terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Aula 6 - aproximações filosóficas



Vamos combinar que a aulinha sobre aproximações filosóficas não apenas ficou a maior, como também ficou a mais complexa. Eu acho. Até porque você precisa ter certa afinidade com os temas e autores filosóficos para se interessar a assistir até o final. 

Vou tentar facilitar aqui. Vamos dividir cada explicação em 3 etapas.

1. Por que eu escolhi o filósofo ou momento de pensamento em questão?
2. O que ele traz para a reflexão do Y?
3. Qual a deixa para ir para o próximo filósofo?

Vamos começar:

1. Platão

Por quê?

É o pai da filosofia ocidental. Dizem que foi Sócrates. Mas, foi Platão que "lançou" Sócrates no gosto do público. 

O que ele traz?

Não encontrei boas coisas dele para o Y. Ele não gostava de comédia. O lance dele era preparar a alma para reencontrar o mundo do inteligível puro e esses negócios de arte, pior ainda, comédia só iludiam as pessoas. 

Deixa

O discípulo dissidente dele era Aristóteles. Também outro fundador do nosso pensamento ocidental. Será se ele teria alguma coisa a acrescentar?

2.  Aristóteles

Por quê?

Se Platão não era nosso amigo quem sabe seu amigo que virou ideologicamente inimigo pudesse ser nossa amigo? 


O que ele traz?

Aristóteles encarna a reflexão filosófica. Torna ela palpável. Tenta fazer com que o mundo do sensível não seja um obstáculo para o filósofo, mas sim, seu ponto de partido primeiro e fiel. A comédia para ele era um meio plausível de tornar o ridículo inteligível. Ela nos dava como que a tipologia da feiúra, do grotesco, do tosco.

Deixa

Finda a antiguidade clássica em que se transforma a reflexão do riso?


3. Idade Média

Por quê?

É um período de 1500 anos que não podemos ignorar. Não foi, de forma alguma, a Idade das Trevas. Muita coisa boa se pensou aí. Muito do que nós somos tem raízes nesse período. As cortes e seus bobos. Os teatros de rua e os carnavais. 


O que ela traz?

A disputa entre a laetitia temporalis (alegria secular, profana, fugaz) e o gaudium espirituale (a verdadeira felicidade, plena, do contato com Deus). Estas duas categorias vão ser muito fecundas para se entender o fenômeno do doutor palhaço. 


Deixa

Isso não me mostra claramente o que a Idade Média teve de bom para este tema. O que mostraria?


4. Francisco de Assis

Por quê?

Sua exceção em meio à Idade Média traz a figura do bobo de Deus, que reconcilia a visão do sagrado (tida com séria a todo custo) ao feminino, ao infantil e, portanto, à alegria. Ele é o grande amigo de Clara, uma das primeiras ordens que traz a mulher para dentro da vida monástica. Ele é um monge que não se isola, mas se mistura com o povo, no seu exercício de mendicância. E, finalmente, ele foi o criador do presépio, a forma que temos de adorar ao Deus-menino. 

O que ele traz?

Bobo, alegria, mistura-se com o povo, Deus-menino...


Deixa

Eu falei em carnaval. Houve um pensador que explorou esse aspecto particular da Idade Média.


5. Mikhail Bakhtin

Por quê?

Todas as pessoas entendidas do assunto disseram que se falasse em palhaço e Idade Média e não falasse de Bakhtin não tinha falado nada. 


O que ele traz?

Estuda a categoria de carnavalização que em certa medida ele quis dar força demais para ela, quando, dizem os críticos, não cabia. Mas, cabia perfeitamente para o Y. Vou fazer um quote da minha dissertação, tá?

O Carnaval, dessa forma, é um espaço público de convivência em que a vida é retirada de seus trilhos habituais e como que virada ao avesso. As leis, as proibições e as limitações que imperam fora desse espaço-tempo dão lugar a novas formas de relação afastadas da hierarquização tradicional. As "mésalliances" podem ser entendidas como alianças espúrias que, em outras circunstâncias, seriam inconciliáveis: o sublime e o grotesco, o grandioso e o medíocre, o sábio e o tolo, etc. A invasão de uma ordem pela outra, do alto e do baixo, colore o tema da profanação.

Não é isso que acontece na enfermaria com um bobo usando um jaleco de palhaço?


Deixa

Por falar em carnaval, festa, pessoas misturadas...


6. J. J. Rousseau

Por quê?

Não é que eu descobri uma carta que Rousseau trocou com D'Alembert comparando a festa com a democracia, contra o teatro que estava mais para despotismo?

O que ele traz?

Ora, os doutores-palhaços provocam festa por onde passam. Os muros que separam as pessoas se desmoronam, um ar de liberdade sobe a saia das meninas, provoca o atrito dos furibundos, o sorriso peralta dos moleques. Segundo Rousseau isso seria um clima ótimo para uma democracia. 


Deixa

Vishi! Meteu a palhaçaria na política, falou em destronar reis, provocar encontros politicamente fecundos, não vai poder escapar do Boal. 


7. Augusto Boal

Por quê?

Um dos maiores teatrólogos que o Brasil teve. Versava exatamente sobre teatro e política. Entrou no mérito do coringa/curinga que é um palhaço gerador de liberdade no palco. 

O que ele traz?

A noção de que o teatro pode ser um instrumento de transformação da realidade para melhor, através do questionamento do naturalizado, da permissão de viver novas possibilidades em uma cena dada, tudo isso tendo o curinga (um tipo de palhaço) como ponte. 


Deixa

Muito bem, mas eu estou, talvez, perdendo o foco. Não era para se falar sobre o espírito do doutor palhaço. Quem poderia falar de riso e espírito em uma só tacada?


8. Henri Bergson

Por quê?

Uma das filosofias que mais influenciou o mundo entreguerras na França. Tida como neo-espiritualista. De outro modo, ninguém hoje fala em riso sem citar a obra de Bergson: "O Riso, ensaio sobre a significação do cômico". 


O que ele traz?

Aparentemente ele traz algo contra nós. Porque ele fala que o mundo do espírito é um mundo de liberdade, criação, impulso vital. O da matéria é um de rigidez, contração, perda de energia. O riso seria o movimento da matéria que tenta imitar o espírito, o que sai algo tosco, merecedor de riso como punição de quem vê aquilo. 

Porém, a despeito de Bergson, encontrei, na filosofia de Bergson, um argumento a favor do riso. O ator cômico - Bergson não tinha como saber disso porque não era piadista - precisa estar aberto a criatividade o tempo inteiro para antecipar a plateia e criar (!) o riso. No fundo, o ator cômico, particularmente o palhaço que vive fora do roteiro tem que estar repleto de impulso vital para se sair bem. 

Bergson me dá a deixa que eu precisava para pensar este assunto: a graça, que é a comunicação da característica do espírito à matéria, diz o filósofo, se degenera em múltiplas decadências até o grotesco, que é uma forma rígida, de esgares. Ora, uma consciência infeliz enxergaria nisso um contra-ponto. Eu enxerguei outra questão: a graça (gaudium espirituale) e o grotesco (laetitia temporalis) são parentes. 




 

 

sábado, 23 de dezembro de 2017

Aula 5 - Caderno e Mandamentos de palhaços



Feito palhaço é preciso saber quando a singularidade surge no ambiente, no parceiro, na platéia, e não deixar escapar. 

Somos acostumados a uma ciência de padrões. Na medicina, é preciso encaixar a fala desta ou daquela pessoa (duas trajetórias astrais completamente diferentes) em alguma síndrome que as torne visível, e iguais. Os padrões aniquilam a singularidade. Deixam a vida mais redonda, menos arestosa, e menos real. 

O capítulo 5 traz singularidades. A primeira é o caderno do integrante Beto que foi partejado enquanto doía a redescoberta de seu palhaço. A segunda foi um punhado de mandamentos, conselhos, dicas, carinhos para as gerações que perpetuassem o Y. 

Por que colocar estes dois processos? O que têm de especial?

Alguns de vocês já conseguem responder. Aos que não conseguirem, eis meus motivos:

- São eles que se revelam, tanto mais na dor, ainda mais no cuidado para com as gerações que abraçarem a causa, que dirá na saudade. Dor, causa e saudade. A dor, que é o aperto presente do que acabou de passar. A causa, que é o aperto presente do que deve perdurar. A saudade, que é o aperto presente do que dura. O quarto elemento que, de cima, integra tudo no mesmo peito: Y. 


Aula 4 - No meio do caminho... um Y



Falamos muito dentro do Y acerca do significado místico do três, e como ele casou perfeitamente conosco. 

À época do Orkut criamos até um tópico de discussão para alimentarmos tudo o que se mostrava como três: as trindades, as tríades, as trilogias de toda ordem. 

Contudo, momento revelador, se o três é o símbolo da estabilidade fundamental, pois é de três pontos que se define qualquer plano, o quatro é a perfeição que o transcende. O quatro é o ponto que desloca o observador do plano do três para olhar além. 

Não havia pensado nisso à época da dissertação, mas, de novo, a mística se faz presente nos caminhos do Y. O quarto capítulo é aquele em que me desloco do plano em que estávamos para olhá-los de cima. 

Um dos símbolos da maçonaria é o olho que tudo vê. Este olho está no topo de uma pirâmide. O vértice que aponta a transcendência em relação ao plano da terra, sem, todavia, se desconectar dela. 

Logo ao início do capítulo, é preciso que eu lhe conduza por uma imagem: a do caminho do Y. Aqui temos pelo menos quatro significados nele incrustado: 


  1. é o caminho que cada indivíduo percorre entre a salinha de figurinização e a enfermaria; 
  2. é o caminho que cada indivíduo percorre entre a laicidade e o profissionalismo;
  3. é o caminho que cada indivíduo percorre entre a infância e a velhice;
  4. é o caminho que o espírito percorre entre a simplicidade de um eu ingênuo e a unidade de um eu pleno. 


É verdade! Essa leitura não é só possível como é desejável. Veja, por exemplo, que quando falo sobre as amarras que as pessoas disseram existir em suas vidas, saímos das história individuais e chegamos até a teoria do poder onipresente defendido por Foucault. Quando falamos sobre a criança, tem-se aquela que somos, a que buscamos fazer sorrir, as que Korczak decidiu acalmar em uma câmara de gás nazista, voltando, então, para a enfermaria onde o projeto atua, com a descrição de crianças que despertam o divino em nós.

Logo no começo há a fala de Am, outro exemplo, que queria apenas confessar o amor pela família, mas trouxe reflexões sobre amor, liberdade, tradição, aceitação, serenidade. 

Mas, não nos percamos na viagem. Feito a história de Sendak, "Onde vivem os monstros", com a qual dialogamos também, por mais que tenhamos percorrido mares para além de nossa ilha, vendo o quão vasto era o mundo, sempre era imperioso voltar para o nosso lugar onde deveria estar esperando um leite quentinho no colo da mãe. O sempre e terno retorno para a salinha onde retirávamos as máscaras era um treino ininterrupto para o dia em que não mais precisaríamos tirá-la, por ela não mais existir. 

- O que você levou do Y?
- Levei ele comigo. E você?
- Não levei nada, decidi ficar. 

Não levar nada, decidir ficar. Quando não mais se leva, quando se fica, é que se está onde se deveria estar. Analise isso nas quatro perspectivas, e seja feliz. 




sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Aula 3 - Caminho teórico-metodológico ou a confusão de saber





Depois de longo e tenebroso inverno, em que me afastei da tentativa de explicar este mestrado, devolvo-me para a empreitada com outro motivo mais meu que do projeto Y: terminar um ciclo. 

O capítulo 3 quer falar sobre alguma teoria que referende as atitudes que, necessariamente, tive de tomar para deixar conhecido o Y. E fala também sobre os passos que tomei para registrar os saberes.

Precisamos entender que capturar uma essência de algo tão móvel e ígneo como é este projeto é uma tarefa impossível. A essência se esvai feito água do mar nas mãos de um menino. Mas, alguma fotografia haveria de tirar, ou melhor, algum quadro haveríamos de pintar, juntos, buscando não arrancar orelhas para caber no belo.

Para compor o cenário, fui em busca de um ou dois representantes de cada geração, aquelas que se sucedem quando vêm as seleções. Pessoas que ainda estavam presentes predominaram no encontro grupal. Outras que considerei centrais de épocas idas fui entrevistá-las a parte, a fim de não perder suas falas. 

O encontro em grupo iniciou-se com um aquecimento: que eles desenhassem o que viesse em mente sobre o mote "o caminho que percorri até o Y". Alguns entenderam "o caminho que é o Y", e respeitei essa confusão rica em significado. Os desenhos finalizam a dissertação. Alguma análise deles teço ao quarto capítulo, e talvez mais adiante. 

Reunir as pessoas para que falem do que vivem possui o mérito da instigação que um exerce sobre o outro, porém faz as vezes de calar o mais tímido. Há falas que surgem filhas do encontro, mas outras que são sufocadas pela luz da presença alheia. É um risco. 

As entrevistas individuais quase pareceram um café a dois. Fui revivendo a presença amiga, e lembrando junto com a pessoa o que ela viveu, o que testemunhei. Descobri algumas sombras que poderiam ter dado todo um novo trabalho. Mas tudo o que É não se torna ainda mais nítido com o seu contraste? Sim. Falei um pouco disso. 

Por fim, tomei a liberdade de passar para o papel minhas memórias. Ainda que mais ou menos distante, acompanhei o grupo por dez anos. As falas que caíam em minha rede interpretativa saíam trabalhadas com o esforço do meu distanciamento de pesquisa e coloridas com meu pertencimento. 

Boa parte do capítulo, como havia falado, tenta explicar porque cada atitude dessa é possível dentro de uma pesquisa que se quer científica. No vídeo que gravei, e que segue logo mais, deixei claro que o único paradigma possível que me permitiria construir algum saber sobre o Y, com tantos encontros de sujeitos igualmente dignos, seria aquele que me permitisse ser, apesar de pesquisador, ainda amigo, ainda amante. 

Um último critério que você deve buscar enxergar por todo o texto é a escolha pelo belo. Poderia ser pintura, trabalho com argila, dobraduras, mas a academia pede letras. Então, pelo menos que tenha um estilo doce, que busque o belo ao falar de todos eles. O belo foi necessário almejar em cada momento de manifestação do divino que eles me trouxeram. Lembrem da definição clássica da arte: é o inteligível feito belo. Tentei. 

O capítulo 4 mostrará o quadro que conseguimos pintar.

 

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Sobre Palhaços Tristes

Me deu uma vontade de soltar um palavrão, daqueles bem caprichados.
Daqueles que explodem pra fora da boca da gente, de um jeito que todo mundo ao redor chega se assusta. 'Eita! E ele fala palavrão assim também, é?'
Ora po***, falo. Falo sim, ué. Depende um bocadinho do contexto, mas sim.
Agora por que diabos é que eu tô com essa vontade tão forte, tão urgente e tão sedenta por um grito?

Deixa eu me explicar.
Sempre gostei muito de um filme em específico do Selton Mello. 'O Palhaço' (risos, de uma ironia beeeem irônica e redundante). O pior é que já gostava muito desse filme bem antes de sequer pensar que eu era Mungango, e que Mungango era eu. Devia estar na plenitude (mentira) do Ensino Médio quando assisti ele pela primeira vez. E por quê eu gostei tanto desse filme?

Por que ele mostrava um palhaço triste.

Sim, ca*****, um palhaço triste. Arrisco até dizer que um palhaço numa depressão bem lascada de ruim. Quando comecei a escrever poesia, até fiz uma girando muito em torno disso.

"Se ele é quem faz todo mundo se abrir,
Quem é que vai fazer o palhaço sorrir?"

Talvez algum dia até poste ela inteira por aqui.

Tá, mas e daí, Dr. Mungango? Tu tá com vontade de sair xingando a torto e a direito por conta de um palhaço triste?

Pu** que pariu, não! (Mas sim, um pouco.)

Tu já parou pra pensar nisso? Em quantos palhaços tristes tu já viu na vida?
Eu te dou uns minutinhos pra pensar.

...

Pronto?
Pois é. Até tem, num é? Vez por outra aparece aqueles palhaços que têm umas lágrimas  marcadas no rosto. Mas, eita! Um palhaço triste?
Sim. Triste. Muito triste, pouco triste, numa depressão fu**** de lascada ou só meio cabisbaixo por que a torrada dele caiu no chão com a manteiga virada pra baixo.
Mas isso parece tão estranho!
Como que um palhaço vai ser um palhaço bom assim?
Ele não devia ser um epítome de felicidade e alegria? (Sim, eu fui pesquisar no Google o que era epítome - símbolo de ~ ou alguma coisa nesse sentido)

Que me***, ó. Não é bem por aí não.
O palhaço é gente como a gente. O palhaço ri com besteira, o palhaço chora quando bate o mindinho na quina daquele móvel (e pode xingar mais do que menino-véi-amarelo-do-buchão quando descobre que palavrão existe).
Palhaço solta pum. E nem adianta frescar por que eu sei que tu solta pum também, pode mentir pra todo mundo, mas a mim tu não engana.
E palhaço fica triste. Às vezes só um pouco, mas às vezes o negócio é tão pesado que parece que é difícil de levantar da cama todo dia de manhã.

Pois é.

Complicado, né?

Pois me diz, quem foi que te disse que não existe palhaço triste? Quem diabos que botou na tua cabeça que palhaço tem que ser 100% feliz contente e saltitante, o tempo todo? Porque não é bem assim que as coisas funcionam no mundo real. E é por isso que eu gostei do filme do Selton Mello. Porque ele era cru. Ele mostrava o palhaço como ele era. Com ou sem uma maquiagem. Com ou sem uma máscara.

Deixa eu te fazer um pedido, agora. Pensa em todos esses exemplos que eu te falei com "palhaço". Pensa neles, e troca todos esses "palhaços" por "uma pessoa", ou "alguém", ou um "a gente".

Um "você".
Ou um "eu".

Às vezes dói, né?
Às vezes não dá nem vontade de levantar da cama de manhã.
Talvez tenha um motivo bem claro pra essa dor aparecer, ou talvez a gente precise pensar bem muito até entender o que tá acontecendo.

Mas isso faz parte. Acontece, ué.

Com. Todo. Mundo.

E não tem por quê fingir que isso não acontece. Não te por quê achar que um palhaço tem que estar 100%, 100% do tempo. Não tem por quê pensar que qualquer pessoa neste mundo tem que estar feliz o tempo todo.

Me diz quem foi que disse que tristeza não é normal? Quem disse que não pode chorar? Quem disse que pra 'render' na sociedade e ser um membro exemplar da espécie humana você precisa estar sempre feliz?

Pois olha só, deixa eu te contar um segredo:
Se alguém já te disse essas coisas aí, é mentira, viu.
Mas pense numa mentira deslavada.

Agora vai assistir 'Divertidamente'. Vai lá assistir 'O Palhaço'. Vai assistir o filme em que o cachorrinho morre no final e todo mundo parece que chora até não ter mais uma gota véia miserável de água no corpo.
Pode chorar, pode ficar triste. Pode sentir.

Pode sentir.

Ok?
Pode sentir. E aí, quando você estiver um pouco melhor, cê volta aqui.
Aí você pega e junta todo o ar que conseguir dentro dos teus pulmões, toma fôlego até não caber mais, e diz um palavrão com todo o gosto.
Entendeu? Pode dizer, sim. Hoje em dia até as crianças véia de onze anos fala mais palavrão do que a gente.
Pode tomar teu espaço reservado se for o caso, colocar um *bip* no áudio ou pôr um monte de asteriscos.
Eu entendo.

Aí quando cê voltar aqui, pode pensar noutro título pra esse texto. Eu deixo tua cabeça bem livre pra inventar outro, tá? Mas deixo uma recomendação, já de cara:

Sobre Pessoas Que Também Falam Palavrão.

Pode ficar triste. Pode falar palavrão. E aí, quando as coisas melhorarem, porque eu sei que vão, tu vai ver como é ficar feliz de verdade.

E pode ficar pu** da vida com essa besteira toda de se dizer que 'as pessoas não podem ficar tristes'.

Att.,
Dr. Mungango.

P.S.: Desculpa o textão. É que eu realmente tava bem pu** mesmo.

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Problemas em mim

Olá, 

Raramente me apresento por aqui, embora quase sempre presente. Sou Allan Denizard, de alguma forma orientador artístico-filosófico do projeto. 

Decidi falar um pouco mais de mim porque estive recebendo feedback da capacitação que dou para quem está entrando. 

O que me chamou a atenção é a mesma experiência de muitos dos que iniciam essa vida de visitas como doutores palhaços ao hospital que assistimos. Há surpresa, descobrimento, amorosidade. Às vezes há desgosto, desânimo, incômodo. 

Disseram as moças e rapazes que minha capacitação é boa, mas não poderia contemplar toda a riqueza da realidade do contato com as crianças. E, isso é muito tranquilo para mim. Qual a concha que pode conter o mar?

O que me fez pensar mais sobre o que venho fazendo é o meu crescimento histórico em relação a cada nova geração que acompanho. 

Investigue este blog e verá que textos com meu rosto estão presentes desde 2007. Vivi as visitas por seis anos e depois fiquei vivendo os visitantes. Fui para outros palcos, dos quais o que mais me desafia é ser pailhaço de duas crianças cuja (i)lógica do riso são completamente diferentes. Não os visito, são meus filhos, moro com eles. Lá, ao Y, aprendíamos a brincar com a fugacidade do encontro. Como torná-lo potente ainda que fugaz. E brincadeira é coisa séria! Aqui evoluí para o aprendizado de não deixar o cotidiano da convivência, que é sério por natureza, corroer a brincadeira. Lá estavam doentes. A brincadeira era visitá-las. Aqui estão sadias, pelejo para que permaneçam. A brincadeira é para não as adoecer, para que não tenha de as visitar no hospital. 

Todos os anos tento passar para os novos Ypsilonianos tudo o que venho aprendendo. A reação é sempre a mesma: quem está chegando se encanta e quase não entende; quem já experimentou mais do projeto e está revisitando a oficina se espanta em entender bem mais tudo o que é a capacitação inicial, e que não muda muito em termos de corpo de brincadeiras. É como se abrissem portas do castelo da compreensão. Só que agora eles têm chaves. 

Do meu lado, toda capacitação é uma viagem nova. Cada uma delas me faz entrar em territórios inexplorados e sagrados. Tem que tirar as sandálias para entrar neles. São pessoas que se permitem sair do normal acadêmico para ficar brincando por quarenta horas quase ininterruptas. Às vezes me sinto Caronte, o velho barqueiro do Styx, conduzindo a pessoa para a própria sombra. Não é tão denso assim, mas é um experiência, por assim dizer, caudalosa. 

O que talvez eles não percebam - não tem como perceber - é que todo ano eu volto maior, mais largo, mais amplo. Vou estudando o palhaço e todo o teatro que ele evoca, vou buscando entender mais isso que um dia fiz, que agora faço de outro modo mais suado, por vezes, mais insone. Para ter uma ideia, fiz um mestrado só sobre isso. Mas, eles, que são o mesmo punhado de estudantes querendo se iniciar na palhaçaria, tem mais ou menos o mesmo tamanho para mim, que é o da dúvida e o de certa ignorância deste conhecimento que me pesa. E um pecado enorme cometo contra eles: quero que me acompanhem. 

Dessa forma, perco suas singularidades, fico cego para seus desvios de como podem viver o mesmo assunto por caminhos diversos. "Não sinto isso, não sinto aquilo, para mim não foi desse jeito, para mim não funcionou assim." São falas que me passam mudas por causa de meus ouvidos displicentes para o novo dos novos. "O nariz para mim é apenas um gatilho, por que tenho de atuar, fico bem apenas desse jeito, daquele outro, etc." Esqueço assim que eles estão começando uma peregrinação sem meus pés. 

O que posso fazer? Continuar no meu caminho, suponho, e assumir que passar o que sabemos para outros é narrar aventuras de lugares onde não estiveram, ouvir deles os lugares por onde não passei. Vejo agora como meu ofício de caronte sempre foi mais tentar fazê-los chegar até mim, e o quanto eles pularam da barca no meio do caminho para mergulhar no fundo do rio de si. 

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Rolê Maroto ou "Que vysita top, manow"

Bros e sis, lpz?

Hoje foi irado. Primeira visita pro NUTEP, e, não só porque foi a única, mas foi a melhor, real. Rolou parkour, correria pelos corredores (faz jus ao nome e sim, essa foi podre ;) ), palhaço acocado na outra, briga e tudo. Mas se eu soubesse que, no final, ganharia um abraço bem gostoso e veria um monte de sorrisos tão grandes pra gente tão pequenininha, mano, eu já tava era lá faz ano!
Só o caminho lá praquelas quebrada foi bom demais, nóis frescando com todo mundo e o povo rindo da gente pelo simples fato de ver a gente. Conhecemos o maior gângster dessa Porangs, que nada menos que a família dele todinha trabalha por lá, paqueramo foi muito (não rolou Abel Brasil, daí a gente compensou, só pode), ganhamos bombom e passeamos de cadeira de rodas pelo HU, só pra fechar.
AH! E eu ainda encoxei uma lady lá, moh gente boa. Ela disse pro povo me jogar no lixo só pra ela ir lá depois e me pegar pra ela, ESSA FOFA.
Acho que é isso. Foi irado.

                                                                                              É nois,
                                                                                                     Dr. Vetim

sábado, 16 de setembro de 2017

Subo as escadas do meu prédio com as pernas trêmulas, sem sequer estar voltando da academia.
Sinto o peso da velhice do palhaço me visitar. E quero relutar contra isso, afinal tenho muito a aprender, muito a conhecer e desbravar por essas enveredas que escolhi 3 anos atrás. Contudo, senti muito medo por eles e por mim. E mesmo sabendo que era inconcebível, peguei a responsabilidade de deixá-los bem. Quem sou eu para isso, afinal? Ninguém. E ainda bem que percebi a tempo que não iria fazer isso sozinha. Lá estavam elas...
Crianças! Os melhores palhaços do jogo! Crianças, muitas crianças. Ingenuamente, não sabia que o SOPAI era um hospital DELAS! Apenas delas. E, ao passar pelo terceiro visitão, meus olhos de palhaça não eram mais os mesmos. Trazem a senescência, o orgulho de ver os novos se virando com suas piadas, abraços e histórias. Minha vontade era sentar numa cadeira de balanço e ser plateia dessa leva, dessa geração massa que é a Mafa!
Meus olhos apurados também enxergavam demandas das crianças, sejam elas de carência, violência, atenção. Senti que estava ali para que se qualquer coisa desse merda ou não. Os seios de uma palhaça viraram balão, e assim, para que eles não fossem estourados, a barriga de outro palhaço virou a explosão. Em outra situação, uma palhaça parecia ser a senhora elástico, e ali eu vi que seu poder era se esticar sem ao menos tirar o sorriso do rosto. Fez-me lembrar de outros amigos, de outras gerações, que eram sempre espancados por uma leva de "monstros".
Reparei que o esconderijo de um deles foi a casinha do bebedouro, e quão foi confortante a esse o momento de contar uma história na brinquedoteca.
Via tombos e uma montanha de crianças por cima de alguns e sarcasticamente ria da situação. Estava tudo sob controle aparentemente sob minha visão (ou não).
Ao pegar essa "responsabilidade" de deixá-los bem naquela situação de risco, quem ficou bem fui eu.
Me senti plena ao saber que escolhemos pessoinhas certas para entrar nesse mundo de uma letra única, mas tão inteira e intensa!
Vou ficando por aqui. O cansaço me ocupa de uma forma transcendental neste momento, mas junto dele a sensação de leveza, ao vislumbrar as belas asas desses novos seres planando sob narizes, corações vermelhos e pulsantes!

Crystalina.
Pra vc, Crystal! :)

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Segunda Primeira Vysita

Eu tava na salynha, sentado, deitado ou largado no chão, mesmo. Alguma dessas coisas. E não ia visitar.

De novo.

Sabe, a última visita que eu tinha feito foi a primeira, também. Vysitão. E com isso tudo, pelo que via eu era o mais verde ali. Só que poxa, de todas as cores do mundo, logo verde, que eu praticamente nem enxergo (kkk - rindo de nervoso, tá).

Pois eu podia sentir as pelúcias olhando pra mim. Me encaravam com aqueles olhos de bila, quase já opacos: nem vai visitar de novo, né, Arthur? Terceira semana seguida, eu sei. 
De novo, uma série de eventos sobre os quais eu não tinha o menor controle parecia me colocar nessa posição. Eu ficava perdido.

E dava pra sentir, também, que eu tava chegando na bad - ou a bad tava chegando em mim. Bad, daquelas que você esquece o próprio nome de tanto que você rumina as idéias.

Aí estalou alguma coisa na minha cabeça. Do jeitinho que a gente sente vibrar o celular no bolso, quando chega mensagem. O Arthur tinha acabado de me mandar uma, e ele tinha um bocado de coisa pra dizer.
Já faziam duas horas que eu tava só enrolando lá, largado num colchão. Que era que eu ia fazer, ué? Visitar sozinho?


É. Exatamente.

E sabe por quê? Pelo único e exclusivo motivo de que você quer, e você pode. Por que é bom tu se lembrar de que quem tá vivendo é tu. De que se a vida for um jogo, esse jogo só vai pra frente quando tu começar a jogar. E que às vezes a gente até esquece, mas o protagonista dessa marmota toda é a gente, ué.

Então, eu sei que você tá nervoso. Eu sei que tu não faz a menor ideia de onde é a pediatria, porque a final de contas tu nunca foi lá mesmo. Mas já que você tá com medo, vai com medo mesmo. Deixa a tua adrenalina subir, passar da lua, dar uma volta em marte e voltar. Você tá todo se tremendo, menino (e nem é uma resposta de meme).

Deixa tu ficar tão ansioso que não consegue deixar os dois pés parados no chão ao mesmo tempo. Mas com tudo que tu puder fazer, lembra que quem tá fazendo é você mesmo. E que é tu quem tá tomando as rédeas da tua vida, por mais que tenham coisas que ninguém controla.

Então, a Azul vai aparecer aí. A Sarah e o Liso também. E tu vai querer com todas as forças implorar que eles vão contigo. Mas só vai na visita - só vai nessa viagem marmotosa - quem tiver na vontade. E não se obriga ninguém. Pois aí aproveita, que tu aprende logo é na marra.

Tu e a imensidão do mundo.
Por mais que às vezes tu não consiga fazer dessa forma.

Então, doutor, aproveita. 
Aproveita, porque isso é sobre mais coisa que palhaço-terapia. Aproveita, que a visita pode ser maravilhosa, mas pode ser uma completa desgraça também. E provavelmente não vai ser nenhuma das duas coisas. Só tem gente, lá; são pessoas, apenas, tu sabe disso? Na pior das hipóteses, tu volta cedo: é só o tempo dos ponteiros darem umas voltas, e é você quem tá de volta. O conteúdo da visita nem vai fazer tanta diferença assim.


Pois doutor, aproveita, porque agora tu é o Doutor Mungango. Batizado, benzido e avacalhado. 

E aproveita, porque você tá vivendo.


- Arthur

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Transportada pra fora de mim

Tudo começou pela simples vontade que esse dia não chegasse, faltar no dia e justificar seria uma boa ideia. Acordar às quatro e trinta da manhã com o estômago embrulhado, os pés e as mão tremendo não é fácil pra ninguém. OI, Ansiedade!! Já entendi que você está aqui.

Entrar naquela sala onde a gente ia se arrumar foi como estar na sala do começo. Uma vez que se entra não se pode mais voltar (era isso que eu achava, até que eu escutei um "VOLTA"). O medo, a ansiedade e o estômago estavam gritando dentro de mim, ao ponto do meu coração quase parar, refletindo nas mãos geladas de um novo agora, precisando, assim, de uma outra mão pra me aquecer (obrigado por isso).

Observar cada detalhe deles, das suas roupas, suas maquiagens, seus risos, me fez entender que eu não estava só nessa. Olhar naquele espelho que refletia a minha imagem, me fez ficar mais confusa, naquele momento a maquiagem era tão importante, ela me encorajava a ser eu.

Em um círculo que não tinha quebras, suas mãos me deram suporte e suas palavras chegaram aos meus ouvidos como uma música com vários tons. Chegou a hora então. O nariz não só no rosto, mas no coração. Conectados como vagões de um trem.

Esse momemnto eu chamo de gut-gut. Entrar devagar em um quarto sem choros... NOOOOSSAAAAA!!! Eles eram tão pequenos comparados a mim, mas me causavam uma imensidão sem fim. Falar na língua da Babyelândia foi a verdade mais pura que eu já vivi. Vivemos. Ele, seu pequeno violão e eu. Dançando no "passinho do bebê dorme" foi como dançar a música da vida.

 Esse momento eu chamo de Êxtase. Mirela ou Lelela, como ela se apresentou, com uma roupa rosa e seus cabelos cacheados que pareciam os meus. O seu beijo, na ponta do meu nariz vermelho, me paralisou, sua vontade de ir embora comigo e seu pedido para que eu fosse sua mãe me instigaram por alguns segundos aplanejar como roubaria ela daquele hospital.

João, ele que não queria falar comigo, que não olhava e nem deu bola, se envolveu nos meus gestos quando me desfiz das palavras faladas. Acreditar que um acesso era um relógio que marcava 27 horas, me fez entender que o tempo não importava, naquele momento, ele não existia e, que o agora é mais importante às 27 horas do dia 27 de agosto de 2017.

Queria tanto falar de todos eles, todos lindos, todos grandes, todos com seus detalhes que me chamavam atenção. No final disso tudo, percebi, então, que o nariz não pesou. Era como se fosse meu, não da cor da pele, mas, ainda assim, meu. A maquiagem nem importava mais, ela já tava toda derretida e, ao mesmo tempo que ela mostrava a Dra Palhaça que estou construindo, mostrava a Camila que sou.

 E o jogo? Eu nem percebi que tava jogando, eu nem o reconheci, eu só o vivi, eu só disse sYm. As minhas mãos, o meu corpo, o meu coração, a minha risada engraçada e as minhas desculpas disseram sYm.

Escrevo essas palavras com minhas última forças (por hoje) com os olhos chovendo e o coração, que quase parava, agora, tá batendo mais forte. A ansiedade e o medo foram passear, dando espaço para o amor e a paz.

            Termino esse texto com uma vírgula, para que não seja o fim, mas o começo,



Palavras de: Uma ansiedade
                                   Um medo
                                               Uma menina
                                                           Uma doutora palhaça sem nome
                                                                       Um coração que quase parou
                                                                              Um agora,


                                                                                                                                                Camila (A)

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Não sei criar título

Eu sou ansiosa e eu penso demais. Algumas poucas vezes meu cérebro me dá uma folga e eu consigo ignorar a coisa até que ela aconteça. Essa foi uma dessas vezes. Só fui me dar conta de verdade que ia visitar quando eu tava tentando entrar na minha legging verde e decidir qual ia ser a cor da minha sombra. E aí vieram várias coisas de uma vez, e vários cenários que tudo poderia dar terrivelmente errado e como eu seria a pior palhaça da história do Y. Mas aí colocaram música e tava todo mundo conversando e rindo, começou a fluir uma energia e eu resolvi seguir o conselho muito sábio que me deram “é só não pensar muito”. E foi uma das poucas vezes que eu consegui. A visita toda foi uma experiência quase extracorpórea, em que eu tirei todos os mil filtros que eu carrego e me deixei falar a primeira coisa que vinha na cabeça. Achei uma sala de seres fantásticos, cantei a música da baleia que ninguém conhecia, insisti com um menino mudo, e tentei convencer todos de que o cabelo mais lindo era uma peruca. Ganhei um chapéu e um beijo, ganhei um makeover e uma amiga nova e tive no colo a criaturinha mais preciosa. Queria cuidar de todo mundo, queria abraçar todos ao mesmo tempo. Quis muito tirá-los dali. Mas tanto foge do nosso controle e embora eu ainda não aceite muito bem, tô aprendendo a lidar. Eu deixei um pedacinho de mim e venho trazendo alguns  pedacinhos que eu peguei. No fim, eu já meio cansada, encontrei carinhas com olhos brilhando e uma euforia que me contagiou.  Ver aquelas pessoas que desde o primeiro momento eu gostei tanto, carregando em si um sol de de amor e alegria me fez um bem que vou guardar comigo por um bom tempo. Nunca imaginei que viveria algo assim, e agora não consigo imaginar como seria não viver.

Ana 

domingo, 27 de agosto de 2017

Sobre Um Hoje

          E lá tava eu, me olhando num espelho pequeno, pouco maior que a palma da mão. Tava completamente perdido, como de costume. Olhava pra uma esponja cortada num formato estranho... Como era mesmo o nome daquele negócio colorido? Já me disseram tantas vezes.
          E eu tentando imprimir no meu rosto um cartão de visitas, com nome, CPF e RG de um palhaço que eu ainda não sabia exatamente como era.
          Isso me incomodava um bocado. Pra ser sincero, talvez um pouco mais do que deveria. Como eu não sabia ainda que palhaço eu era? E tudo parecia tão fácil, nas mãos dos outros... E tudo parecia tão estatística avançada nas minhas.
          Pois passei um tempo só olhando pra mim mesmo. Quem é que diabos se esconde debaixo dessa minha pele? Como se chama, quem chama, e o que diz...? Aí parei pra pensar um pouco: claro, a maquiagem do palhaço é importante, sim. Mas agora eu tenho minhas dúvidas sobre umas coisas. Tipo qual a importância que uma criança ia dar pra simetria do meu rosto, enquanto eu aposto corrida em câmera lenta com ela.
          Qual é a importância que tem a cor da minha camisa, enquanto a criança me diz que a barriga dela ronca em espanhol, e a gente tenta escutar com um estetoscópio?
          Então eu desisto daquelas esponjas esquisitas. Desisto de adivinhar a cor de todas aquelas tintas. E no fim, acabo usando os dedos mesmo, pra encher o rosto daquela tinta-pó-e-pasta-branca que tem nome de bolo gourmet.
          E por favor, me perdoem todos os místicos, mas o nariz tava no meu rosto. E só. Ainda era o Arthur me encarando de volta do outro lado do espelho. Nenhuma entidade tinha batido na minha porta, sabe? Mas agora eu estava jogando. E preocupado com uma coisa só: jogar. Que se dane a maquiagem mal feita. Pro inferno com uma roupa séria demais pra um palhaço. Tem mais coisa pra viver do que isso.

          E eu vivi.
          Dancei como se todo mundo estivesse olhando. Porque isso era bom: dançar marmotoso, com uma dúzia de olhares sobre mim, e continuar dançando mesmo assim.
          Examinei vários estômagos poliglotas, e fiz a medição de uma boa dezena de juízos.
          Ri, fiz marmota, tive raiva e fiquei triste. Vi crianças problemáticas, que talvez não tivessem ninguém ali por elas.
          E vi muitos dentes. Brancos, amarelos, bonitos e desengonçados. Risos fortes, contidos ou escancarados como coração de mãe.
          E entendi que tudo isso faz parte.

          Mal sinto as pernas de tanto cansaço. Suei tanto. E ainda rasgaram botões do meu jaleco.
          Mas caramba. De uma coisa eu sei:
          O Arthur que eu via nos espelhos de mão com certeza estava bem mais feliz depois, no reflexo de uns olhares emoldurados por sorrisos.


- Aquele que espirra, aquele das marmotas, aquele ainda sem nome.
Aquele Arthur.

Precisa de um título?

As vezes, não raramente, acontecem coisas que me deixam tão infinita que eu tenho dificuldade para externá-las, quase como se as palavras não honrassem o sentimento, quase como se meu inconsciente achasse que nada além de mim fosse entender. Hoje foi assim... Agora, meio deitada meio sentada, meio acordada meio dormindo, as lembranças vêm mais lentas e, mesmo caóticas, parecem fazer um pouco mais de sentido. O foco nem era eu, mas acabou sendo. De cara logo, eu abandonei três deles. Péssima. Em minha defesa, sou inesperiente e meu palhaço clama por não correntes (o que faz um certo sentido, olhando assim sonolenta). As acompanhantes sempre me fazem tão bem, eu queria que todo mundo tivesse essa experiência ou, pelo menos, a sensação. As crianças brincando, os nenéns sendo fofos. Queria todos, mas ninguém me dá, nem sequer vendem. A Jaqueline até ofereceu o Brian por 2 milhões de reais, mas não tenho tudo isso e, se tivesse, não tava nem trabalhando, convenhamos. Arrancar um riso daqui, lhe arrancarem um riso de lá. Por que não? É tão bom quando entram no jogo, é tão bom quando gargalhamos gostoso, quando quebramos nossas expectativas, quando agradecemos em silêncio, todos conscientes de que aproveitamos o momento. É tão bom quando pedem uma foto, quando desprezam meu autógrafo, quando eu esqueço todos os nomes. Foi incrível encarar a Ruth por tanto tempo. Foi fantástico encostar sua testa na minha. Foi lindo vê-la tão de perto. Foi confortável ficar ali para o nosso sempre. Foi superação conquistar o Levi (e até segurá-lo nos braços) depois de ele tanto desidratar pelos olhos com medo de mim. Foi divertido carregar a Débora por todos quartos e corredores atrás de sua mãe. Foi mágico, foi explosivo, foi infinito. Vê - los tão animados me enche, vê - los tão animados me emociona, vê - los tão animados me anima. Só eu sei como eu vivo isso aqui, só eu sei como eu transpiro por vocês. Meu inconsciente deve estar certo quando acha que ninguém vai entender, porque não tem como entender, isso é sincero, é puro, é sentimento, é amor né, fazê o quê?

Alícia Mourão - Dra... A procura de um nome

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Cavalgar os monstros da caixinha

Camila: Esses teus textos me deixam confusa. Vou nem falar nada (risos)                        


Allan: Fale.                        


Camila: O povo tá desejando tanto o visitão e eu com medo. Tava pensando sobre o que tu falou. Parar de se desculpar por tudo.                        


Allan: O que tem o que eu falei?                        


Camila: Nunca tinha percebido que eu me desculpava por tudo. E que sempre pedia permissão pra fazer até as coisas que eu queria                        


Allan: E por que o meu texto despertou esta conversa?                        


Camila: Acho que eu tava com medo de ser a deslocada. E, então, você percebe através de um texto que não tá só nessa.                        


Allan: Então, ele não te deixou confusa apenas. Ele te fez se reencontrar com a sua confusão.                        


Camila: Acho que eu tô gostando desse reencontro com a confusão. Sentir primeiro antes de entender                        


Allan: O meu pedido de parar de se desculpar de pedir desculpa cai no palhaço querendo que você sempre peça desculpa após colocar o nariz, tá?                        


Camila: Tá não (risos) . Não entendi.                        


Allan: O que você acha de ficar pedindo desculpa direto?                        


Camila: Eu nem noto quando faço isso.Tão natural. Quando parei pra pensar, achei feio (risos)                        


Allan: Uma coisa que é natural e feia: isso deve vir à tona após o nariz. Permita. (No caso do palhaço de hospital, também é algo inocente, que não irá agredir a criança, o que torna este seu atributo ainda mais precioso)                        


Camila: Nossa! Quero me permitir sim. Quero me permitir naquilo que eu não gosto também, entender que essas partes me formam em um todo.                        


Allan: Já descobriu outros feiúras?                        


Camila: Tô rindo muito com aquela risada de porquinho (risos). Minha mãe odeia!                        


Allan: Bom! Tem outras feiúras que não são tão óbvias, confundem-se com belezas, e de fato são. São belezas brancas. Em vez de gerar riso, podem gerar raiva nos transeuntes. E  daí ser tão difícil acolhê-las como fazendo parte de si.                        


Camila: Nossa, entendi. Gerar essa raiva é ruim?                        


Allan: Você gosta de música clássica?                        


Camila: Eu amo. Principalmente as melancólicas.                        


Allan: Mesmo nas melancólicas, há alegria em certos momentos, né?                        


Camila: Sim                        


Allan: Mesmo nas alegres, há melancolia.                        


Camila: Exatamente. Sempre assim. Você tá esperando algo triste e aí vem o alegre, que prepara você para o triste novamente.                       


Allan: A grandeza dela é como ela consegue introduzir na nossa alma os muitos tons dos sentimentos sem nos esgarçar. O que não nos esgarça nos expande.                        


Camila: Expande e causa uma explosão.                        


Allan: Depois nós recolhemos nossos pedaços e voltamos à vida, mais porosos para que o mundo passe por nós.                        


Camila: E assim teremos outras explosões. Nunca vividas. A vida é como um campo de guerra. Explosões boas e ruins.                        


Allan: E chuvas boas e ruins. Sereno massageando o rosto, tempestade fustigando a pele. O sol queimando a nós, mas também aos nossos agressores. A lua acalmando os homens, enlouquecendo as maré, etc. Gerar raiva é ruim?                        


Camila: Não, depois da raiva pode ter raiva ou pode ter outras coisas. A raiva também faz parte dessa explosão.                        


Allan: Dessa melodia... Claro que pode ferir no início. Como fere os ouvidos do músico a nota distoante. Mas somos aprendizes dessa arte. Tentar não ferir é ser politicamente correto e evitar a grandeza.                        


Camila: Até que um dia tudo começa a fazer parte de você e se torna tão natural como o pianista em um piano, né? Não quero evitar a grandeza, por muito tempo evitei.                        


Allan: Evitou?                        


Camila: Sim, acho que ela sempre esteve aqui. Ou talvez eu fingia que tava evitando. Quando você fala de ferir eu penso: Se não ferir alguém, serei ferida, em algum momento, né?                        


Allan: Ela fica querendo sair, e sai, é quando você a desfaz em desculpa. Mas não é uma questão de "fira para não ser ferida". É mais de "fira e seja ferida".                        


Camila: Entendi, minhas desculpas vem naturalmente após a grandeza.                       


Allan: Talvez. Não sei. Mas é comum pedirmos desculpas por termos sido grandes. É quando os outros se sentem pequenos por nossa causa. Se for, chegamos em algo mais profundo em você. Não é a desculpa que você tem que assumir ao nariz, mas a grandeza. Se for...                        


Camila: Eu escrevi algo que representa esse "fira e seja ferido". Quero viver isso um dia de cada vez.                        


Allan: Você havia me falado sobre algo assim, uma vez. Algo do tipo de não temer gostar por poder se ferir. Amar, apesar de se ferir, e seguir amando, despudoradamente.                        


Camila: Isso. Acho que eu sempre permiti as pessoas sentirem as coisas ruins e boas em relação a mim. Quando era eu, sentia o bom e escondia as coisas ruins. Pensar no outro sempre, depois de todos esses dias eu sair pensando em mim. E isso é louco! Olha : 


“Foram as 40h mais loucas da minha vida, alguns momentos eu queria que terminasse rápido, outros eu queria que demorassem pra sempre, na verdade foram as 40h que eu me soltei do tudo, pra ser nada e do nada pra ser tudo. Eu aprendi muito, muito, muito, talvez nem tanto quanto palhaça, e sim, como Camila. Eu só quero mostrar o que as pessoas não conhecem de mim, o meu escuro, o meu escondido, aquilo que eu guardo na caixinha do lado da minha cama.”                        


Allan: Essa caixa de Pandora do lado da sua cama, quando aberta, libertando os monstros, nossa ação é que eles sejam encarnados no jogo, e da interação surja a graça. Eles serão cavalgados pelo jogo, e, pelo jogo, vocês se decuplicarão.                        


Camila: Então que comecem os jogos! Eu sempre tive vontade de falar isso (risos)                        


Allan: É uma magia perigosa. Os Ypsilonianos vão ao campo muitas vezes sem preparar-se e preparar o outro para cavalgar nos monstros. É preciso coragem e sintonia com os ritmos presentes e libertos.                        


Camila: Vou ter cuidado com o que vou tirar da caixinha.                        


Allan: Seria melhor preparar-se junto ao seu companheiro de jogo para receber.                        


Camila: Deixar ele conhecer a caixinha antes, né? Trapaça talvez. Bom.                        


Allan: Óbvio que essa caixinha é sua ilha particular. Ninguém tem o direito e a possibilidade de conhecê-la por completo. Nem você. Mas, não é conhecer o que entra em jogo, mas deixá-la ser. A arte, toda arte, se quer ser grande, deve aprender a cavalgar. Cavalos indomáveis. Campos silvestres. Caatingas, até. O vaqueiro não faz ideia do que o cavalo é. O biólogo não faz ideia de como se monta naquilo. Não estou falando de um biólogo vaqueiro ou de um vaqueiro biólogo, claro! Como está a confusão?                        


Camila: Não consigo entender por completo ainda, ela ainda tá aqui (risos)                                                


Allan: Ótimo. Se depois de 40h e 1 conversa de whatsapp, sua confusão desaparecesse, que profundidade teria você?                        


Camila: Acho que pouca profundidade. Ela não desaparece (risos), só cria novas confusões. Quero viver cada uma delas. Como as ondas do mar, cada uma diferente da outra. Às vezes não tem onda e vem uma.                         


Allan: Ninguém é raso. As ondas vêm do mar que somos, lambendo o continente que nos circunda. O problema é que as zonas abissais são escuras demais e temos pouco fôlego para mergulhar até lá.