quinta-feira, 17 de julho de 2014

Ofycyna D6: Não se exponham, eu me exponho



Os deuses dos Vedas talvez me castiguem. Expus o círculo sagrado de sabores da alma para os meninos e meninas com pouca preparação. Rodar o dia inteiro antes de entrar, e talvez nem entrar, um deles disse, e eu o forcei. Fingir ou se consumir. Ficar na superfície ou não agüentar. 

Somos um grupo que quer transmitir alegria aos pacientes e a Rasa da tristeza estava quase sempre ocupada. Que revelador! Que sintomático! Não acredito que sejamos os únicos assim, cinzas, mas que nossos métodos de dar impotância às angústias revelam o que a Faculdade deixa passa: esconder-se por trás de notas e gabaritos. Eu nunca tinha pensado que a dificuldade de se instalar a relação humana estivesse tão fortemente arraigada com as próprias feridas - indescritíveis. 

Profundos demais? Há um senhor que fez um estudo sobre xamanismo para entender porque seus alunos de teatros se davam tão bem no clown às aulas e, ao público, se fechavam. Ele quis encontrar uma resposta entre os xamãs, porque estes tinham muito da magia de usar corpo, alma e máscaras em movimentos clownescos. Supôs que havia estados de consciência que o sagrado poderia dar luz. Convidei então a técnica do Rasa, provinda do sagrado sânscrito, para enriquecer nossas expressões de sentimentos. Apliquei de forma rápida e porca. Mas, ainda assim, ou talvez por isso, houve desconfortos profundos entre os nossos garotos e garotas. Memórias emotivas dilaceradas pesaram sobre si. Estados corporais intensos se revelaram. Outros não sentiram tanto, e isso deveria ter sido o comum para tão pouca primazia na condução de um Rasa. Essas angústias me fizeram lembrar de mim.

É que se aproxima o dia de eu lhes entregar para o hospital e lembro o quanto tive medos mil sobre minha atuação. Nunca visitei sozinho. Achava tudo aquilo intenso demais para não dividir com alguém o peso de quando a graça não dava certo. Relutei sempre em visitar sem minhas roupas sagradas. E todos sempre me criticaram por esse apego. Ainda hoje eu encaro o espaço de jogo do clown com embrulho no estômago. Uma euforia enorme esconde o medo intenso. De que? De tentar a potência do encontro e malograr. De que alguma dor que eu venha a visitar seja infinitamente maior que qualquer presença brincante. De que a mágica desapareça, pois não há lógica suficiente que dê suporte ao sucesso de toda e qualquer ação. Nenhuma teoria é suficiente para produzir em série sorrisos autênticos.

E por que persisto? Pelas vezes que deu certo. Pela leveza de que preciso. Pela verdade dessa presença que acredito ser salvadora quando as esperanças são poucas. Porque percebo que, nos tempos que vim saboreando a vida, ela tem se tornado mais amena, e que a simples presença palhaça (nessa intensidade que tentamos conquistar) surtiu efeitos balsamizantes sobre a incurável doença de minha mãe. 

Não tenho evidências para provar a eficácia de nada. Tenho gratidão.

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