quinta-feira, 2 de julho de 2015

Cycatryzes

Uma das mais gostosas atividades do dia é ser a sombra de meu filho. Desde que ele começou a dar passos, o solto no mundo e o vou seguindo. Vez ou outra caía, e eu o queria tomar nos braços, tirá-lo da terra. Ele olhava para mim, e eu escondia o medo que tive de sua queda. Então, apenas se levantava e seguia. Hoje, ele não olha. Cai, se eu não for pegá-lo - eu, o cara que sempre estou logo atrás dele - levanta e segue: o mundo é dele. Até que suas pernas se cansem, e aos meus braços insistente queira ascender. Até que suas pernas sejam forte o suficiente para não mais querer. 

Falamos tanto sobre cicatrizes hoje. Não foi um dedo fraturado (ainda acho que a Ana Flávia merecia uma radiografia), foi uma cabeça quase fendida. Os cuidados se aglutinaram ao redor de Juliana. A agudeza da dor a fez chorar, mas ela está aqui. Vocês estão longe de perceber o que isso significa. Está aqui. E, do nosso corpo, contamos as histórias. A arqueologia de nossos acidentes, de nossas falhas, o quanto sobrevivemos a uma cama insuficientemente larga, a um grafite transpassado no rosto, um lápis que não cegou um olho, um chão que aparou a queda de um queixo, um portão esmagando um dedo, um poste que não queria servir para apoiar bananeira e um graças a Deus por não haver uma banana ali no meio das pernas para o poste amassar. 

Parece que essas feridas funcionaram. Ao jogo da bandeirinha, eram todos quietos em cada "se". A tensão explodindo. A vontade de querer continuar vivo e vencedor exalando pelos poros. Coisa bem diferente de quando demos por nós que à infância, no geral, a coisa fluía mais, pensando menos, pois, entregue ao jogo, o corpo esquecia o espírito meditativo atrás. Resultado: sangue, pus, salmora, exposição das intimidades da pele. 

Foi do mesmo jeito, em um nível mais sutil, ao suspender o som do chão fustigado pela corda, e se expandir na atenção direcionada para o outro, o dialeto, a voz, a única luz de cegos amedrontados. Não vêem nisso algum processo? Todos juntos antes: chegar neles era um alívio. O outro do outro lado agora: chegar nele, um desafio. Chegar lá, então e enfim, é um alívio ou um desafio? Chegar no outro: cicatrizes - que foram, que virão. Cada um tem um relacionamento para contar, re-lacionamento, lacionamento, laço, lacerado. 

O que as crianças tem a nos ensinar sobre isso? Por não terem tantas cicatrizes, todas ainda por inaugurar, seguem costelas desnudas, mãos presas na calcinha, alvo fácil para a lâmina da vida transpassar o pulmão sem dó, que dor! 

- Eu não iria se soubesse que havia lâminas!
- Ruiva moça dos olhos vigilantes, já foi. 

Respirem, 1... 2... 3..., a lâmina passa, 4... 5... 6..., a respiração volta, 7... 8... 9..., olha o ritmo... da vida... e volta... a brincar... 10. Mas, brinquem com gosto, do outro lado tem o mundo. Detrás, as lembranças de todas as brincadeiras que suamos juntos.   

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