Chegou o tão esperado sábado. Tão
corrido aliás. Cheguei de uma reunião, engoli o
almoço, entrei na roupa, voei no carro, busquei o Sebbe e encontrei e me
encontrei no Sabin. Encontrei nos dois sentidos: 1º porque não sabia nem onde
era e 2º porque encontrei alguém muito especial lá, dentre muitas pessoinhas
especiais.
Saí do carro, respirei fundo e vesti
a saia – do são joão de 1900 e me esqueci – com uma sensação de que ou eu
estava abafando ou alguém ia chamar o Esquadrão da Moda pra mim com urgência. Entrei
no hospital e fui percorrendo aquele labirinto quase sem saída. Minha sorte é que
fui guiada até chegar naquele cantinho, lá longe, no fundo do hospital, com
cheirinho de pancake.
Parecia que todos ali estavam se
arrumando para uma festa: “Ei, cadê o lápis?” “Tá muito exagerado?” “Meu cabelo
tá legal?” “Ai, tua roupa tá linda!” “Me dá um cantinho do espelho?” “Estou
ansiosa (o).” “Isso daqui combina contigo, testa!”. Todos prontos e reunidos
para dar início ao novo: colocamos o nariz e de repente não éramos mais nós.
Confesso que ainda o coloquei antes, mas depois caiu a ficha da desconsideração
que tive naquele segundo com minha clown e depois, no momento certo, deixei ela
vir a mim. Nariz posto, no devido tempo e, enfim, era a Felícia ali. Calada a
princípio, mas era ela. Pés aos 130º graus, cabelos assanhados, rosa presa ao
jaleco, fita nos calcanhares, tranças para cima, bolhas de sabão num bolso e
termômetro no outro.
Chegamos no primeiro corredor e
uma mãezinha de resguardo sozinha estava sentada no banco. Ela parecia com dor
e cansada, mas ria na nossa presença, quase se desculpando por não poder trocar
muitas figurinhas com a gente naquele momento. Felícia compadeceu daquela dor, pois
estava de resguardo também e já estava com outro encomendado naquela barriga de
tanto comer chocolate e coxinha.
Dobramos o corredor e mais gente.
Um senhorzinho namorador tinha duas
alianças no dedo: uma da noiva e outra da esposa. A noiva estava lá, sem
aliança mesmo porque tinha cansado da situação, porque enfim, né... cabra
safado! Felícia indignou-se, reclamou por tamanha safadeza, foi andando e parou
em frente à porta de uma sala. Os outros amigos dela ficaram lá brincando, mas
eu a peguei parada uns 10 segundos observando uma garotinha de cabelo toim
toim, de fralda, uma blusinha de algodão, pezinhos descalçados e a mão segurando
a da mãe, que estava com uns exames e uma mochilinha rosa. As duas não pareciam
muito bem e a Felícia queria ter feito algo, mas a porta se fechou.
Voltou a andar e se deparou com seus amigos
futricando uns aparelhos de fazer desejos e o Caju desesperado tentando se
soltar de um dos seguranças. Sofreu, puxei ele até que ele se
livrou, ufa! E desejos? Bem... não foram realizados nenhum, nem o do abraço. Sem
problemas pois fomos compensados com um pedido de foto para os 876587 sobrinhos
de uma tiazinha que nos barrou no corredor. Naely, Noemi, Nathanael... e por ai
vai. Na outra sala, mais fotos! Porém, o que a encantou mais na sala foi o
Oliver Canudo (senti uma certa empatia já que sou uma Toddynho, mas era Canuto o sobrenome dele na
verdade...erraram a etiqueta!), sentadinho na cadeira de rodas . Um príncipe
todo! Felícia conversou com ele achando o máximo, mesmo quase não o ouvindo
contar a parte da história das havaianas lilás – iguais às que a Felícia tinha
em casa-. Ela teve que ir, mesmo querendo ficar um tempão com ele lá.
Beijou-lhe a testa e saiu.
Um amontoado no corredor estava feito mais na
frente: era o Tetéu queixando a pequenininha e ela o negando até o fim. O irmão
mais velho dela estava agarrado na mãe, não queria saber da pobre Felícia, até
o momento em que perguntou baixinho pra mãe: “Eles vão dar meu presente?”. Ela
até quis dar bolhas de sabão, mas não saíram bonitinhas. Sua amiguinha, mais
esperta, teve uma ideia melhor! “Prepara: 1, 2, 3... ABRAÇO J”. No meio do sufoco
ainda vi um sorrisinho despontando da boca, que já valeu. Fomos para o elevador
. Plim! Chegamos no primeiro andar. “Vamos, mais um pra esse andar!”. Felícia
na porta do elevador, sem reação, quase com medo de ir para aquele funil – lá em baixo vários palhaços, no 1º
andar só 3-. Quase num empurrão, caiu de vez no 1º andar. Na primeira sala estava a Alice nos braços da mãe, não focava
nem um segundo no olhar de Felícia. Seus pais riam das tentativas frustradas em
arrancar-lhe um sorriso, mas eis que percebeu que ela estava cansadinha demais
para sorrir. Felícia pulou para o outro lado da sala, onde o Henrique estava.
Ele não estava com a carinha mais alegre, mas olhou para a Felícia. Demorou
para ter uma conexão com ele, mas deu certo. O termômetro não serviu, a piada não
fez nem cócegas nos ouvidos mas eis que a bolhinha de sabão arrancou uns
sorrisos tímidos. Soltaria fogos das mais variadas cores se eu os tivesse ali,
eu usaria aquela bolhinha até o fim ou até pelo menos ele se animar para tomar
o suquinho. Felícia deu uns cheiros nos pés dele, ele gostou até.Porém tive que
ir.
Um salão no meio do corredor
estava a Vitória, a Fátima e um pequenininho da voz rouca – quase o coloco no
bolso de tanta fofura. Ele abriu um livro de contos da Disney e apontou pro
adesivo do Patati, dizendo que a Felícia parecia com ele. Logicamente que ela
se defendeu apontando para a Alice no País das Maravilhas - meu conto favorito- e isso gerou a discussão de quem era quem no
livro. Depois de designados os personagens de cada, sobrou até pra enfermeira
ser o hipopótamo do Madagascar... tadinha. Já volto para essa sala, fui em
outra.
Uma bonequinha estava na primeira
maca da esquerda assim que entrei: a Emilly. Uma vozinha tão linda, quase que
não saia dos pulmões, mas que era doce o suficiente para me prender ali. Olhos
tão grandes pintados de sombra azul e as bochechas de rosa. Seu corpinho não
vale a pena aqui descrever, mas estava sofrido demais. Deitou a cabecinha na
mesa por cima do braço e ficou a conversar com a Felícia. Logo mais estavam amigas,
até sua mãe entrou no papo. Ela pediu que pegasse seu caderno de desenho e os
mostrou, cada um mais lindo que o outro! Eu até desenhei uma bonequinha
parecida com ela segurando a cachorrinha (a dela que havia falecido há um
tempo), pra que fosse pintado depois. Seu pai não estava lá, pois era circense
e trabalhava em Recife, mas a mãe falou que ele era o autor dos desenhos perfeitos
(e eu aposto que do sorriso delas também). Dei um “alô” para as outras crianças
do quarto, ganhei até uma pastilha com o miolo de coração de um danadinho que
depois saiu correndo atrás da gente e foi dizer que estava com frango no meio
dos dentes. É, ele além de querer me morder, era comedorzinho de frango com
farofa. Já me despedindo fui na varanda cumprimentar um casal e um rapazinho.
Felícia tirou o boné do careca, deu uma lambida na mão, ajeitou os fiapos
grisalhos e colocou o boné para trás – por questão de estilo e bom gosto-. A
senhorinha só ria da situação e ainda lá fora disse “Ow, deixe meu carequinha!”.
Ai, o amor é lindo. Só o amor. Brincadeirinha. O rapazinho não falava, mas se
mostrou mais eufórico e feliz com a nossa presença. Dei um “oi” quase sem saber
como pronunciar, tentando me fazer entender. Espero que ele tenha nos sentido
um pouco.
Felícia foi se despedindo e, como
boa e higiênica palhaça é, foi colocar álcool em gel nas mãos mas “Eiiii, isso
é sabonete!”. Começaram a rir. A mocinha da outra maca se levantou e foi me ensinar a usar a torneira misteriosa. Quase uma mágica
para fazer descer água, e a cada jato era uma alegria só. Mãos limpas e dando “tchau”.
De volta para o salão do corredor, ajudei a
Vitória a fazer um desenho. Fiz três borboletas: a Felícia, a Vitória e a Fátima. No final ela
entregou para Fátima, que estava só de visita. Fui saindo e ganhei um abraço
daqueeeeeles gostosos delas duas. O pequeno da voz rouca se despediu com um
beijo na minha mão (Felícia pedia 10 beijos toda vez que passava por ele). Vomitei
arco-íris. Ele se engasgou e tossiu muito – meu coração trancou na hora-, o
alívio veio com ele vomitando um pouquinho e se acalmando. Todo mundo vomitado e
feliz mas tive que ir embora. Opa, o danado do frango no dente quase veio
correndo com a gente também. Por mim eu saia correndo com ele, mas já estava na
hora da Felícia se recolher então tive obedecê-la. Descemos pelo elevador. Um
tiozinho escutava o jogo no fone de ouvido. Coloquei o fone também. Tirei uma
com a cara dele e ele, que não era besta, tirou uma com a minha também. Nem
lembro direito o que era, mas ele pediu desculpas no final, e a Felícia só
desejou um bom jogo. Foi engraçado.
Felícia saiu pelo corredor,
soltando beijos e saltitando até chegar no cantinho com cheiro de pancake.
Estava com mais cheiro de alegria. Estava com tanta pressa para ir para outro
canto que desfiz a Felícia, joguei suas roupas no saco e saí. Cansada,
descabelada, pés aos 100º graus, de calça jeans, saco numa mão e a bolsa na
outra. Pelos corredores eu só percebia os olhares me reconhecendo, sorrindo e
dizendo “Manda lembranças para a Felícia, pois ela deixou um pedaço dela nascendo
aqui”. O resto do dia? Foi bom demais! Eu me senti uma criança contando o
primeiro dia na escola para todo mundo. De fato, tenho muito o que aprender com
a Felícia. A cada dia eu procuro ter uma relação harmoniosa de mim comigo
mesma. Porém dizem que a perfeição é trina, não é mesmo? Então, vamos viver as
3 em uma só: Eu, Eu mesma e Felícia. Foi
encantador conhecer a Felícia e ver o quanto ela exala a Letícia adormecida,
tanto é que nos confundi várias vezes no texto.
A parte augusta da Letícia sendo mais branca na Felícia e a parte branca
da Letícia sendo augusta na Felícia. E
tudo que é estímulo vai sendo saboreado, vivido e sentido. A cada momento.
Prazer em te conhecer e em ti viver,
Felícia!
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