terça-feira, 7 de julho de 2015

Sobre o cansaço

       De todos os jogos de palhaço que a gente costuma fazer nas ofycynas, acho que o que eu sempre gostei mais foi o de ocupar os espaços, sabe? Não sei, tem alguma coisa de diferente nele que mexe diferente comigo. Hoje, nos colocamos a andar até a exaustão. E que sentimento maravilhoso, esse de exaustão. "Eu me senti exausta, porque eu me entreguei muito, sabe?" Ah!! Que sentimento maravilhoso, esse da exaustão! Da entrega! E entrega ao quê? Ao movimento, à dança, à infinitude do outro, aos infinitos olhares e bom-dias silenciosos, à infinita sala que vai do totó à coluna -respondem com seus pés, olhos, ombros, trejeitos e, por fim, suas bocas. Entrega. Outro sentimento maravilhoso!

     Suam, ofegam, se deitam no chão. Feito velhas meninas com insônia por ter tomado um remédio para suas quase-pneumonias , tendo dormido nem duas horas direito, protestam contra o início do movimento num instante, e no outro, dançam em seus próprios ritmos, sem vergonha quaisquer, pra maior plateia do mundo que os ovaciona enquanto eles fazem seus grand finales (que não necessariamente precisavam ser grand) no minúsculo espaço entre os braços, danças e a coluna o totó e um esbarrão do coleguinha. A sala transpira com eles. Escorrego no seu suor. Ou isso é o mijo do beto?

   A gente ta sempre no espaço, sabe? E nem sempre a gente percebe. Nem sempre a gente percebe que a gente anda. Nem sempre a gente percebe que "caralho, a minha mão fica desse jeito quando eu ando?". Nem sempre a gente percebe o quanto é difícil se equilibrar pra andar. Nem sempre a gente percebe o quão forte bate o coração da gente no nosso peito. Nem sempre a gente percebe quanto é estranho cair. Nem sempre a gente percebe como cair demanda extremo esforço. Respirar demanda extremo esforço. Sentir demanda extremíssimo esforço. Esforço. Força! Exaustão.

   Mas não sei, direito... ao mesmo tempo que o suor pinga do meu nariz e escorre da minha bochecha,  num movimento tão involuntário quanto essa transpiração alguma coisa puxa minhas comissuras labiais (óia o atlas de anatomia!) pra cima num sorriso meio pueril. E eu fico lá, sorrindo que nem imbecil, morto de cansado, transpirando, ofegando, fedendo, nojento véi, com o suor escorrendo pra dentro da boca... suor salgado. Feito água do mar... Ressaca... não, não as ressacas do Cantal. Ressaca de mar mesmo. Aquela força que arrasta, toma pra ela, que faz barulho quando esbarra na orla... Nem sei se faz sentido direito, mas fico com essa imagem na cabeça. É uma força grotesca, que se impõe e chega e pronto! feito o cansaço que a gente sente; Mas também é uma sensação que da um tipo estranho de paz, que nem quando você escuta o barulho das ondas batendo nas pedras do estoril e a água salgada respinga no seu rosto, feito o contentamento que eu sinto depois de dançar e andar e rodar e cair.

  Depois de dançar, parece que o mundo fica mais leve, sabe? Sapatilhas se parecem mais com orelhas de coelho, chapéis se parecem mais com discos voadores e um panda de pelúcia tentando segurar uma caneta... bem, acho que isso sempre vai parecer ridiculamente engraçado. Mas fiquei pensando em como o peso dos nossos corpos exaustos não impediam a leveza da nossas mentes de nos fazer dançar pelas graças e não graças (hilárias) uns dos outros. Não nos impediam de refletir e ser reflexo das emoções uns dos outros. Não nos impediam de rir do nosso próprio ridículo e do nosso próprio fracasso, e mesmo do ridículo e do fracasso do outro. Do mesmo jeito que o nível dois não nos impedia de ocupar completamente o absurdamente gigante espaço em que só cabe euzinho, ou que andar no nível menos três não impede nossos corpos de se esbarrarem uns nos outros.

     No fim... talvez, o que me deixe mais envolvido pela dinâmica de ocupar espaços vazios é o fato de que sempre vai haver espaços vazios, por mais que a gente esteja ocupando todos os espaços. Do mesmo jeito contraditório que há tanta, tanta leveza em tão exaustos corpos.


Tchuuuuuááá faz a onda do mar, batendo na pedra da praia.
Durmo ouvindo o mar e com gosto de sal ainda na boca, durante toda a aula da tarde.

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