver novas possibilidades em uma cena dada, tudo isso tendo o curinga (um tipo de palhaço) como ponte. 


Deixa

Muito bem, mas eu estou, talvez, perdendo o foco. Não era para se falar sobre o espírito do doutor palhaço. Quem poderia falar de riso e espírito em uma só tacada?


8. Henri Bergson

Por quê?

Uma das filosofias que mais influenciou o mundo entreguerras na França. Tida como neo-espiritualista. De outro modo, ninguém hoje fala em riso sem citar a obra de Bergson: "O Riso, ensaio sobre a significação do cômico". 


O que ele traz?

Aparentemente ele traz algo contra nós. Porque ele fala que o mundo do espírito é um mundo de liberdade, criação, impulso vital. O da matéria é um de rigidez, contração, perda de energia. O riso seria o movimento da matéria que tenta imitar o espírito, o que sai algo tosco, merecedor de riso como punição de quem vê aquilo. 

Porém, a despeito de Bergson, encontrei, na filosofia de Bergson, um argumento a favor do riso. O ator cômico - Bergson não tinha como saber disso porque não era piadista - precisa estar aberto a criatividade o tempo inteiro para antecipar a plateia e criar (!) o riso. No fundo, o ator cômico, particularmente o palhaço que vive fora do roteiro tem que estar repleto de impulso vital para se sair bem. 

Bergson me dá a deixa que eu precisava para pensar este assunto: a graça, que é a comunicação da característica do espírito à matéria, diz o filósofo, se degenera em múltiplas decadências até o grotesco, que é uma forma rígida, de esgares. Ora, uma consciência infeliz enxergaria nisso um contra-ponto. Eu enxerguei outra questão: a graça (gaudium espirituale) e o grotesco (laetitia temporalis) são parentes. 




 

 

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