quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Com um balão só, já dá pra voar


"Pra começar
a colorir
algum lugar
que seja aqui
com um balão só
já da pra voar

Pra começar
a descobrir
o que é chegar
e o que é partir
o coração só
precisa de ar
E deixar"

Cícero

30 de novembro de 2015
Concluo o dia lendo a frase que um antigo professor escreveu na minha foto de palhaça: mais uma vez, discípula supera o mestre, realizando um sonho. O mesmo professor que olhou pra mim no momento em que ninguém mais olhava e disse que se fosse ele, na minha situação, passando por tudo o que eu passava e fazendo tudo que eu fazia, ele não conseguiria. Escrevo essa frase com as mesmas lágrimas nos olhos de quando a escutei pela primeira vez e de quando a repeti pela primeira vez, para o mesmo professor. E penso, então, em tudo o que senti hoje e de onde vem esse choro: o mesmo choro de quando escutei a frase, o mesmo choro de quando vi uma criança deitada em uma cama de hospital sem o brilho nos olhos próprio das crianças (com o olhar de quem já viu muita dor), o mesmo choro de quando o João colocou seus bracinhos ao redor do meu pescoço, me passando todo aquela segurança e aquele amor.

Tenho medo de escrever esse relato, medo de que seja pesado, ruim, ou insuficiente. Mas não consigo parar os meus dedos.

Eu tinha aquela crush pelo projeto Y desde o nosso primeiro contato, vendo as fotos dos palhaços pelo facebook. Mas sempre me pareceu tão tão distante. Perdi a seleção no semestre passado! Era meu primeiro semestre na UFC, no curso de Psicologia, o que parecia muito errado. Sim, psicologia era tudo o que eu queria, mas foram tantas as reviravoltas para que eu entrasse nesse espaço que eu me perguntava se de fato eu era merecedora. Duvidava se eu seria boa o suficiente para a psicologia, duvidava se eu seria boa o suficiente para o projeto. 

Com a vida acadêmia mais bem resolvida (poderia chamar também de menos emocionalmente problemática) nesse meu segundo semestre, veio a minha reaproximação com o teatro, a minha exploração do universo da meditação; e o YPUD veio como um presente, uma esperança e uma oportunidade de ressignificação de tantas questões. Email enviado com 4 minutos de divulgação, dias de ansiosas esperas, até aquele email todo coloridinho chegar na minha caixa de entrada toda borrada de cinza dessas obrigações acadêmicas. 

Em um primeiro momento, nos reunimos na capacytação: mas, eu sairia preparada? Duvidava. Batia a ansiedade: não acho que conseguiria nem com 80 horas. Mas, naquela sala cheia de ansiosas ansiedades (sim, essa é a melhor descrição), eis que surge aquela luz, que podemos chamar de Sarah, ou mesmo Dra. Crystalina, com a sua companheira Amanda Vermelha, ou Dra. Amêndoa. Exploramos os planos, exploramos o corpo, os limites, a mente, a junção. Exercício gostoso pra mim, que sinto falta de todas as oficinas de teatro.

E apagam-se as luzes, escutamos a voz que dizia para respirarmos e imaginarmos uma clareira, uma floresta; uma paisagem que já tenho formada, de outras meditações. Vou para minha fonte conhecida, e encontro a minha criança. A pequena Letícia, antes de ser apelidada de Lê. Aquela que se apresentava dizendo "Oi, meu nome é Letícia que significa Alegria". Aquela criança, cheia de esperanças e sonhos, de fé. Então, abraço, desculpas e aconchego. Ela parte, e chega então a Letícia mais velha. Eu sei lá qual vai ser o apelido dela. Ela era meio borrada, mas me lembrava uma tia. Tentava transmitir diversas mensagens que eu não conseguia captar, até que ela me abraçou e disse: não desista. Resista, menina! E, em uma mistura de dor e dúvidas, ela partiu. Eu permaneço sozinha até a chegada do meu palhaço. Não vi forma ou tamanho, vi vermelho. Não vi nome e nem cabelo, vi força. Vi olhos bondosos. Eis que nos entregam nossos narizes e dizem: coloquem no tempo em que vocês se sentirem confortáveis. Explorei o meu nariz nos mais diferentes lugares, no coração, na cabeça. Até que quis colocá-lo no meu rosto. E tentei, mas o elástico partiu. E eu tentei consertar, tentei novamente, mas o elástico partiu. Nesse ponto, os demais participantes já estavam falando os nomes dos seus palhaços, as personalidades. E eu insistindo em tentar colocar o meu nariz. Veio a insegurança, o medo, a frustração. Mas eu insisti, e coloquei o meu nariz, o que foi surpreendentemente confortável. Eu não sabia nome, ou roupa, ou cheiro, ou jeito da minha palhaça. Mas eu sabia que ela tinha força, resistência, e todo esse meu lado de avoada, de aleatória,de criança, de desastrada, de perdida. O barquinho no mar, a deus dará. O balão de ar quente, andando pelos ventos. Minha palhaça tem olhos bondosos (ato falho do momento: fui escrever olhos bondosos e escrevi bons sonhos, minha palhaça tem bons sonhos).

Mais dias se passaram, o que não passou de jeito nenhum foi a ansiedade. Finalmente a minha segunda-feira chegou. Chego na salynha com a Rafa (Rafa Rainha, o resto é princesinha). A salynha está cheia de rostos-meio-conhecidos. Bateu o nervosismo e aquela minha timidez que na verdade, é bem incomum. Vestimos as roupas, eu trouxe a minha de casa. Blusa vermelha, enfeite de cabelo e minha calça favorita (eis que eu trouxe alguma segurança!). Eita que chegou a hora da maquiagem... Mas eu não sei maquiar! Mas eu não sei pentear! Eu não sei pintar!!! E eu pego o pancake branco (um velho conhecido) e destaco os meus olhos. Pego o lápis vermelho, traço uma espiral, o símbolo que não pode faltar. Desenho o meu balão? Desenho o meu balão de ar quente. Pego um guarda-chuva combinando, que a minha insegurança requer a proteção. E quando menos espero, estou me defendendo de uma chuva de bombom.  

Entramos no hospital. Eu, uma sem nome, a Dra Aurora e a Dra Espirro. Logo na portaria perguntam pra mim: Qual é a sua graça? E eu respondo que não tenho graça, não tenho um nome, sou Sem Graça. Eis o meu nome do resto do dia. Adentramos ao hospital, onde encontramos os ouros da árvore de natal e o papai noel. O meu peito pulsava de agitação, medo, alegria. A força que eu ganhei ao colocar o meu nariz vermelho (e perder todo o meu juízo) me deu a liberdade de ser o que eu era, pro bem e pro mal. Entramos na pediatria, onde converso com uma mãe e em seguida, me apresento para duas pacientes quase crianças grandes, adolescentes. Estranho a interação, eu era a única desconhecida, mas gosto do convite para jogar baralho, das brincadeiras do meu nome Sem Graça (da falta do nome). Eis que sou levada para conhecer um menino que eu estava ansiosa, e no meio dos seus dentinhos pequenos e da sua voz baixa, sinto o peso do mundo. O baque da realidade, o momento de entender que aquelas crianças estão doentes, que são os pacientes. Eis que bate a incompreensão, as dúvidas, a frustração, o medo. 

Sou dominada pelo medo, até que vejo uma palhaça subindo na mesa da enfermaria. Pra mim, aquele foi um ato de fortalecimento. Eu não posso curar aquelas crianças. Eu não posso controlar o destino. Eu não posso tirar o sofrimento do coração de todas aquelas pessoas. Eu posso convidar a todos, as crianças pequenas e os adultos (as crianças grandes), para entrarem comigo no mundo da minha palhaça, um mundo que eu estava descobrindo, para fugirem do cinza e branco do hospital, para entrarem no meu mundo colorido. A frase dita pelo meu antigo professor fez tanto sentido enquanto eu olhava para todas aquelas crianças no hospital. Se fosse eu, passando pelo que eles passam, fazendo o que eles fazem, eu não conseguiria.

Ainda no início da minha visita, vejo pelo vidro grosso o Dudu, que estava dormindo. Sua mãe vem até mim, chorando. Me confundiu com outra palhaça, contou sobre os procedimentos difíceis que seu filho passou nessa manhã. Me contou que tinha medo. Seu filho começa a despertar. Passeio por outros quartos, brinco com as minhas novas amigas, faço o exame do estetoscópio e verifico que não tenho juízo nenhum! Volto então para a grande janela, e o menino começa a me encarar, mas não brinca. Ele puxa o fio com o soro, até arrancar do soro. A mãe e um médico (eu acho) vão até ele, e eu continuo pelo vidro, mas ele vira o rosto. Dou outra volta pelos quartos, e quando volto ao vidro, encontro a minha amiga Dra Aurora também no vidro, tentando brincar com ele. Começamos a interagir. Tapamos os olhos, os ouvidos, nos abaixamos, nos escondemos. Ele começa a rir. Ele nos imita! Levanta os braços! Coloca a mão nos ouvidos! Até cansar e buscar a sua mãe. No fim da minha vysyta, ele estava correndo nos corredores. Ele nos acompanhou até a saída da pediatria, levando o seu carrinho e correndo, fugindo de mim. O menino que não abria os olhos, o filho da mãe chorosa, estava rindo e correndo. Todas as minhas aflições tinham sido apagadas e minha fé, restaurada. 

Durante a vysyta também fiz outro amigo, o João. A primeira vista, ele não queria brincar comigo, correu pra sua mãe. Mas ele viu as minhas bolhinhas de sabão! E quis! Fiz pra ele, ele tentava pegar todas. Até que ele quis fazer e fez as suas próprias bolhas, e eu estava com o meu guarda-chuva, "me protegendo" daquela chuva de bolhas e escutando a risada do menino. Ele quis, então, vir para os meus braços. O medo bateu novamente. Ele é tão pequeno, tão frágil! E eu sou tão desastrada! Procurei por ajuda, por minhas doutoras. Mas como se fosse obra do destino, para minha superação, fiquei sozinha. Ele quis passear, ver as luzes da árvore de natal. Quis ver as outras crianças, e fomos. Eu, tão insegura, tão assustada, com tanto medo, senti aqueles dois bracinhos ao redor do meu pescoço, em um gesto de confiança, de segurança e de amor. 

Agora, depois desse dia cheio de emoções, de metamorfoses, de metanoias, de transformações, de ressignificações, de descobertas. Depois desse dia cheio de medo, ansiedade, alegria, frustração, esperança, impotência, potência, liberdade; eu concluo esse texto com as mesmas lágrimas da primeira vez que ouvi a frase do meu professor, de quando vi as crianças como pacientes, de quando vi o menino correndo. As lágrimas que vem do meu coração, da minha essência. As que trazem a mistura dos sentimentos. O medo e a admiração, a esperança e a descrença, a depressão e a alegria, a superação. São as lágrimas que regam os meus olhos em todas as vezes que eu fui Real (e que significado fantástico essa palavra tem pra mim), em todas as vezes que eu trouxe pra esse mundo físico um pouco da minha essência, nessas vezes em que eu posso pausar o tempo para marcar: eis que agora eu sou alguém. 

O jaleco, que sempre foi pra mim algo hostil, símbolo da medicina que eu acreditava estar fugindo, foi ressignificado como o branco complementar da minha vestimenta de levar alegria. O hospital se tornou habitável. O nariz, que antes era apenas o vermelho da farda do palhaço, se tornou a porta para todas as possibilidades, para a minha liberdade. Hoje eu fui Sem Graça, quem sabe amanhã eu sou Alegria, ou apenas Alê, a lê. 

O meu coração termina esse dia cheio e vazio. Cheio de amor, vazio de insegurança. O hospital ainda me assusta, mas agora eu conheço a possibilidade de me fazer lápis-de-cor. 

Agradeço a Dra. Aurora, a Dra Espirro. Agradeço a Rafa e a Preta. Agradeço ao Caju e ao Mayko. Agradeço a Sarah e a Amanda Vermelha, a Crystalina e a Amêndoa. A todos os palhaços do Y, que constroem esse projeto que eu tenho orgulho dizer que eu participei, mesmo que seja só por um dya. E agradeço principalmente a todas as crianças pequenas e crianças grandes que me permitiram o grande privilégio de as trazer para o meu mundo de palhaça, a todos que eu tive a oportunidade de fazer sorrir. 

Me despeço então do Projeto Y, esperando que nos reencontremos depressa. 

Com muito amor, 


lê. 

Ressignificação do jaleco, chuva de bombom.



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Relato de Experiência feito por Letícia Lima, que participou do Y Por Um Dia no dia 30 de novembro de 2015.

Muito obrigado por compartilhar esse precioso texto conosco, Letícia! Ficamos extremamente felizes por termos tido a oportunidade de ter toda essa rica vivência com você.

À todos os participantes do Y Por Um Dia, sintam-se absolutamente livres e enfaticamente convidados a nos enviar também os seus relatos, impressões e sentimentos sobre as suas experiências.

Texto publicado com a devida autorização da ilustríssima autora.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Oração por sorrisos confortáveis.


Hoje decidi tirar prosa com um dor meus funcionários preferidos da faculdade: o seu Ivan. Parece que ele sempre tem um discurso certo pra mim, por isso adoro doar um pouco do meu tempo pra ouvir algumas palavras dele. Quando falei do Y, ele me disse algo que mudou meu dia:

"As vezes é preciso deixar o nariz de lado e olhar no fundo dos olhos dos outros, doar carinho e mostrar que você, verdadeiramente, se importa."

Em meio a atrasos e correrias, apertamentos e tropeços, encontrei-me novamente vestida de Dra Zói de Bila, pronta para visitar meus pacientes no hospital. Algo dentro de mim já gritava "HOJE VAI SER BOM".
Ali, naquela entrada que tanto conheço e frequento, toquei meus primeiros acordes. Tentei passar o olhar em todos enquanto a música ressoava, e todos que ali estavam esperando para fazer exames me retribuíram com o mesmo gesto. "E se eu tiver alguma fala, eu mudo pra 'eu amo vocês'". Assim terminei a canção e estendi meu meu chapéu atrás do cachê. "Forma de pagamento? Pode ser palma, beijo, ou abraço, senhora. O que você vai preferir?". Ela se levantou e me abraçou apertado, e como uma onda do bem se propagando, todos a quem estendi meu porta cachê também pagaram a canção via abraço. Tinha que ser forte, apertado! "Você está tão linda, palhacinha. Que Deus te abençoe."
Subimos a escada e no corredor encontramos uma das funcionários do hospital. Já a conhecia de outros plantões. "Oi! Doutora Zói de Bila não é?". Pedi mais uma vez pra ela me dar os olhos azuis esverdeados dela: pedido negado.
Ao som de Noite Feliz, entramos cantando na pediatria. Uma porta aberta me convidou a espiar, e um menino de 3 anos me convidou pra entrar. Toque pra ele e ele me ensinou os acordes desafinados de "Jacaré", de autoria dele. Encaminhei-me ao quarto ao lado.
Dois meninos dividiam o quarto: Thiago, 10 anos, acompanhado do pai; e Lucas, que devia ter uns 8 anos, acompanhado da avó (que, pra ele, era 5 vezes mãe). Os dois estavam muito quietos e comportados pra idade, o que me causou surpresa. "Lucas, cê gosta de pop? Rock? Sertanejo? Forró?" e toquei Xote da Alegria. Lucas, que antes estava afundado na cama, foi ajeitando sua postura. Thiago ia observando de longe.
Pedi meu cachê em palmas, ma o chapéu ainda estava leve demais. Leite Ninho já é caro, imagina pagando com afeto! Depois de me pagarem com abraços comprimidos e sinceros, o chapéu ficou tão pesado que caiu da minha cabeça. Dr Cookie teve que me ajudar a achar todos os abraços perdidos na queda.
Em meio aos sopros da Dra Crystalina, eis que surge o pedido do Lucas por um balão vermelho com um coração alado e coroado. "Sabe que música isso me lembra?" perguntou Crystalina.

"Meu amor, essa é a última oração
Pra salvar seu coração
Coração não é tão simples quanto pensa
Nele cabe o que não cabe na despensa

Cabe o meu amor
Cabem três vidas inteiras
Cabe uma penteadeira
Cabe nós dois"

Éramos palhaços cantarolantes no quarto. Meus acordes acompanhavam cada palavra, que cantei olhando no fundo dos olhos do Thiago. Senti que ele percebeu minha felicidade em estar ali, naquele momentinho da minha rotina, com ele. Não houve uma gargalhada, mas aos poucos a sua feição séria desencadeou um sorriso leve, discreto, confortável. Encontrei o calor naquele olhar.
Saímos do hospital proclamando aquela oração. Fiquei sem ar de tão radiante que estava. Naquele momento que findou a visita, lembrei das palavras do seu Ivan, e de palavras que escrevi no meu teste de seleção para o Projeto Y:

"Hoje me apaixonei por um par de olhos que provavelmente nunca mais irei ver, mas ele me deu motivos para sorrir o resto do dia."


Dra Zói de Bila

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Sobre o lugar pra onde eu não quero voltar

Há dois meses eu parti e deixei um monte de coisas pra trás.
Amigos, família, faculdade... deixei até meu país, meu continente, minha terra e meu sol.

Troquei tudo por uma vida absolutamente nova, sozinho, explorando o gigantesco mundo lá fora e o vasto mundo aqui dentro.

Há dois meses eu parti.

Desde então venho aprendendo muito sobre mim e as coisas. Mas, talvez, o que tenha aprendido de mais valioso até agora vem sendo os lugares para onde eu quero e os lugares para onde eu não quero voltar.

Também faz dois meses que eu me afastei da salinha laranja/azul, das maquiagens, do meu nariz vermelho, das bagunças na hora do almoço e do entrelaçado de pernas risonhas toda sexta feira.

E de todas as coisas que eu deixei, de todos os lugares que eu parti... eu não sei direito. Mas acho que um pedaço de mim ainda tá lá. Um pedaço de mim que talvez não tenha vindo comigo. Porque de todos os lugares que eu me afastei, esse é o que vem gritando mais alto em busca do meu olhar. Da minha saudade. E... esses dias... vem sendo o lugar do qual talvez...do qual talvez eu mais sinta falta.

Inclusive, graças a ele, esses dias pude explorar um lugar ainda novo aqui dentro; Graças a falta que sinto dele, andei percebendo que também sinto falta de jalecos e prontuários, de estetoscópios e receitas, de consultórios e consultas. Também sinto falta da medicina contra a qual tantas vezes bradei com meus punhos cerrados afrontas mil.

E talvez a distância esteja colocando as coisas um pouco fora de foco mas, eu já nem sei mais se esses dois ainda são mesmo lugares tão diferentes pra mim.

Há dois meses eu parti.
E o Y é um dos lugares pra onde eu não quero voltar.
Porque certos lugares...certas vínculos...sei lá...
...certas coisas não dá pra partir.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Dez anos



É um tanto obrigação para mim falar sobre o que foi nossa noite de dez anos. Não porque tenham me obrigado, mas é que necessito. 

Não vê? Já se foram dez anos. Recentemente descobri que é o mesmo intervalo de tempo que me separa da última geração. Minha coluna dói na cervical e na lombar. Acordo todos os dias feito boneco de cera, e o sol vai me amolecendo. Meu joelho está com a cartilagem fissurada porque o espírito não aceita que tenhamos envelhecido, e insiste em nos fazer dançar ao máximo. É daqui que olho para este tempo passando e vejo a magreza que eu não achava que tinha e os amigos que eu não fazia ideia que eram tantos. 

O projeto Y é um pedaço muito pequeno do mundo. Em uma matemática leviana, podemos contar cerca de nove gerações idas, cada qual com cerca de dez a quinze integrantes, fazendo, então, algo em torno de cem peregrinos. Foi isso que ele sempre foi para todos: uma ponte. 

Nunca vou me esquecer da cena da minha infância em que brincava de bicicleta com meu primo em cima da ponte que levava para... não sei onde. Não sei para onde a ponte levava porque sempre brincávamos na ponte. Em certo momentos parávamos e íamos mijar no lago sob ela. Não havia tempo de voltar para casa. Perderíamos brincadeira. Perderíamos por quê? Não fazíamos ideia o que nos esperava adiante. Eram as meninas que namoraríamos, os estudos que se aprofundariam, a faculdade, as doenças de nossas mães, o casamento, os filhos. E, todavia, a ponte continuava ali, em nós.

Por ela, passou gente que eu mal fazia ideia do quanto eu amaria. Recentemente fiz um trabalho sobre o projeto Y, e as entrevistas foram reencontros. Outra coisa é que saímos de nós. Os que estiveram na frente daquela noite decidiram homenagear estes outros que encontramos. Encontramos outros palhaços mundo a fora que comungavam do que sentíamos.  Sabe qual o sentido de comunhão, né? É um bolo que se reparte e não se acaba, porque não é divisão, é partilha. 

Como dizia, este projeto é um pedaço pequeno. Vivemos dizendo que a ideia é conquistar o mundo que nos acolhe, mas todos nós, no fundo, sabemos que isso é balela. O bonito daquela festa não foi ver o quanto conseguimos nos proliferar, mas o quanto conseguimos nos unir, verdadeiramente. Reconhecer nos outros o que nós fomos, somos, seremos, queremos. Parar um pouco para mijar ali, que não havia tempo de voltar para casa. Não dava mais para voltar para casa. Não a mesma casa. Não o mesmo eu. 

Allan Denizard (Dr. Acerola)

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Se o sono pós uma visita é bom, imagine DUAS! *.*

Eita que hoje foi o aniversário do Caps!
Mais um desafio gostoso pela frente.
Andar na rua já foi difícil, quem dirá chegar lá no meio da festa do Caps.
Já fui perguntando por ele com minhas amigas.
- Cadê o Caps? Ele é alto? Baixo? Moreno? Negro? Loiro? Ruivo?
- Tá solteiro?
- Nãooo! E as pessoas riam de nós
- O Caps é onde você está!
- Ah ele trabalha aqui?
- Ér..Ele faz a gente viver!
- Ele nos dá coragem, amor, apoio!
- O Caps é tudo isso! (Erguendo o braços e rodeando-os, mostrando o local).

E meu coração se derreteu. Não deu para continuar na onda de que o Caps era uma pessoa. Nos apresentamos e, a partir daí; com um músico na festa, resolvemos cantar parabéns a esse núcleo tão maravilhoso que cuida de pessoas que também precisam de cuidado e amor!
Aliás, quem não precisa, né?!

E em meio a bolos, refrigerantes, íamos nos apresentando: Sardynha, Felycia e Crystalina. As pessoas também se apresentavam e tiravam fotos e mais fotos. Mais um dia de artista!
Cantávamos, dançávamos com pessoas maravilhosas com olhos e atitudes de criança.
Brilhavam!
Só não saíam correndo conosco, porém entrar no jogo eram com elas mesmo.
Uma mulher me chamou em alto e bom som: "VACA"...
Oi?
Comecei a mugir...
Depois descobri que ela gostava de vaca! Sim, o animal!
Carregava consigo um chaveiro de vaquinha e não parava de apertar a vaca que levamos para a festa! Ufa, se ela me chamou de "VACA" é porque gostou de mim. E assim foi me mostrando seu modelito para a festa. Estava com um vestido que não era preto, nem branco como as típicas vacas, mas era muito bonito! Combinava com o azul do sapato e sua bolsa escura.
Tinha outra mocinha que só queria saber de abraçar. Dei muitos comprymidos a ela como devia de ser!
Outra que tinha se apresentado na festa. Estava de branco, com inúmeros colares e dançou feito baiana. Infelizmente, não chegamos a tempo, mas depois nos bastidores conversamos, Ela também dança Shakira! Já ganhei uma amiga artista!
E mais uma! Essa cantou!
Me arrepiei todinha:

"Esta jovem quer votar,
mas não lhe deram direito
por que aqui tem pessoas
que tem muito preconceito
e disseram para ela,
não nos entenda mal,
mas você não vai poder
por ser doente mental.

A jovem ficou calada
não queria responder
mas em seguida falou
escute o que vou dizer
eu hoje estou feliz,
tô alegre pra xuxu
Você disse que sou doida
e eu respondo doido é tu!

Não devemos baixar a cabeça
diante dos preconceitos
o que temos que fazer
é procurar nossos direitos!"

Ééé...Isso bateu no âmago e lá ficou! Nossa! E mais que cantar foi ela que compôs. Foi lindo de se ver! Fiquei pensando nos moribundos, naqueles esquecidos, marginalizados pela sociedade.
São seres que também precisam de amor e atenção. Seres que precisam dos seus dias transformados, resignificados, com apoio redobrado!
Acho que deixamos o Caps feliz!
E ele também nos deixou!
Feliz e com gostinho de quero mais...

Falando em mais!
Lá fomos pro HU ver nossas crianças! Estávamos prontas para labutar, por quê não chegar lá!
Já estava Aurora, Florêncio, Sem nome e ainda tivemos sorte de pegar a Spyvitada correndo pelo corredor da Ped.
Eita que era palhaço!
Eita que era criança!
Crianças felizes, correndo pra lá e pra cá! Florêncio caía no chão, levantava, corria. Cansei só de olhar haha. Sardynha gostou de mergulhar nessa brincadeira. O chão eram suas águas, e os meninos peixinhos também. Sem nome tava com seu violão alegrando a ala dos meninos junto com Aurora.
Eu e Felycia não queríamos atrapalhar, então lá fomos ver as meninas.
Raquel e Stefane estavam deitadinhas, então Eu e Felycia resolvemos sentar (estávamos cansadas da festa), mas ai fiquei falando com a Stefanie, de como seus olhos tinham ficado verde de tanto comer alface, de suas meias brancas que pareciam de líder de torcida segundo a doutora Aurora!
Papo vai, papo vem, surgiu um broto de gente de 2 anos impressionado com meu nariz vermelho e se punha a rir quando tocava nele e eu espirrava. Era besta, porém gostoso.
Já que era uma ruma de palhaço, fui ver a Stefanie novamente, e ela insistiu para que me mostrasse sua cirurgia, mas ela estava imobilizada e o esforço seria grande. Parei e disse, que isso menina, vai pegar friagem! Ela riu e parou. E depois de uma distração minha de alguns minutos, ela me chamou!
- PALHAÇA, PALHAÇA! Acabei de receber alta!
- Que legal, vc vai poder ser líder de torcida!!! Eu do um A, eu dou um D, eu dou um EUS! Adeus! Quero ver mais esses olhos verdes por aqui não...
Ela ria e reclamava de dor..."Eu não posso rir"...
E eu ah, desculpa. Essa doutora palhaça que nem respeita as condições dos seus pacientes...
Fiquei foi feliz oh, de poder presenciar essa cena!

O dia foi bem cansativo e muito prazeroso...Nada melhor do que o sono pós DUAS visitas! *.*
A vida segue...! :O)

Abaixo está o áudio da dona Graça que nos permitiu que postássemos sua obra de arte e sua cara no mundo rs...

 
29/09  
                                                                                                                   Crystalina.

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Era tudo estratégia...

Nem tudo era estratégia
Está feliz; visite, está mal; visite.
Na dúvida; visite!
Em uma longa seca literária/ artística eu teci um casulo e lá fiquei. Minhas asas amassadas proclamando voo à medida que minha mente pedia descanso.
E em uma longa seca, precisava agir. Já estava descansada, eu só precisava romper a carcaça... Me munir de pessoas especiais, pessoas que me inspiram para voltar a visitar. E na necessidade disso, criei expectativas e mais do que isso, queria ser apenas espectadora daquelas palhaças. Só queria apreciar o espetáculo e aprender cada olhar. Nas outras visitas eu pensava o que dizer, o que jogar, como ser, como agir...Meu Deus, as dúvidas me levavam para um mar de questionamentos e de lá eu não saía e lá eu não era eu.
Aquela salinha tomou outra energia ao som de Novos Baianos. Aquelas paredes azuis davam risadas conosco, aquela miscelânea entre jovens e velhos, aquele carinho e ao mesmo tempo zoeira com o próximo era possível, tudo possível. 
Você é palhaço desde o momento que começa a se arrumar. Uma carga necessária vai aumentando para suportar tudo vem pela frente. Parece um termômetro recebendo desafios, estes eternos que temos que enfrentar. Depois de prontas, vieram uma chuva de bombons, melhor, um chafariz destes vindos depois de um apenas "bom dia"! Já ganhei minha manhã. Lá embaixo, ganhei um cházin para me acalmar e guardei o copo para mais tarde de tão bom que estava. Risadinha e Amylícia cumprimentavam todos e já íam brincando com o segurança, com as outras pessoas. Entrei na onda e apresentava a Criytalina, que brilha como um cristal. Ao entrar no hospital não foi diferente. As pessoas olhavam para nós com o olhar receptivo, era fácil se entrosar. Elas ansiavam por um carinho, uma fala, uma olhar sequer. E brincadeira aqui, brincadeira acolá, aquele hospital ia se tornando minha casa. Uma vontade de sentar naquelas cadeiras, ou deitar naquele chão ouvindo as histórias alheias em consonância com o momento. Era fácil, muito fácil.
E nos meios das minhas histórias boladas em que eu poderia ser quem eu quisesse, as pessoas também entravam no jogo, a ponto de eu mesma acreditar no enredo. Eu jurei em um dos momentos que dona Bernadete ia tirar seu nariz vermelho da bolsa e me acompanhar, mas era apenas seu celular tocando, rompendo aquela história com minhas risadas de realidade.
Era gostoso ouvir de um senhor que realizou um transplante de fígado, que tinha ganhado o dia só de falar conosco. E subindo devagarinho por conta de uma entorse quase curada, o ato tomou graça e importância. As pessoas com roupas verdes de hospital eram alfaces, os médicos eram nossos colegas de profissão que também entravam na onda, aliás uns sim outros não. Ali e acolá estávamos brincando, tirando fotos com figuras representáveis como o Einstein, com danças desengonçadas em meio a um tambor divertido de madeira.
E na rampa resolvi falar. Gente, meu coração está doendo. Sai do palhaço e disse: é sério! Já doía desde que entrei no hospital, mas a dor aumentou e não consegui guardar para mim. Eu ria e ele doía mais, sensações vinham, me arrepiavam e essa dor me acompanhava junto. 
Seria sinal de infarto? Gases? Respirava e doía também. Será que meu coração não estava aguentando tudo aquilo? Os sinais emotivos como chorar, arrepiar não faziam mais sentido. Ver a Risadinha ser aclamada e lembrada, era singelo, bonito. As pessoas lembrando dela mesmo depois de um bom tempo sem visitar. Comecei a observar: ela não usava artimanhas, artifícios para conquistar o pessoal e nem criava planos para visitar. Ela era ela! E assim era com a Amylícia (uma fusão de Felícia com o penteado de Amy Winehouse). E minha ficha caiu. Eu não preciso ser ninguém além de mim. O palhaço não é um personagem. Ele nasceu de mim e lá sempre estará. 
E na ida até a pediatria, tomou uma força maior. Brigávamos e brincávamos com o relógio. Ainda deveríamos ver as crianças! E já eram 12:20 e nada de as vermos. O tempo era outro e eram obrigações externas que nos faziam olhar o relógio.
E agora? Se passássemos por aquela corredor da pediatria, não iríamos sair tão cedo de lá.
E agora? 
Risadinha disse: vamos ver os artistas pelo menos. Eu não sabia quem era os artistas, mas disse, tudo bem, vamos lá! 
E lá estávamos andando pelo corredor, aquele da pediatria. Não queria fazer estardalhaços para não ludibriar as crianças, já íamos sair de lá infelizmente. E ao virar numa salinha à direita, lá estava a artista. Era uma senhora vestida de carinho e carência. Uma senhora doce, com mãos talentosas para o artesanato. Era realmente uma artista! Meus olhos brilharam ao ver tantas resignificações. Garrafas de cachaça virando vasos de flores, caixas de remédios se transformando em lindas caixinhas aveludadas e coloridas e outras coisas belas. Olhando para suas mãos, seus braços me chamaram mais atenção. Via ali uma fístula de hemodiálise, e a dor novamente no coração se fez presente. Lembrava ali da minha mãe, que lutou em busca de um rim por 12 anos. Era lindo de lembrar que minha mãe levava vida para o hospital com festas, bolos e salgadinhos, enquanto que a artista recrutava pacientes para fazer artesanato! Que lindo, que lindo de ser ver!
A artista cobrava a falta que Risadinha fazia, enquanto esta explicava seu desaparecimento. E eu disse com todas as palavras e sentimentos, que na ausência de Risadinha, Crystalina se faria presente. Nos despedimos e saímos devagar pelo corredor. Agora entendi o porquê dele ser tão grande. Era preciso nos estabilizar para ver mais e mais pessoas. E pelo hospital vinham mais abraços quentes e libertadores, a cada passo, eram mais fotos e fotos. Agradecimentos e parabéns mesmo nem sendo meu aniversário.
Quase saindo do Hospital , vimos uma senhora chorando. Ali seria um momento ideal para retirar o nariz vermelho e conversarmos de "gente para gente", mas não. Com o nariz em seu lugar, perguntei à senhora se queria um abraço e lá estava eu querendo passar todo meu carinho possível para aquele ser ali, frágil. 
Estava preocupada com seu parceiro, casados à 35 anos que acabava de ir para a mesa de cirurgia. E por conta de um aumento de pressão o procedimento seria dificultado. Tentamos dar força, conversar, distrair. Ela contava sua história. Desde a perda de sua mãe recentemente, até a formação de sua família, de seus quatro filhos e de um netinho lindo. Ela estava relativamente bem quando então recebeu um telefonema, talvez de um parente perguntando de seu marido, e aos prantos falou que só teria ele, que sua mãe já tinha falecido e que ela estava sozinha. 
Depois que desligou eu tive que intervir, afinal sei o que é perder uma mãe e assim como ela se fez presente na visita, ela se fará em todos os momentos da minha vida. Eu disse a ela: Você não está sozinha, Sua mãe está nas suas lembranças, no seu coração, em cada parte do seu corpo. Ela sempre estará com você. Deus lhe dará forças para continuar! 
E depois de afirmações silenciosas, permanecemos assim por um tempo. Recompusemos todas e saímos dali, deixando-a mais calma.
 A vantagem de estar com o pé machucado, foi que as escadas pareciam outro corredor da pediatria, em que eu poderia digerir tudo para continuar.
Com altos e baixos fez-se a manhã/tarde. Meu coração mesmo sendo grande, foi pequeno para tantos sentimentos, saímos dali com gosto de, poxa nem vimos as crianças, mas com certeza foi maravilhoso entrar nesse espaço e mexer com todos aqueles que ainda possuem uma criança dentro de si. 
Foi gostoso entrar na ponte e nunca mais dela sair! E assim sigo com mais gana de visitar e perceber que não preciso ser ninguém além de mim. Dançar até o sol raiar, mostrar como sou, jogar meu corpo no mundo, não desprezar nenhum canto e saber que pela lei natural dos encontros, eu deixo e recebo um tanto (e que tanto) <3>



                                                                                                          Dra. Crystalina.


terça-feira, 29 de setembro de 2015

O Amarelo Escondido no Vermelho


                Tenho que admitir que não foi fácil. Usar um nariz me torna uma dicotomia ambulante, na qual me sinto leve (por poder voar mais alto com meu ser mais imaginativo) e, ao mesmo tempo, pesada (pelas responsabilidades e realidades que ele me trouxe). “Mas é só vestir a roupa de palhaço e visitar criancinhas no hospital, o que tem de tão difícil?”. HAHA.
                Acho que o peso todo vem de um estado de espírito que, devo admitir, não está muito presente em meu ser: engraçado. Todo palhaço é engraçado! Não?! Engraçado... Eu pensava ser assim que a palhaçolândia girava, através da graça, tanto que muito surpresa fiquei a ser selecionada em meio a 46 pares de olhos. Que graça eu tinha, afinal?  “O que essas pessoas enxergaram em mim que eu não encontro ao olhar no espelho?”
                Depois de 40 horas tentando achar a minha graça em uma oficyna, me contaram da primeira visita. Seria a primeira vez com meu nariz recém nascido, o que me deixou nervosa. É engraçado (olha a graça aqui!) como eu fico hiperativa em situações de pressão, o que leva muitos a pensar que estou preparada para a situação... Não! Meu riso solto, ansioso, mascarava meu nervosismo por estar tão próximo de usar a menor máscara do mundo.
                O que eu posso dizer da minha primeira visyta? Médio. Normal. Foi bom. Nada demais. Senti-me estranha, não era pra ter sido o melhor dia da minha vida, o meu nascimento como palhaço? Hoje eu lembro que nem os bebês nascem sorrindo.
                “Não, tudo bem, a próxima vai ser perfeita, agora que eu já sei como esse troço de visyta funciona”. Ops! Dá pra ser pior que médio? Saí pesada do Hospital Universitário depois da minha primeira visyta por lá, a casa do Y. Arranquei nenhum sorriso.  E agora, o que eu faço? Uma pergunta que me fizeram na entrevista do projeto ecoava em minha cabeça: “e se você descobrir que o projeto não é pra você, o que você faria?”. SOCORRO, EU ESTOU ONDE DEVERIA ESTAR?
                A greve veio em boa hora, fugi um pouco das visytas. Só ia para a salynha nas reuniões, para escutar os relatos, que acabavam me deixando mais preocupada, porque todo mundo queria visytar mais e mais, e eu ficava com as memórias de como eu era um péssimo palhaço.
                Peguei-me refletindo em casa, tentando lembrar a resposta da pergunta feita na entrevista. “E se eu  descobrir que o projeto não é pra mim, o que eu faria?”. Nesse momento o celular tocou e era uma pessoa do projeto pedindo para eu cobrir um horário dela na visyta dos velhos. Aceitei porque lembrei a resposta: “eu faria de tudo para enxergar outros lados do projeto y até encontrar um em que me faça feliz, em que me encaixe”. Aquela visyta no domingo à tarde pós meu aniversário era minha busca por outras faces.
                Falando em outras faces, lembrei algo enquanto me vestia na salynha para ir ao hospital: meu nariz é amarelo na face de dentro... Por que nunca o usei assim? Virei-o ao avesso, como virei as memórias ruins ao meu favor. “Quando tento te definir em uma cor, só consigo pensar em amarelo” disse o Dr Marmota nas primeiras semanas da minha faculdade.
                Sol. Naquele dia eu era Sol na pediatria. Iluminei o corredor com as músicas que toquei no violão. Brilhei no The Voice HU, direto do quarto dos meninos. Irradiei amor quando me casei com o Francisco Davi (que está convencido que meu nome é Ana Paula, apesar de ele me chamar de Gabriela). Nasci verdadeiramente ali. Doutora Zói de Bila nasceu naquele dia, como sol nasce de manhã, e até hoje ela ainda não se pôs.
“O essencial é invisível aos olhos”. Invisível como o amarelo, que estava escondido do outro lado do vermelho. Ou como a minha graça, que todo tempo estava no meu eu palhaço.
             
                                                                        Dra Zói de Bila.


sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Como é difícil ser palhaço

“Como é difícil ser palhaço”, eu dizia para todos os meus amigos enquanto estava na minha capacitação. Desde julho, fui jogada em um mundo novo, no qual o objetivo não era mais alcançar, e, sim, tentar. A ponte do sucesso, que nós, seres humanos, sempre tentamos chegar ao final, não era mais para ser atravessada. Nós deveríamos ficar no meio, nós deveríamos ser a ponte entre dois mundos, ou pelo menos foi isso que entendi depois de tantas incógnitas que foram colocadas na minha cabeça. A vida que eu conhecia não era mais a mesma. Como assim eu teria que pular corda de olhos fechados? E se caísse? Como assim teria que dançar com um lenço de papel? Lenços não dançam! Foi dessa forma que o Y entrou na minha vida, desconstruindo tudo o que eu havia construído.
Depois de muita preparação, chegou a tão temida “Primeira Visita”. Em meio a vários Colegas-Y, todos imersos em uma aura de expectativa e ansiedade , coloquei minha roupinha listrada de branco e vermelho, meu sapato colorido, meu laço enorme na cabeça e, por fim, o nariz rubro (colocado num mar de pancake e tinta). “Voilà”! Tinha me transformado na Doutora Amêndoa. Pelo menos no exterior, porque no interior eu continuava a Amanda que tinha medo de errar, que tinha medo de não ser engraçada o suficiente e que temia não cumprir sua missão, que era ser ponte.
A visita começou meio capenga, comigo quase em desespero, buscando loucamente a ajuda de meus colegas. “Oi, tudo bom com você?”, era o que eu falava para tentar quebrar o gelo, mas nem sempre era o suficiente. Eu via o ambiente mudar, mas porque estava sempre com meus colegas que faziam seu trabalho mais do que satisfatoriamente. Sentia o peso nas minhas costas, a expectativa das pessoas para que eu falasse algo divertido e que fosse levar algum conforto ali naquele meio hospitalar tão cinza. Eu queria fugir, queria tirar a maquiagem e voltar a ser eu mesma, comum e imperceptível. Depois de algum tempo, porém, o jogo começou a virar.
Uma mãe me chamou, junto com a Doutora Crystalina, para animar sua filha. “Por que você está triste?”, nós perguntamos, e ela, com pesar nos olhos, nos respondeu “não posso andar”. Por um segundo, eu congelei. O que eu poderia dizer que fosse consolar essa menina? Aí que Crystalina entrou, e, logo depois, eu entrei junto, jogando conforme o que era necessário naquela situação. Um sorriso começou a ser formar no rosto da nossa “paciente” e começamos a ver a sua mudança de humor. Tínhamos conseguido! Fizemos a diferença naquele dia, e, se tivesse ido embora ali, já estaria satisfeita.
O melhor de tudo é que permaneci. A partir daí, só vieram flores. Subimos para ver mais crianças, e elas, como se soubessem do meu aperreio, estavam bastante animadas somente com a presença de palhaços ali. Não era preciso que eu fizesse muito para poder fazer parte do mundo delas. Brinquei de pega-pega nos corredores do hospital com Vitor, batizei o Pou da Cássia, me surpreendi com o forte aperto de mão do Wesley. Além disso, fiz concurso de dança e assisti a uma menina jantar enquanto conversava com ela. No fim, como se fosse a cereja do bolo, uma das crianças chega até mim e diz “vocês vão voltar, não é?”. Com essa pergunta, não importava mais se o começo da visita não tinha ido como o planejado, eu tinha cumprido minha missão ali.
Naquele dia, entendi que o palhaço é muito mais do que eu imaginava. Entendi que meu jeito pragmático de ser talvez me atrapalhe a alcançar o significado do que realmente é estar ali de nariz vermelho, mas que, com certeza, não deixarei de tentar ser a ponte entre a angústia e o sorriso.

“Como é difícil ser palhaço”, eu afirmo agora depois de ter vivido na pele.

Ruiva

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Sobre a primeira visita (e talvez um pouco mais)



Ultimamente, percebi que tendo a gostar mais de observar cenários do que de participar deles. Prefiro assistir à vida alheia a ser a estrela da minha. Essa é minha zona de conforto, em que apenas sou espectadora do espetáculo de terceiros. E, (in)felizmente, o palhaço Tenta me tirar dela.
Isso é o que amo e odeio nele. 
Minha primeira visita resumiu-se em tentativas. Tentar me sentir à vontade com o peso do nariz vermelho, que antes já me derrubara. Tentar não chorar de nervosismo. Tentar entrar em sintonia com algum dos outros tantos palhaços que lá estavam: uns pulavam, dançavam e se sentiam à vontade com as crianças; outros não entendiam as brincadeiras e perdiam a voz em meio ao fuzuê. E eu no meio de tudo isso, olhando, me juntando à plateia e aplaudindo meus companheiros. Com a certeza de que estava fazendo tudo errado, de que, se fosse para só assistir, podia muito bem ter ido de Amanda, sem a necessidade de me montar. E isso foi me trazendo um nervosismo antigo, uma sensação de não pertencer. De ser "outsider".
E aí houve a quebra. 
Os antigos acharam ruim, pois tivemos que "sair" do palhaço. Mas e quem nem tinha entrado? Para mim, foi um momento de alívio. Alívio de não mais ver o Dindim, mas o Vanildo. Não mais a Relogynho, mas a Rafa. Foi a hora de conseguir respirar com calma, de confessar para alguém que não tava rolando para mim, de inspirar fundo e de procurar coragem para voltar ao hospital. 
E, nessa volta, o dia se salvou. Ao nos separarmos nos andares do Sabin, fiquei com três palhaços com quem não imaginava ter tanta sintonia, em especial uma com um pitó no alto da cabeça que olhava direto para o relógio e agitava umas maracas. 
Houve momentos ruins e tensos, quando arrancaram meu nariz, e me joguei no chão porque não conseguia respirar, por exemplo. Mas também existiram aqueles que me fizeram ter vontade de continuar, como risadas e brincadeiras com pessoinhas miúdas e não-tão-miúdas e cumplicidade com meus colegas palhaços, quando nos olhávamos com surpresa, nossos olhos dizendo "caramba, tá rolando!".

Minha relação com o palhaço nunca foi de liberdade ou de espontaneidade, mas de desafio, de desconstrução e de ansiedade. Desafiar minha timidez e minhas limitações. Desconstruir meus conceitos de ridículo e minha necessidade de não passar vergonha. Ficar ansiosa pelo desconforto causado por tudo isso. 
Depois da primeira visita, porém, devo acrescentar a essa lista Gratidão e sensação de Querer Mais. Agradecer às crianças e aos outros palhaços pelos empurrõezinhos de incentivo (ou não) que recebi. Querer sentir cada vez mais tudo o que sinto quando coloco minha roupinha e meu nariz, seja algo bom ou ruim. 

Preta. 

Sobre descobrir a liberdade: primeira visita

Todos pensamos que somos livres. Ô pobres mortais iludidos, não sabem que a sua volta estão presos em diversos tipos de amarras. Amarras sociais, econômicas, geográficas, lingüísticas, profissionais, amarras emocionais. A todo tempo nos prendemos em algo e parte de nós fica estática vendo a vida passar sem se adaptar. Nascemos e somos criados sempre em busca de grupos e pertencimentos, procuramos agradar, buscamos nos encaixar e vivemos na esperança de sermos aceitos. Todas as nossas atitudes são guiadas por padrões fixos e determinadas por um alguém que nem sabemos quem é. Você não pode falar alto em público, você não pode usar listrado com bolinha, você não pode usar meias diferentes em cada pé, você não pode sair por aí com a cara pintada, você não pode sentar no chão sujo, você não pode. Quantas vezes não já ouvimos isso? E desde quando isso é liberdade?
Vetar é fácil demais, difícil mesmo é ter coragem de ir contra o veto. Um dia eu conheci alguém que teve essa coragem. Coragem de ser livre em todos os âmbitos. Antes de conhecê-la, eu não imaginava que ela fosse assim. Não esperava que tudo acontecesse tão naturalmente e que nosso encaixe fosse ser tão sincrônico. No dia que resolvi ser Preguiça, descobri que se eu pudesse, seria Preguiça todos os dias da minha vida. Nessa viagem de quem eu sou e quem ela é, vivenciei momentos onde não existia o não pode. Eu pude dizer que morava numa casa debaixo da terra, pude convidar todas as pessoas pra uma festa no endereço Lagoa dos Porcos esquina com Lagoa das Vacas, pude dizer que estava calçando a Peppa e o George, eu pude vender bolsas que vinham do Beco da Poeira francês, pude dizer que não sabia andar de elevador, pude acreditar que se eu falasse bem alto o elevador me levaria pra onde eu quisesse, eu pude gritar, pular, fazer estrelinha sem tocar no chão, pude me aterrorizar ao ouvir a história da loira do banheiro, pude chorar ao ouvir ordens, pude dizer que a segurança era invejosa e que a recepcionista me achava linda. Eu pude dançar forró como se estivesse matando formiga, pude receber autógrafo no braço e passá-lo adiante, pude brigar com os médicos que passavam, pude vender uma caixa de nariz que transformava centavo em real, pude vender um espelho que multiplicava a beleza, pude perguntar a qualquer pessoa da minha frente se eles tinham uma cama pra eu deitar. Eu pude fazer o que eu queria e falar qualquer coisa, pude agir como se todos os julgamentos tivessem sidos dizimados e como se padrão nenhum guiasse minhas ações. Eu pude esquecer tudo que tinham me dito antes sobre palhaços serem alegres e engraçados e pude ser uma palhaça com olheiras, cara de sono, que não estava animada pra brincadeira, mas que queria muito um lugar pra deitar. Eu pude jogar com o inesperado, com o novo, pude ver reações inúmeras e inventar alguma coisa para cada uma delas. Sim, nesse momento eu descobri o que realmente significa a palavra liberdade.
Em meio a tantas outras interferências e tantos outros mundos correlacionando-se com o meu, eu me encontrei. Hoje o que desejo pro meu futuro é continuar nessa montanha-russa onde eu me escondo pra encontrar a Preguiça e me encontro pra escondê-la. As percepções desse primeiro encontro são as melhores, com certeza iremos nos ver mais vezes com muito prazer. Com a reação dos outros sobre o que eu estava fazendo, eu não me importo. Apenas me preocupo com o que fui e o que pude ser. Hoje sigo com a certeza que eu descobri algo que não teria sido descoberto de outra forma. Independente do sucesso geral da visita, ela foi extremamente importante pra que eu tivesse a certeza de que esse é o meu caminho. Na volta pra casa, os olhos se encheram de lágrimas e o sofá da minha casa sentiu minhas mãos suadas e tremendo. Eu consegui. Isso não significa que eu atingi um objetivo, mas sim que eu consegui não atingir objetivo nenhum. E mais que isso, consegui não me importar. Consegui lapidar a real liberdade de vestir um nariz vermelho e poder ser livre. Eu e a Dra. Preguiça estamos num nível de relacionamento onde tudo são flores. Ainda que isso mude ou não permaneça sempre assim, eu vou sempre lembrar que um dia, ela me ensinou que EU POSSO.
Eu fui a Dra. Preguiça, ela já é parte de mim e de agora em diante serei livre.  

Juliana Medeiros

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Primeira visyta

Foi tanta coisa misturada que eu nem sei por onde começar. De primeira rezar pra que dê tudo certo, de segunda repensar na maquiagem, de terça recolocar a roupa só pra garantir que tá tudo bem, de quarta o dia que chega. Foi numa quarta-feira. Quase tão difícil pra marcar a data foi convencer a médica de que tínhamos combinado nesse dia. Começamos já com alguns “não”: Não vai entrar... Não vai visitar... Não tem muito tempo. Entramos, visitamos e olha que foi por um bom tempo! Quando todos colocaram o nariz e olhei ao redor, por um momento fiquei de plateia, assistindo as brincadeiras e pensando no que eu ia fazer. Até que fui indo, fluindo, aos poucos.

Outro “não”. Esse me quebrou um pouco. “Tá, com licença” e um empurrãozinho só pra garantir que o palhaço não vai atrapalhar aquele ambiente sério onde só se pensa em correr de um lado pro outro. Quase parei ali mesmo. Mas tudo bem né, é a vida e vai continuar acontecendo.

Passamos tanto tempo no térreo que parece que esquecemos de subir, o problema é que não tinha mais tempo.... Decidimos levar as bolsas pros carros pra podermos ficar mais. Há quem diga que esse momento foi uma quebra e que dificultou a volta pro hospital. Pois eu digo que sou grata por esse momento! Nesse caminho no meio da rua eu pude me soltar mais, brincar e me sentir começando a construir minha doutora-palhaça. Quando voltamos ao hospital entramos por outro lado onde tinha bem mais crianças e eu ouvi uma frase de alívio “ah, aqui estão as crianças!” a você que disse isso: sinto-me contemplada. Quando subimos e nos dividimos nos andares foi a parte que me fez não achar tão ruim o primeiro percurso. Existem pessoas que querem brincar em um ambiente sério onde só se pensa em correr de um lado pro outro.

Queria falar de cada coisa que aconteceu lá, mas sei que é sem condições escrever tudo aqui, então, vou me deter em duas de forma mais específica. Como relatado acima, antes de irmos deixar as bolsas nos carros, foi um momento não muito legal, eu cheguei a pensar no porquê que esse projeto existe, entenda que não era o porquê que estou no projeto, é o que fazemos demais em um hospital, quem sabe a gente só estava atrapalhando mesmo. Até que uma mãe parabenizou pelo trabalho e disse que era ótimo a gente estar ali já que antes eram elas que tinham que animar as crianças. Nesse momento eu entendi que a gente tinha sim importância ali dentro, mesmo que algumas pessoas não enxergassem. Outro ponto foi quando um menino que a mãe disse que tinha medo de palhaço deixou que eu e outra doutora-palhaça estrássemos no quarto. Foi um momento de enxergar o “sim” por detrás do “não”, colocar em prática o palhaço de hospital que não chega cuspindo fogo, ocupar os espaços chegando numa velocidade baixinha até bem pertinho do menino. Perguntar se pode continuar e a cabeça dele balançar dizendo que sim. Um sim arriscado, mas quando que o palhaço não arrisca?


Talvez um dia eu seja grata pelos “não” que eu recebi. Mas eu sou grata de verdade pelos “sim”, seja daquela funcionária que mal olhava pra mim, mas dava uma risadinha sempre que eu falava com ela, seja daquele menino que tava doido por uma disputa de dança, da menina que adorava fazer intriga e dizer que meu nariz não era meu, da tia que me prometeu um sanduíche de laranja. Do menino que me deixou chegar perto, da mãe que me devolveu o sentido do projeto que acabei de entrar.


Rafaela Medeiros

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Sobre ego

Quanto vale arrancar um sorriso?
E quanto vale enxugar uma lágrima?

Pense de novo, mas agora num hospital:
Quanto vale arrancar um sorriso de uma criança acamada?
E quanto vale enxugar as lágrimas de uma criança com dor?

Quem consegue responder? Quem se atreve a escolher?
Pera... por quê ta todo mundo olhando pra mim? Ei, parem de me encarar! EI QUEM COLOCOU ESSE JALECO EM MIM? NÃO! EU NÃO QUERO ESCOLHER! EU NÃO SEI ESCOLHER! EU NÃO TO PRONTO PRA ESCOLHER! MEU DEUS EU NÃO TO PRONTO PRA ESCOLHER!
MEU DEUS, EU NÃO TO PRONTO PRA SER MÉDICO!!!

Arf... arf... arf...

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Eu tava lá, era Sexta-Feira de tarde e era uma das minhas visitas mais divertidas em muito tempo. Todos riam de nossas piadas, de nossos pequenos números e todos pareciam nos aplaudir com seus sorrisos largos e nos incentivar a continuar a rir, cantar e... (por quê evitar essa palavra?)... estrelar. Éramos estrelas e aquele quarto de hospital era o nosso público, e todos nos aplaudiam de pé. Era bom.

Mas... todos mesmo?

Nos despedimos do quarto, ofegantes e risonhos e, só então, pela primeira vez, eu vi uma menina com dor. Ela tinha os olhos úmidos e não me respondia. Quero dizer... ela não me ignorava. Ela falava comigo quando eu perguntava. Mas ela não me respondia. Você entende? Eu tava lá! Ela também tava! Mas... não...

Se bem que... eu tinha respondido ela?

Pensei bem... eu olhei pra ela quando entrei no quarto. Eu provavelmente olhei para seus olhos úmidos. Mas eu também olhei pra olhos ansiosos e sorrisos expectantes. Resolvi, naquele momento, ver só um deles. E os aplausos de todos que eu enxergava amaciaram gentilmente meu ego. E era tão bom! Era tão gostoso! Era tão mais fácil! Meu deus, melhor visita!...

...mas agora eu tava dando tchau e eu acabei vendo ela. Mas do que olhar, eu a vi! Droga! Eu a vi! E agora, justamente agora, eu precisava ir embora! Percebi que, no mesmo quarto que eu escolhi arrancar sorrisos e gargalhadas eu também escolhi negligenciar aquelas lágrimas. Ignorar aquela dor...

- Me desculpa, ta?
Minha alma gritava. Minha boca mal sussurrou. Ela assentiu. De que adianta?

Eu queria não ter visto ela. Teria sido tão mais fácil. Por quê ela tinha que estar lá? Por quê ela tinha que sentir dor justo naquela hora? Por que ela tinha que me fazer escolher? Por que eu tive que me despedir? Por que eu só não sai, sem dizer nada...? Droga!

Mas eu realmente me sentia culpado? Se sim, por que eu ainda me sentia tão bem? Por que eu ainda tava tão agitado e empolgado?

Eu não sei.

Mas não me ataquem, por favor! Eu não tava pronto! Eu não TO pronto!!! Eu não quero ter que escolher!! EU NÃO SEI ESCOLHER!!!

Tirem esse jaleco pesado de cima de mim!!

Arf... arf... arf...

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Pior Primeira Vysyta - A Palavra Morrida

O campo gravitacional de um palhaço ondula uma Kinesfera de possibilidades desestabilizadas. Tudo lhe é permissível, pelo fato de não pertencer ao mundo das condutas padrões, expectativa de quem não pertence a esse mundo. A expectativa de quebrar a própria expectativa. Pessoas com quem nunca falei antes, às quais nunca vi, quebram minhas próprias expectativas. Elas existiam naquele momento e tudo começaria a funcionar. Finalmente chegava o momento de me vestir palhaça e construir a cena da minha Primeira Vysyta.

No início, a adrenalina me permitiu explorar alguns jogos, alguns diálogos e interações. Mas rapidamente centrei meu eixo gravitacional e me auto-desestabilizei, quando percebi que um palhaço de hospital não apenas é um ator cenário, mas também público, que transforma público em personagem e inverte os papeis. Criei a expectativa e ondulações em cima de mim mesma. De repente, aqueles rostos amórficos e desconhecidos começaram a me assustar. Precisei buscar outros palhaços para me introduzir àquele momento: apenas um reflexo de mim. Eu não tenho medo de palhaço, mas tenho medo de gente.

Assim, todos meus monstros vieram. Medo de me infiltrar em um instante da vida de alguém. Medo de incomodar. Medo de mostrar algo meu para alguém, medo de me abrir. Medo de causar qualquer reação. Medo de confiar e entregar o que eu sinto. Medo de olhar nos olhos, de receber, de tocar. Não medo de doar, mas medo de não ser recebida. Medo de falar.

Regurgitei tumores de palavras, pétreos, encravados em minha garganta, que digeriam minha voz. Qualquer som produzido por mim parecia o estrondar de garfos arranhando pratos de porcelana. Ninguém queria ouvir minha voz, nem eu mesma. Das poucas vezes que consegui falar, as palavras fugiam de mim e eu desviava minha linha de raciocínio. Tinha medo do que poderia sair de mim ao me perder na estagnação de qualquer resposta a estímulos. Entrei num vácuo interno, que não consegui dar continuidade. Em certo momento da visita, eu estava, praticamente, fazendo mímica. Ao perceber isso entrei em desespero. Eu não me fazia sentido ali. Não tinha conseguido me conectar com ninguém. A palavra havia morrido.

 Depois de algumas quebras na minha vida, eu atrofiei minhas palavras e hipertrofiei minha expressão corporal. Meu corpo sempre gritou mais alto, me resgatou e me serviu como muleta. Porém, naquela tarde, braços e ombros cada vez definhavam mais, e meu grande suporte muleta-corpo minguou. Meu sempre expansivo corpo agora chorava o luto da palavra morrida. Eu pedia socorro dentro de mim, presa na penumbra do meu corpo que barganhava e me sufocava. Queria que a Vysyta acabasse o quanto antes. Certa vez, li em algum caderno de lyções que "A palavra é quase sempre a morte do corpo. E o palhaço é o artista do corpo". Mas onde está o palhaço quando o corpo se esmorece, pelo falecimento da palavra?

Pouco menos de uma hora, parei, saí, assisti, voltei, tentei novamente, ondulei, voltei, e voltei, e voltei... O resto da Vysyta foram muitas voltas, até eu encontrar um meninozinho de seus 3 anos, que também não falava. Me escondi num chapéu, com medo de todo o poder que sua grandiosa presença tinha sobre mim. Ele riu. Nesse instante nossos corpos conversaram sem palavras. Tudo apenas na língua do “Tá, tá, tá”, que se transformou em música, dança e risadas. O encontro dos errados. Festejamos os desastres e as frustrações destilados naquele dia, até todos ficarem exaustos no chão.

E exausta no chão, permaneço para sentir cada célula minimamente afetada. Meu corpo padece, cabeça lateja, olhos ardem. Tudo o que compõe minha somática ressoa. Me banho de lágrimas solussantes. Eu me sinto viva ao que me exaure. O pesar de meus tumores me dói, mas não me encarcera: movimenta. Por isso estou aqui, para sair de meu grande aquário bolha. Por isso me visto de azul, não à toa a cor do chakra da garganta, o Vishuddha, dissolvido em turquesa pétrea de Peixes: Inspiro coragem para mergulhar nas águas do medo do universo instável das permissibilidades de um palhaço.

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Nossa nova dynastya

Anualmente temos a sucessão dos cargos de liderança. Acredito que o caminho natural de um futuro líder nosso é o de (1) persistir no projeto (2) de forma ativa (3) com voz cada vez mais presente. Não tinha ideia quanto tempo levava para se conseguir isso - há alguma cartilha que diga? Imaginava que seria necessário talvez mais de um ano. Mas, a nossa mais nova dinastia mostrou que trezentos e sessenta e cinco dias é mais do que suficiente para gerar sangue nobry nas veyas. 

Vejam só, a nossa nova rainha é uma garota de um ano atrás que, quando os novatos mais artistas e viajantes ficavam contando suas experiências místicas e psicológicas dentro dos jogos de palhaços que íamos convidando a participarem, ela dizia que sentia muito, mas não sentia a mesma coisa que aquele povo. 

Sempre fico receoso com as pessoas que não falam tanto sobre suas experiências internas. Tolice minha. Gostaria de ver nascer neles o que sou: um cara extremamente tagarela sobre meus processos viscerais. Mas, vim sendo essa coruja que fica na sombra do projeto, olhos arregalados bisbilhotando-os. Eis que vejo a moça não-viajante crescer. Talvez vivenciando um primeiro semestre que nem foi tão importante para ela, mas abraçando um segundo semestre em que sua voz espalhava força gradativamente. 

Quase agora, quis ela re-experienciar a oficina de iniciação para os novatos. A mesma de há um ano. Então, ressignificou todo aquele processo e viu o quanto tudo fazia mais sentido. Não esteve presente como uma facilitadora. Com uma bonita humildade, esteve junto com todos os outros, feito todos os outros. Então, lembrei-me da fala de uma ex-líder nossa, a Gaby, que tive o prazer de entrevistar:


A gente percebia que os melhores integrantes (2006-2008?) eram aqueles que mais amavam estar ali, os que mais se dedicavam, e muitas vezes não eram os que eram engraçados, os que faziam as melhores piadas, e tudo. E nem sempre esses mais engraçados eram o que as crianças mais gostavam. Era estar ali, com o desejo de querer ajudar, era o seu... o amar estar ali. Era assim que a coisa fluía durante as visitas, e não só nas visitas, pois o nosso projeto ia além da visita em si. 

Gaby não se achava uma palhaça engraçada, nossa adorável Dra. Marmota. Bem, a vi crescer no palhaço. Eu a achava. Acredito que Ana Flávia tenha a mesma percepção de si: sem graça. Na verdade, ri muito de suas atitudes na nossa recente oficina. De qualquer forma, ela está perfeitamente encontrada nesta fala da Gaby - abstração feita da graça (se ela quiser que polemize isso) - no que tange o estar aquy, presente, ativa, falante, vibrante. O que ela veio se tornando até se tornar nossa lyder. 

O que vi nesta oficina foi de uma grandeza ímpar: descer ao nível dos iniciantes para enxergar as alturas do que já percorreu; voltar ao passado para divisar o futuro que lhe espera e que vinha nebuloso. É assim que uma plebéya se torna raynha. 



Allan Denizard (Dr. Acerola)


quinta-feira, 9 de julho de 2015

Medo, expectativa...coragem!

O nono dia começa, novamente, com movimentos. Eu, participante de apenas um recorte do processo, imaginei que os pinguelins já estivessem próximos dessa coisa toda de andar em movimentos aleatórios. E cara, eu tava certo. Fazer pessoas cansarem nunca foi tão divertido. Pra quem olhava de fora, as partículas se aceleravam rápido e numa aleatoriedade engraçada, com a intensidade sendo ditada pela obra prima instrumental de um certo trio canadense com quarenta anos de história. Os comandos eram dados e recebidos com muita habilidade, estava realmente pleasant to the eye. Mas eu sentia que algo não estava 100% no lugar... Pedi mais intensidade, alterei o nível de altura da interação, aproximei, afastei, instiguei, e tudo foi seguido. “Bom, esse pessoal leva jeito mesmo.”

Mas, ao fazer a transição para o próximo momento, os rostos cansados acusavam algo além de cansaço, um desconforto, uma coisa bem coisada. Não importava no momento, pois eu precisava chamar os pinguelins pra uma aventura. Não tinha a menor ideia de como seria, mas chamei.

Se encontrar no plano imaginativo com você criança, você no fim da vida e você palhaço, foi o que eu imaginava que levaria o grupo a entrar em contato novamente com seus lados sombrios, não conscientes, suas fraquezas e potências que se escondem por debaixo da pele que eu mostro pra todo mundo no meu dia a dia. E por que isso é importante mesmo? Pois nosso encontro da capacitação tem pelo menos um objetivo: nos possibilitar levar um novo encontro à pessoas em situação de adoecimento. Pessoas que estão sendo obrigadas pela vida a se reconhecer como vulneráveis, suscetíveis, mortais. Como foi dito pelo Allan, “a onda do mar arrebenta o casco e arrebata o espírito, quero que ele voe, mas pode vir a cair.” E a capacitação precisa nos derrubar algumas vezes pra que entre na carne do joelho ralado a realidade da queda. O contato é cru, é sincero o suficiente pra dizer pra você: pare de tentar ser e seja.

Só que o grupo foi sábio o suficiente para involuntariamente (ou não), jogar na minha cara que não é bem assim! O grupo entrou num movimento que nas próximas linhas eu vou tentar inutilmente narrar, mas que só pode ser definido como mágico. Só que mágico não é com florezinhas e estrelinhas pululando não, jovem. A magia ali era forte, grossa, com pitadas de magia negra, sombria. O movimento do grupo foi de calar-se diante de tanta força, de tanta informação. A gente desceu até o Hades, passeou pelo inferno da infertilidade, ninguém conseguia falar sobre nada, até que o grupo teve e ideia de falar sobre não falar nada. E ai, depois de se estabacar no chão, o grupo foi sentindo o corpo e reconhecendo as feridas. Quem diabos se importa em encontrar com o meu palhaço ou a falta dele, se eu ainda estou morrendo de medo de não pertencer a essa realidade? Quem quer falar sobre hospital se eu tenho medo de não corresponder as expectativas? Quem vai se abrir para um grupo que agora tem estranhos e está sendo conduzido por um estranho, alguém que nem estava aqui nos outros dias? Quem vai se expor de novo depois de ter se sentido tão exposto ontem?

Como disse, a tentativa de narrar será sempre falha e eu nem lembro a ordem das coisas, mas o processo de cura começou ali: tempo pra pensar, claro, porque não? Se estávamos precisando, tivemos. E parece que algo mudou. Sutilmente, as falas foram reaparecendo, agora sobre o que realmente importava no momento: medo e expectativa. E o grupo aproveitou... sugou até a ultima gota da oportunidade de falar o quão real era aquele nosso encontro, puxando de antes da seleção, fazendo link com outros momentos da vida. E foi da terra arrasada, improdutiva, seca, que surgiu o que eu tinha desejado tanto proporcionar: identificação. “Pera, mas eu também tenho medo, e os antigos tem medo, e o Miná tem medo”. Mas e se a gente se derruba junto e consegue se reconhecer enquanto medroso junto, alguma força pode sair daí. E gente, saiu. Vocês se destruíram pra se construir, numa velocidade tão absurda que só da pra chamar de mágica. O grupo foi mesmo da matéria impura ao ouro numa velocidade que daria inveja ao mais habilidoso dos alquimistas. Falas sinceras, profundas, mas não mais carregadas só de tristeza; risadas, piadas, leveza na densidade daquele assunto. Eu nunca vi nada assim na vida, sério. Vocês são demais... O compartilhamento das experiências foi dando de volta ao grupo a coragem de se encontrar mais e mais. Porém, vocês não pediram “por favor coragem, vem me acudir.” A galera chegou chutando a porta da coragem, todo ferido, e disse "VENHA, AGORA!”. Eu diria até que o grupo pegou o que estava colocando para baixo, o medo, a angústia, tacou sal em cima e comeu, sem pedir licença. E essa violência, essa agressividade saudável que só pode advir de um contato com o meu lado que eu rejeito, minha sombra, foi lindamente metaforizada na atividade seguinte, dos samurais. E nossa... como foi libertador ouvir vocês berrando. Ha!!! Ah... que dia, de verdade. Na atuação em hospitais, sendo ou não Y, eu percebi que se a gente quer levar mesmo a bandeira da humanização, não podemos sempre pedir permissão. O palhaço é também subversivo, revolucionário, num lugar em que tudo é controle, é científico, cada um no seu lugar. Às vezes é preciso arrombar a porta ao invés de bater, e hoje eu senti vocês fazendo isso. A jornada do herói Pinguelyn teve uma conclusão épica, e nosso “season finale” foi tão bem produzido que na metade do episódio parecia que o mal ia ganhar. Mas foi só pra ver se nosso coração aguentava! Passou, relaxem, mas nunca se esqueçam das cicatrizes.

 

Fim

 

P.s.

Esse post scriptum segue um fluxo: se você odeia Rap e/ou musica pop americana: acaba aqui.

Se você acha “Mehhh”, continue lendo, mas sem compromisso.

Se você gosta, vem com o tio:

 

Eu sai de lá e a primeira musica que toca na playlist é Eminem e Sia – Guts over fear.

 

Essa música tem sido significativa nos processos de mudança que estou vivendo no momento, porque eu sou desses que bota vocês pra ouvir rock progressivo e jazz fusion e depois vai ouvir musica pop. Lide com isso.

Mas então. Pra quem não sabe, o Eminem tem toda uma história de superação, problemas muito tensos, pai alcoólatra, transtorno mental na família a torto e a direito, e ele escolheu justamente um dos poucos lugares em que ser branco lhe traria grande discriminação, o Rap. Enfim, tem um filme dele pra quem quiser saber mais, chama “8 mile”.

A Sia é uma grande incógnita pra muitos por que ela é bem loka, não aparece nas câmeras, não se dá bem com a fama e enfim, ela parece ter uma personalidade bem troubled sabe? Mas enfim:

“Guts” é meio ruim de traduzir, é como se fosse coragem, dita informalmente. Em PT-BR a gente tem a expressão “tem que ter estômago”, mas ela fala de uma coragem associada a resistir a coisas que causam nojo, susto ou algo negativo. E ela não tem muito o caráter “nobre” da coragem. Você não escuta ninguém dizendo que o herói teve estômago pra ir enfrentar o vilão, mas em inglês poderia teu um uso parecido do “guts”. Assim, não sei também, não sou native speaker. Aceito correções.

 

Mas então, era só isso: a musica é foda, o clipe é foda, e acho que vale como energia mesmo pra gente que sai desse processo tão profundo. No último verso ele fala de representar de alguma forma toda garota(o) que já desejou ser aceita, que esteve enfraquecida por medos, expectativas e que só quis ser confortado. Acho que vocês tem mais potência de se encontrar com quem está com medo no hospital depois que tiveram toda essa coragem de enfrentar os próprios demônios.

A Sia fala pra gente que ela teve medo de não se achar (e ser achada), de não querer outro round, tentar de novo, de se sentir oprimida (a gente foi o homem raivoso ali algumas vezes, mas acredito que foi necessário). Mas ai ela esgota suas desculpas e decide não mais fugir. Acho simbólico.

E a hora passa a ser agora, e por todas as vezes que nós caímos, por causa delas, agora coloquemos a coragem acima do medo. Ele continuará existindo, e eu posso abraça-lo, brincar com ele e depois deixar ele ir. Mas ele não me controla. Eu tenho coragem de me encontrar.

-Por Humberto Miná

 

Guts over fear – Eminem e Sia. (tradução e seleção do trecho by Miná)

https://www.youtube.com/watch?v=0AqnCSdkjQ0   (clip)

 

So this is for every kid who all's they ever did

(isso é pra todo garoto que tudo o que sempre fez)

Was dreamt that one day they would just get accepted

(foi sonhar que um dia ele seria apenas aceito)

I represent him or her, anyone similar

(Eu represento ele ou ela ou qualquer um parecido)

You are the reason I made this song

(Você é o motivo deu fazer essa música)

Everything you're scared to say

(Tudo que você tiver medo de dizer)

Don’t be afraid to say no more

(Não tenha mais)

...

 

 

I was

Afraid to make a single sound

(Eu estava com medo fazer um barulho de sequer)

Afraid I would never find a way out, out, out

(Medo de nunca achar uma saída)

Afraid I'd never be found

(Medo de nunca ser achada)

I don't wanna go another round

(Eu não quero passar por outro round..)

An angry man's power will shut you up

(O poder de um homem raivoso pode/irá te calar)

Trip wires fill this house with tiptoed love

(Armadilhas preenchem a casa com amor de ponta dos pés)

Run out of excuses for everyone

(Esgotei minhas desculpas para todo mundo)

So here I am and I will not run

(então, estou aqui e não vou mais fugir!)

 

Guts over fear, the time is here

(Coragem acima do medo, a hora é agora)

Guts over fear, I shall not tear

(Coragem acima do medo, não vou chorar)

For all the times I let you push me round

(Por todas as vezes que eu me deixei controlar

And let you keep me down, now I've got

E me deixei derrubar, agora eu coloco)

Guts over fear, guts over fear

(Coragem acima do medo…)