sexta-feira, 11 de julho de 2014

Ofycyna D3: Milagres a cada segundo



Quando um jogo de palhaço dá certo, isto é, quando eu lanço uma piada do meu corpo para o espaço e o meu parceiro entende aquilo e acrescenta graça à piada, isso é um milagre. Mas, é um milagre, também e todo tempo, que você me entenda. Como podem essas ideias que saem de mim e são impostas nessas letras aleatórias, gerarem algum significado em você. Milagre! Algumas pessoas dizem não compreender o que escrevo ou digo várias vezes. Ora, milagre é compreender!

É uma das coisas que faz da vida um encanto e ainda, apesar de toda ciência, um mistério. É também o que fez a menina Ana Flávia florescer um sorriso e um salto de susto em meio à expectativa cinza do círculo de gente em que ela depositou um aperto de mão correndo em ambas as direções. Quando o aperto voltou para si ao mesmo tempo, que sensação indizível no corpo de conexão com todos! Vai a outra menina-flor se inquietar e murchar porque não ouviu um bom dia de volta, pelo contrário, recebeu uma rabissaca. Milagre ainda! Ela deveria ser invisível. O que geralmente fazemos quando nos deparamos com uma árvore que balança os galhos para nós (para o mundo)? Se não formos ecologistas ou místicos, se formos o comum homem-fábrica, ignoramos. Mas, eis que recebo uma rabissaca. Significa que, de alguma forma, lhe recebo em mim, você me deforma de alguma modo,  e eu devolvo minha afetação desse jeito. Milagre da comunicação!

O palhaço parece viver nessa dimensão do milagre. Não pode ficar tenso ao ponto de tudo afetá-lo descomunalmente - seria uma convulsão. Não pode ficar relaxado ao ponto de nada importar - seria a lassidão. É um estado de atenção do corpo, não de tensão. De exploração e experimentação do espaço, não de julgamento e invasão. É também assumir o que se é agora, no presente: um lobisomem, um narrador, um aldeão, um acusador, um morto, uma menina que coloca um nariz de palhaço e vai contar piadas para "senhoras e senhores!". Sim, o palhaço tem que vestir a máscara. E deve de fato vestir. O verbo é forte aqui! E deve viver este presente na intensidade deste presente, em resposta as afetações de seu corpo, sem esperança ou nostalgia, a não ser com aquilo que estes sentimentos do futuro e do passado fazem o corpo ser no presente. Deve, então, já estar preparado para o que acontecer. Acontecer: o verbo, aqui, também é forte!

São quatro horas de oficina que vamos vendo acontecer várias coisas em vocês. Pouco conseguem falar com tanta clareza quanto a que o corpo revela em suas afetações. Deus me mantenha atento para entendê-los. Só uma intervenção divina para nos fazer compreensíveis uns para os outros! Deus me permita andar sobre as águas com vocês. 

Jogos: Um círculo com todos em que passamos um aperto de mão, a princípio só por um lado, depois para os dois. A cidade-dorme (enquanto lobisomens a atacam e os aldeões tentam encontrá-los). Um jogo de expressões em que um ator entre quatro enfileirados faz uma expressão dando um passo à frente e os outros, cada um no tempo de si, tenta imitá-lo mais no sentimento do que na observação estrita. As fotos revelam que é um milagre alguém ter conseguido uma proximidade.

P.S.: Lembranças de outros presentes:
"Foi a melhor até agora. Foi mais concreto."
"Consegui palpar os objetivos."
"Ora, não existe não-estímulo." (Lembrando sobre as mil possibilidade de se responder ao silêncio quando se disse um bom dia)
"É intrínseco ao ser humano querer se mostrar."
Interessante a reação do Vanildo que, ao invés do susto diante da concretização da brincadeira, decide ficar perpetuando indefinidamente o jogo, repetindo em seu corpo a boa sensação.
"Impossível não se apegar." (Falando sobre o grande estranhamento que se teve ao saber que na cultura budista o apego era o pior dos males).

Nenhum comentário: