quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Cavalgar os monstros da caixinha

Camila: Esses teus textos me deixam confusa. Vou nem falar nada (risos)                        


Allan: Fale.                        


Camila: O povo tá desejando tanto o visitão e eu com medo. Tava pensando sobre o que tu falou. Parar de se desculpar por tudo.                        


Allan: O que tem o que eu falei?                        


Camila: Nunca tinha percebido que eu me desculpava por tudo. E que sempre pedia permissão pra fazer até as coisas que eu queria                        


Allan: E por que o meu texto despertou esta conversa?                        


Camila: Acho que eu tava com medo de ser a deslocada. E, então, você percebe através de um texto que não tá só nessa.                        


Allan: Então, ele não te deixou confusa apenas. Ele te fez se reencontrar com a sua confusão.                        


Camila: Acho que eu tô gostando desse reencontro com a confusão. Sentir primeiro antes de entender                        


Allan: O meu pedido de parar de se desculpar de pedir desculpa cai no palhaço querendo que você sempre peça desculpa após colocar o nariz, tá?                        


Camila: Tá não (risos) . Não entendi.                        


Allan: O que você acha de ficar pedindo desculpa direto?                        


Camila: Eu nem noto quando faço isso.Tão natural. Quando parei pra pensar, achei feio (risos)                        


Allan: Uma coisa que é natural e feia: isso deve vir à tona após o nariz. Permita. (No caso do palhaço de hospital, também é algo inocente, que não irá agredir a criança, o que torna este seu atributo ainda mais precioso)                        


Camila: Nossa! Quero me permitir sim. Quero me permitir naquilo que eu não gosto também, entender que essas partes me formam em um todo.                        


Allan: Já descobriu outros feiúras?                        


Camila: Tô rindo muito com aquela risada de porquinho (risos). Minha mãe odeia!                        


Allan: Bom! Tem outras feiúras que não são tão óbvias, confundem-se com belezas, e de fato são. São belezas brancas. Em vez de gerar riso, podem gerar raiva nos transeuntes. E  daí ser tão difícil acolhê-las como fazendo parte de si.                        


Camila: Nossa, entendi. Gerar essa raiva é ruim?                        


Allan: Você gosta de música clássica?                        


Camila: Eu amo. Principalmente as melancólicas.                        


Allan: Mesmo nas melancólicas, há alegria em certos momentos, né?                        


Camila: Sim                        


Allan: Mesmo nas alegres, há melancolia.                        


Camila: Exatamente. Sempre assim. Você tá esperando algo triste e aí vem o alegre, que prepara você para o triste novamente.                       


Allan: A grandeza dela é como ela consegue introduzir na nossa alma os muitos tons dos sentimentos sem nos esgarçar. O que não nos esgarça nos expande.                        


Camila: Expande e causa uma explosão.                        


Allan: Depois nós recolhemos nossos pedaços e voltamos à vida, mais porosos para que o mundo passe por nós.                        


Camila: E assim teremos outras explosões. Nunca vividas. A vida é como um campo de guerra. Explosões boas e ruins.                        


Allan: E chuvas boas e ruins. Sereno massageando o rosto, tempestade fustigando a pele. O sol queimando a nós, mas também aos nossos agressores. A lua acalmando os homens, enlouquecendo as maré, etc. Gerar raiva é ruim?                        


Camila: Não, depois da raiva pode ter raiva ou pode ter outras coisas. A raiva também faz parte dessa explosão.                        


Allan: Dessa melodia... Claro que pode ferir no início. Como fere os ouvidos do músico a nota distoante. Mas somos aprendizes dessa arte. Tentar não ferir é ser politicamente correto e evitar a grandeza.                        


Camila: Até que um dia tudo começa a fazer parte de você e se torna tão natural como o pianista em um piano, né? Não quero evitar a grandeza, por muito tempo evitei.                        


Allan: Evitou?                        


Camila: Sim, acho que ela sempre esteve aqui. Ou talvez eu fingia que tava evitando. Quando você fala de ferir eu penso: Se não ferir alguém, serei ferida, em algum momento, né?                        


Allan: Ela fica querendo sair, e sai, é quando você a desfaz em desculpa. Mas não é uma questão de "fira para não ser ferida". É mais de "fira e seja ferida".                        


Camila: Entendi, minhas desculpas vem naturalmente após a grandeza.                       


Allan: Talvez. Não sei. Mas é comum pedirmos desculpas por termos sido grandes. É quando os outros se sentem pequenos por nossa causa. Se for, chegamos em algo mais profundo em você. Não é a desculpa que você tem que assumir ao nariz, mas a grandeza. Se for...                        


Camila: Eu escrevi algo que representa esse "fira e seja ferido". Quero viver isso um dia de cada vez.                        


Allan: Você havia me falado sobre algo assim, uma vez. Algo do tipo de não temer gostar por poder se ferir. Amar, apesar de se ferir, e seguir amando, despudoradamente.                        


Camila: Isso. Acho que eu sempre permiti as pessoas sentirem as coisas ruins e boas em relação a mim. Quando era eu, sentia o bom e escondia as coisas ruins. Pensar no outro sempre, depois de todos esses dias eu sair pensando em mim. E isso é louco! Olha : 


“Foram as 40h mais loucas da minha vida, alguns momentos eu queria que terminasse rápido, outros eu queria que demorassem pra sempre, na verdade foram as 40h que eu me soltei do tudo, pra ser nada e do nada pra ser tudo. Eu aprendi muito, muito, muito, talvez nem tanto quanto palhaça, e sim, como Camila. Eu só quero mostrar o que as pessoas não conhecem de mim, o meu escuro, o meu escondido, aquilo que eu guardo na caixinha do lado da minha cama.”                        


Allan: Essa caixa de Pandora do lado da sua cama, quando aberta, libertando os monstros, nossa ação é que eles sejam encarnados no jogo, e da interação surja a graça. Eles serão cavalgados pelo jogo, e, pelo jogo, vocês se decuplicarão.                        


Camila: Então que comecem os jogos! Eu sempre tive vontade de falar isso (risos)                        


Allan: É uma magia perigosa. Os Ypsilonianos vão ao campo muitas vezes sem preparar-se e preparar o outro para cavalgar nos monstros. É preciso coragem e sintonia com os ritmos presentes e libertos.                        


Camila: Vou ter cuidado com o que vou tirar da caixinha.                        


Allan: Seria melhor preparar-se junto ao seu companheiro de jogo para receber.                        


Camila: Deixar ele conhecer a caixinha antes, né? Trapaça talvez. Bom.                        


Allan: Óbvio que essa caixinha é sua ilha particular. Ninguém tem o direito e a possibilidade de conhecê-la por completo. Nem você. Mas, não é conhecer o que entra em jogo, mas deixá-la ser. A arte, toda arte, se quer ser grande, deve aprender a cavalgar. Cavalos indomáveis. Campos silvestres. Caatingas, até. O vaqueiro não faz ideia do que o cavalo é. O biólogo não faz ideia de como se monta naquilo. Não estou falando de um biólogo vaqueiro ou de um vaqueiro biólogo, claro! Como está a confusão?                        


Camila: Não consigo entender por completo ainda, ela ainda tá aqui (risos)                                                


Allan: Ótimo. Se depois de 40h e 1 conversa de whatsapp, sua confusão desaparecesse, que profundidade teria você?                        


Camila: Acho que pouca profundidade. Ela não desaparece (risos), só cria novas confusões. Quero viver cada uma delas. Como as ondas do mar, cada uma diferente da outra. Às vezes não tem onda e vem uma.                         


Allan: Ninguém é raso. As ondas vêm do mar que somos, lambendo o continente que nos circunda. O problema é que as zonas abissais são escuras demais e temos pouco fôlego para mergulhar até lá.

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