E lá tava eu, me olhando num espelho pequeno, pouco maior que a palma da mão. Tava completamente perdido, como de costume. Olhava pra uma esponja cortada num formato estranho... Como era mesmo o nome daquele negócio colorido? Já me disseram tantas vezes.
E eu tentando imprimir no meu rosto um cartão de visitas, com nome, CPF e RG de um palhaço que eu ainda não sabia exatamente como era.
Isso me incomodava um bocado. Pra ser sincero, talvez um pouco mais do que deveria. Como eu não sabia ainda que palhaço eu era? E tudo parecia tão fácil, nas mãos dos outros... E tudo parecia tão estatística avançada nas minhas.
Pois passei um tempo só olhando pra mim mesmo. Quem é que diabos se esconde debaixo dessa minha pele? Como se chama, quem chama, e o que diz...? Aí parei pra pensar um pouco: claro, a maquiagem do palhaço é importante, sim. Mas agora eu tenho minhas dúvidas sobre umas coisas. Tipo qual a importância que uma criança ia dar pra simetria do meu rosto, enquanto eu aposto corrida em câmera lenta com ela.
Qual é a importância que tem a cor da minha camisa, enquanto a criança me diz que a barriga dela ronca em espanhol, e a gente tenta escutar com um estetoscópio?
Então eu desisto daquelas esponjas esquisitas. Desisto de adivinhar a cor de todas aquelas tintas. E no fim, acabo usando os dedos mesmo, pra encher o rosto daquela tinta-pó-e-pasta-branca que tem nome de bolo gourmet.
E por favor, me perdoem todos os místicos, mas o nariz tava no meu rosto. E só. Ainda era o Arthur me encarando de volta do outro lado do espelho. Nenhuma entidade tinha batido na minha porta, sabe? Mas agora eu estava jogando. E preocupado com uma coisa só: jogar. Que se dane a maquiagem mal feita. Pro inferno com uma roupa séria demais pra um palhaço. Tem mais coisa pra viver do que isso.
E eu vivi.
Dancei como se todo mundo estivesse olhando. Porque isso era bom: dançar marmotoso, com uma dúzia de olhares sobre mim, e continuar dançando mesmo assim.
Examinei vários estômagos poliglotas, e fiz a medição de uma boa dezena de juízos.
Ri, fiz marmota, tive raiva e fiquei triste. Vi crianças problemáticas, que talvez não tivessem ninguém ali por elas.
E vi muitos dentes. Brancos, amarelos, bonitos e desengonçados. Risos fortes, contidos ou escancarados como coração de mãe.
E entendi que tudo isso faz parte.
Mal sinto as pernas de tanto cansaço. Suei tanto. E ainda rasgaram botões do meu jaleco.
Mas caramba. De uma coisa eu sei:
O Arthur que eu via nos espelhos de mão com certeza estava bem mais feliz depois, no reflexo de uns olhares emoldurados por sorrisos.
- Aquele que espirra, aquele das marmotas, aquele ainda sem nome.
Aquele Arthur.
Nenhum comentário:
Postar um comentário