terça-feira, 12 de agosto de 2014

Eu, eu mesma e Felícia

Chegou o tão esperado sábado. Tão corrido aliás. Cheguei de uma reunião, engoli o  almoço, entrei na roupa, voei no carro, busquei o Sebbe e encontrei e me encontrei no Sabin. Encontrei nos dois sentidos: 1º porque não sabia nem onde era e 2º porque encontrei alguém muito especial lá, dentre muitas pessoinhas especiais.  
Saí do carro, respirei fundo e vesti a saia – do são joão de 1900 e me esqueci – com uma sensação de que ou eu estava abafando ou alguém ia chamar o Esquadrão da Moda pra mim com urgência. Entrei no hospital e fui percorrendo aquele labirinto quase sem saída. Minha sorte é que fui guiada até chegar naquele cantinho, lá longe, no fundo do hospital, com cheirinho de pancake.
Parecia que todos ali estavam se arrumando para uma festa: “Ei, cadê o lápis?” “Tá muito exagerado?” “Meu cabelo tá legal?” “Ai, tua roupa tá linda!” “Me dá um cantinho do espelho?” “Estou ansiosa (o).” “Isso daqui combina contigo, testa!”. Todos prontos e reunidos para dar início ao novo: colocamos o nariz e de repente não éramos mais nós. Confesso que ainda o coloquei antes, mas depois caiu a ficha da desconsideração que tive naquele segundo com minha clown e depois, no momento certo, deixei ela vir a mim. Nariz posto, no devido tempo e, enfim, era a Felícia ali. Calada a princípio, mas era ela. Pés aos 130º graus, cabelos assanhados, rosa presa ao jaleco, fita nos calcanhares, tranças para cima, bolhas de sabão num bolso e termômetro no outro.
Chegamos no primeiro corredor e uma mãezinha de resguardo sozinha estava sentada no banco. Ela parecia com dor e cansada, mas ria na nossa presença, quase se desculpando por não poder trocar muitas figurinhas com a gente naquele momento. Felícia compadeceu daquela dor, pois estava de resguardo também e já estava com outro encomendado naquela barriga de tanto comer chocolate e coxinha.
Dobramos o corredor e mais gente. Um senhorzinho  namorador tinha duas alianças no dedo: uma da noiva e outra da esposa. A noiva estava lá, sem aliança mesmo porque tinha cansado da situação, porque enfim, né... cabra safado! Felícia indignou-se, reclamou por tamanha safadeza, foi andando e parou em frente à porta de uma sala. Os outros amigos dela ficaram lá brincando, mas eu a peguei parada uns 10 segundos observando uma garotinha de cabelo toim toim, de fralda, uma blusinha de algodão, pezinhos descalçados e a mão segurando a da mãe, que estava com uns exames e uma mochilinha rosa. As duas não pareciam muito bem e a Felícia queria ter feito algo, mas a porta se fechou.
 Voltou a andar e se deparou com seus amigos futricando uns aparelhos de fazer desejos e o Caju desesperado tentando se soltar de um dos seguranças. Sofreu, puxei ele até que  ele  se livrou, ufa! E desejos? Bem... não foram realizados nenhum, nem o do abraço. Sem problemas pois fomos compensados com um pedido de foto para os 876587 sobrinhos de uma tiazinha que nos barrou no corredor. Naely, Noemi, Nathanael... e por ai vai. Na outra sala, mais fotos! Porém, o que a encantou mais na sala foi o Oliver Canudo (senti uma certa empatia já que sou uma Toddynho,  mas era Canuto o sobrenome dele na verdade...erraram a etiqueta!), sentadinho na cadeira de rodas . Um príncipe todo! Felícia conversou com ele achando o máximo, mesmo quase não o ouvindo contar a parte da história das havaianas lilás – iguais às que a Felícia tinha em casa-. Ela teve que ir, mesmo querendo ficar um tempão com ele lá. Beijou-lhe a testa e saiu.
 Um amontoado no corredor estava feito mais na frente: era o Tetéu queixando a pequenininha e ela o negando até o fim. O irmão mais velho dela estava agarrado na mãe, não queria saber da pobre Felícia, até o momento em que perguntou baixinho pra mãe: “Eles vão dar meu presente?”. Ela até quis dar bolhas de sabão, mas não saíram bonitinhas. Sua amiguinha, mais esperta, teve uma ideia melhor! “Prepara: 1, 2, 3... ABRAÇO J”. No meio do sufoco ainda vi um sorrisinho despontando da boca, que já valeu. Fomos para o elevador . Plim! Chegamos no primeiro andar. “Vamos, mais um pra esse andar!”. Felícia na porta do elevador, sem reação, quase com medo de ir para aquele  funil – lá em baixo vários palhaços, no 1º andar só 3-. Quase num empurrão, caiu de vez no 1º andar. Na primeira sala  estava a Alice nos braços da mãe, não focava nem um segundo no olhar de Felícia. Seus pais riam das tentativas frustradas em arrancar-lhe um sorriso, mas eis que percebeu que ela estava cansadinha demais para sorrir. Felícia pulou para o outro lado da sala, onde o Henrique estava. Ele não estava com a carinha mais alegre, mas olhou para a Felícia. Demorou para ter uma conexão com ele, mas deu certo. O termômetro não serviu, a piada não fez nem cócegas nos ouvidos mas eis que a bolhinha de sabão arrancou uns sorrisos tímidos. Soltaria fogos das mais variadas cores se eu os tivesse ali, eu usaria aquela bolhinha até o fim ou até pelo menos ele se animar para tomar o suquinho. Felícia deu uns cheiros nos pés dele, ele gostou até.Porém tive que ir.
Um salão no meio do corredor estava a Vitória, a Fátima e um pequenininho da voz rouca – quase o coloco no bolso de tanta fofura. Ele abriu um livro de contos da Disney e apontou pro adesivo do Patati, dizendo que a Felícia parecia com ele. Logicamente que ela se defendeu apontando para a Alice no País das Maravilhas  - meu conto favorito-  e isso gerou a discussão de quem era quem no livro. Depois de designados os personagens de cada, sobrou até pra enfermeira ser o hipopótamo do Madagascar... tadinha. Já volto para essa sala, fui em outra.
Uma bonequinha estava na primeira maca da esquerda assim que entrei: a Emilly. Uma vozinha tão linda, quase que não saia dos pulmões, mas que era doce o suficiente para me prender ali. Olhos tão grandes pintados de sombra azul e as bochechas de rosa. Seu corpinho não vale a pena aqui descrever, mas estava sofrido demais. Deitou a cabecinha na mesa por cima do braço e ficou a conversar com a Felícia. Logo mais estavam amigas, até sua mãe entrou no papo. Ela pediu que pegasse seu caderno de desenho e os mostrou, cada um mais lindo que o outro! Eu até desenhei uma bonequinha parecida com ela segurando a cachorrinha (a dela que havia falecido há um tempo), pra que fosse pintado depois. Seu pai não estava lá, pois era circense e trabalhava em Recife, mas a mãe falou que ele era o autor dos desenhos perfeitos (e eu aposto que do sorriso delas também). Dei um “alô” para as outras crianças do quarto, ganhei até uma pastilha com o miolo de coração de um danadinho que depois saiu correndo atrás da gente e foi dizer que estava com frango no meio dos dentes. É, ele além de querer me morder, era comedorzinho de frango com farofa. Já me despedindo fui na varanda cumprimentar um casal e um rapazinho. Felícia tirou o boné do careca, deu uma lambida na mão, ajeitou os fiapos grisalhos e colocou o boné para trás – por questão de estilo e bom gosto-. A senhorinha só ria da situação e ainda lá fora disse “Ow, deixe meu carequinha!”. Ai, o amor é lindo. Só o amor. Brincadeirinha. O rapazinho não falava, mas se mostrou mais eufórico e feliz com a nossa presença. Dei um “oi” quase sem saber como pronunciar, tentando me fazer entender. Espero que ele tenha nos sentido um pouco.
Felícia foi se despedindo e, como boa e higiênica palhaça é, foi colocar álcool em gel nas mãos mas “Eiiii, isso é sabonete!”. Começaram a rir. A mocinha da outra maca se levantou e foi me ensinar  a usar a torneira misteriosa. Quase uma mágica para fazer descer água, e a cada jato era uma alegria só. Mãos  limpas e dando “tchau”.
 De volta para o salão do corredor, ajudei a Vitória a fazer um desenho. Fiz três borboletas:  a Felícia, a Vitória e a Fátima. No final ela entregou para Fátima, que estava só de visita. Fui saindo e ganhei um abraço daqueeeeeles gostosos delas duas. O pequeno da voz rouca se despediu com um beijo na minha mão (Felícia pedia 10 beijos  toda vez que passava por ele). Vomitei arco-íris. Ele se engasgou e tossiu muito – meu coração trancou na hora-, o alívio veio com ele vomitando um pouquinho e se acalmando. Todo mundo vomitado e feliz mas tive que ir embora. Opa, o danado do frango no dente quase veio correndo com a gente também. Por mim eu saia correndo com ele, mas já estava na hora da Felícia se recolher então tive obedecê-la. Descemos pelo elevador. Um tiozinho escutava o jogo no fone de ouvido. Coloquei o fone também. Tirei uma com a cara dele e ele, que não era besta, tirou uma com a minha também. Nem lembro direito o que era, mas ele pediu desculpas no final, e a Felícia só desejou um bom jogo. Foi engraçado. 
Felícia saiu pelo corredor, soltando beijos e saltitando até chegar no cantinho com cheiro de pancake. Estava com mais cheiro de alegria. Estava com tanta pressa para ir para outro canto que desfiz a Felícia, joguei suas roupas no saco e saí. Cansada, descabelada, pés aos 100º graus, de calça jeans, saco numa mão e a bolsa na outra. Pelos corredores eu só percebia os olhares me reconhecendo, sorrindo e dizendo “Manda lembranças para a Felícia, pois ela deixou um pedaço dela nascendo aqui”. O resto do dia? Foi bom demais! Eu me senti uma criança contando o primeiro dia na escola para todo mundo. De fato, tenho muito o que aprender com a Felícia. A cada dia eu procuro ter uma relação harmoniosa de mim comigo mesma. Porém dizem que a perfeição é trina, não é mesmo? Então, vamos viver as 3 em uma só: Eu, Eu mesma e Felícia.  Foi encantador conhecer a Felícia e ver o quanto ela exala a Letícia adormecida, tanto é que nos confundi várias vezes no texto.  A parte augusta da Letícia sendo mais branca na Felícia e a parte branca da Letícia sendo augusta na Felícia.  E tudo que é estímulo vai sendo saboreado, vivido e sentido. A cada momento.


                                             Prazer em te conhecer e em ti viver, Felícia!

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