quarta-feira, 9 de julho de 2014

Ofycyna D2: Não há corda





- Se você tentar dobrar a colher, não vai conseguir. Ao invés disso, tente perceber a verdade. 
- Que verdade?
- Não há colher!

Cena da Matrix, clássica, densa. Neo aprendia isso de uma criança avatar. Eu aprendo isso com vocês. É que o tempo parece não passar, ou passar rápido demais. É como se a deusa Atenas sentasse no trono do Sol e segurasse o Crepúsculo pelos cabelos, a fim de que seus dedos róseos não fechassem a luz do dia. O tempo se dilata, demora, dura. 

Traz Sebbe o alongamento e Sílivia, Letícia largam o corpo ao chão. Flete-se a coluna e há sempre os humilhados que quase permanecem em pé. Mas, que seria dessa vida se não fossem os humilhados? Não bem os humilhados, mas os que dependem dos outros para conseguir. Não teria a mesma graça, Vanildo, se você tivesse conseguido tudo. Menos graça se você tivesse conseguido mesmo depois de todos tentarem fazer você conseguir. 

O que eu posso dizer? Não esqueçam de olhar fora da corda, fora do alongamento, fora do caminho das cadeiras. Não é bem fazer outra coisa que não a corda, que não o alongamento, que não percorrer o caminho certo das cadeiras, mas é fazer de outra forma, seja em outra língua ou calado. Sentir. 

Experienciar a dor do joelho colidido ao granito, o garoto perdido no vão do banheiro, o longo caminho de repensar todas as perguntas que ao final não adiantarão de nada. Não esqueça de curtir essa ânsia de acertar, bem antes que o acerto aconteça ou não aconteça. Que poder você têm sobre este futuro? Terá perdido tudo o que passou até ele acontecer. 

E o mais bonito é o riso dos meninos e meninas perdidos e perdidas se encontrando nos braços dos amigos da fila que foram erguidos para lhes resgatar. Da escuridão da cegueira? Talvez. Da escuridão da independência. Mais certo. Feliz é depender de tudo o que aconteceu para pingar de suor e de risos no findar de tantos terremotos. 

Pães de queijos semi-prontos, violões chorando, coro espontâneo dos jovens ao sétimo andar, muita brisa do mar, angústia de uma palhaça já veterana a reverberar nas minhas próprias, carona querida que tive de deixar no ponto de ônibus quase final. 

Sei lá quando o jogo termina. Só sei que ainda enquanto eu escrevo, é a corda rodando dentro de mim. Não a corda, Letícia que me corrija, os meninos e as meninas, e os sims. 

Jogos: Casa, Morador, Terremoto (nível 1, 2 e 3); Pular de corda (olhos abertos, olhos fechados, olhos  fechados e língua estranha, olhos e bocas fechados, olhos e bocas fechados com todos separados - guiados por um amigo qualquer). 

Quem ler atrás de uma dica de jogos entenda, por favor, que eu não consigo me fixar nos jogos, não mais do que em tudo que vivemos juntos. 

P.S.: Outras falas dos que viveram: 

“Quem diria que eu poderia ter curtido mais a ânsia de ter planejado tanto a pergunta, a ânsia da espera na fila, os segundos antes de eu entrar na corda, por que eu teria que curtir só o momento do salto e o momento exato da pergunta?”

"Sim, somos dependentes da visão, e Somos! É nossa natureza, nossa condição, talvez.. Simplesmente somos".

"Feche os olhos e me diz o que você vê"

“Acho a ânsia do terremoto e o meu grande problema com o silêncio foram bem marcantes, pra mim hoje. E os ‘e’ e/ou ‘ou’ e as interseções. A segurança e/ou insegurança.”

“Gostei de perceber o quanto a gente se coloca como seres inseridos no jogo, mesmo sem se dar conta. Foi motivador. A ideia de dizer ‘sim’ [ao jogo] sempre parece difícil, às vezes, mas foi irado perceber o quanto é surpreendentemente fácil, tantas vezes. Fácil ao ponto da gente fazer sem nem se dar conta.”

“Ah! E teve a mão do Renan e da Saralê na hora da fila cega, também. A segurança de um aperto de mão no escuro e no silêncio. Os braços que resgatavam a gente e a deliciosa oportunidade de ajudar a resgatar. Essas coisas que não são exatamente falas, mas que ainda ecoam em algum lugar aqui dentro.”

“Todas as formas que cada um de nós usávamos com quem tava a nossa frente e com quem tava atrás da gente para sentirmos segurança no momento correto de passar na corda!”

“Acho que o que mais me marcou hoje foi o fato de não só estar no jogo, mas ser e sentir o jogo. De perceber como as coisas turbulentas, como nossas falas, os ÂHNS, as batidas da corda no chão existem mas, conforme elas vão sumindo, a gente passa a nos concentrar em pequenos detalhes que nos permitem jogar o jogo com mais atenção. Sendo que essa atenção deve ser aplicada mesmo na presença de todos os pormenores.”

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