segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Ana perdida ou Ana e não-Ana

Ela sai da visita alegre, triste. Não, ela sai alegre. Triste. Não sabe. O que aconteceu? Gerou risos? Sim. Não. Mais sim do que não. Mas, não tanto em si. 

Estava sem maquiagem, sem roupa, quase não tinha um nome seu palhaço. Os outros brincavam tanto que ela se achava pouca. Não é que estava nua, estava sem aquela roupa que poderia chamar de sua. Nem que estava sem tinta no rosto, é que mais parecia estar suja. 

As crianças, os pais, os profissionais, todos lhe achavam linda, linda, a mais linda dos feios! E assim, dela debochavam. 

(Assim, podiam passar adiante o eterno debochado que a doença e a internação faziam deles - Ana mal percebia que estava permitindo que eles partilhassem as dores pelo deboche).

Ela queria ter dito mil piadas, feito dez mil travessuras, cem mil cambalhotas. Em vez disso, risadas, risadas e mais risadas de toda a nulidade de si. Sem roupa, sem maquiagem, quase sem nome.

(Os pacientes: sem roupa, sem maquiagem, quase sem nome. Ana mal percebia que era igual a eles).

Havia vivido tão intensamente o curso de formação de palhaço que queria desesperadamente ser um ao final. Tinha a esperança... Enquanto esperava ser, nunca era, e seu olho ficava onde seu corpo não estava.

(Ana não percebeu que havia permitido àquela pacientezinha, também de nome Ana, ter o olho de volta ao presente que estava ali, na estranheza de Ana - Ana sem roupa, Ana sem maquiagem, Ana quase sem Ana. Os olhos da menina viviam fora da órbita, em casa ou no tempo em que ainda não havia adoecido. Ao ver Ana, a menina esqueceu, por uma hora, de casa e de que estava doente. Riu dela como se risse de si). 

Ana me encontrou e contou tudo o que não aconteceu, o que podia ter acontecido. E, enquanto ela me contava, eu enxergava em cada nulidade a presença de tudo o que havia ocorrido:

- Era uma vez uma palhacinha sem roupa, sem maquiagem e quase sem nome que permitiu à menina Ana rir por uma hora e esquecer da dor de estar ali.

A dor de Ana de estar ali, não estando.
O sorriso de Ana de não estar.

(Ana, não-Ana. Ama Ana. Ana, ama!)


Nenhum comentário: